Centroavante histórico do futebol brasileiro, Edmar participa de jogos festivos e convive com ícones, como o atacante Careca, seu sócio em um centro esportivo, e Ronaldinho Gaúcho, campeão do mundo em 2002 (Acervo Pessoal)
Um complexo esportivo localizado nas proximidades da Rodovia Dom Pedro oferece aulas de futevôlei. Quem comanda é um senhor de 64 anos, com vitalidade e simpático com todos. Os mais jovens não sabem que aquele professor foi no passado o terror de zagueiros espalhados pelo Brasil e que fazia a alegria das arquibancadas. Edmar Bernardes, ou Edmar, para os amigos, fixou residência e vida profissional na Região Metropolitana de Campinas (RMC) e mostra disposição para contar a sua trajetória de sucesso no futebol nacional.
Um caminho iniciado, aliás, como vários garotos pobres que corriam atrás de uma bola nas décadas de 1970 e 1980. Os passos iniciais foram dados na cidade satélite de Taguatinga, próximo do Plano Piloto de Brasília. Com 16 anos, o seu talento desabrochou no Campeonato Amador local e alertou os olheiros locais. Um deles o indicou para fazer teste no Brasília Futebol Clube. Foi aprovado. A pobreza deu sua primeira aparição, pois Edmar percebeu que não tinha condições financeiras de sair de Taguatinga e ir ao clube localizado nas proximidades do Plano Piloto, mas ele conseguiu agarrar a chance e foi promovido ao time profissional, quando fez um contrato para ganhar um salário mínimo, o suficiente para custear o transporte.
Foi o alicerce para ganhar destaque, marcar gols no torneio estadual local e chamar atenção do Cruzeiro, que lhe ofereceu um contrato. Sua parada inicial foi em um projeto chamado “Cruzeiro do Futuro”. O elenco era formado por garotos de 19 e 20 que se destacavam pelo Brasil e eram lapidados até surgir uma oportunidade no time principal. Os treinamentos eram realizados no bairro do Barro Preto. Logo o protagonismo apareceu e o time profissional virou realidade para Edmar. Existia um obstáculo: a alta concorrência no setor ofensivo, o que deixava as oportunidades escassas. Com personalidade e poder de decisão, Edmar procurou a diretoria do Cruzeiro e pediu para ser liberado para outro clube, seguindo as regras da Lei do Passe. “Não me interessava ficar como quarto reserva. Foi quando fui emprestado ao Taubaté”, contou o excentroavante.
Deu certo. Em um Paulistão com 20 participantes, e estrelas do porte do atacante são-paulino Serginho Chulapa, Edmar foi o artilheiro do Paulistão com 17 gols. “O treinador era o Cláudio Garcia, ele me conhecia desde os tempos de Brasília”, recordou.
Foi o suficiente para as portas serem escancaradas. Foi iniciada uma disputa intensa pelo passe de Edmar. Ele relembrou a existência de vários pretendentes. Com a valorização existente, o próprio Cruzeiro verificou que fez um negócio com desvantagens. “O Taubaté tinha uma cláusula que dizia o seguinte: em caso de transferência, o Cruzeiro teria que indenizá-lo. Se o São Paulo, por exemplo, oferecesse 25 milhões (de cruzeiros, moeda da época), eu ficaria com 10 milhões, 10 milhões para o Taubaté e o Cruzeiro seria indenizado em cinco milhões”, explicou. O jeito foi adotar uma saída criativa, com o time mineiro patrocinando uma operação para que a cláusula não fosse exercida e o Taubaté fosse indenizado em cinco milhões de cruzeiros. Outra decisão foi a realização de um jogo amistoso com toda a renda sendo revertida ao Taubaté. “Como meu passe pertencia ao Cruzeiro, eu fui obrigado a voltar”, disse.
Um novo contrato foi firmado e Edmar ficou 15 meses na Raposa mineira. Ao final do compromisso, o atleta foi emprestado ao Grêmio, quando participou da companha da Copa Libertadores em que o tricolor gaúcho foi eliminado ainda na primeira fase em um grupo que tinha São Paulo, Peñarol e Defensor Sporting. “Minha participação individual foi boa, mas caímos cedo na Libertadores e perdemos a final do Campeonato Gaúcho”, disse Edmar.
O retorno ao Cruzeiro abriu brecha para uma nova mudança de vida. Uma negociação viabilizou a aquisição de 20% do passe. Com um contrato de 12 meses firmado, no meio do caminho surgiu a oportunidade de atuar no Flamengo.
Era um tempo de transição na Gávea. Zico tinha sido negociado com a Udinese da Itália. O dinheiro arrecadado foi aplicado na obtenção de reforços, e Edmar foi incluído no pacote.
O desafio era duplo: suprir a ausência do Galinho de Quintino e desconstruir a tese reinante entre torcedores e jornalistas de que o Flamengo fazia o craque em casa. “A base da equipe era toda feita em casa, com Andrade, Adílio, e eles já tinham títulos. Eu me encaixei bem porque era um time técnico, que sabia trabalhar a bola.”
O plano de sucesso só falhou por alguns motivos. O primeiro era o domínio local do Fluminense, que, liderado por Assis, Washington e Romerito, chegou ao tricampeonato carioca nos anos de 1983, 1984 e 1985. Outro fato negativo foi uma lesão no joelho que o excluiu por 50 dias dos treinamentos em 1984. O cardápio indigesto foi completado quando Edmar entrou em desentendimento com o então técnico Zagallo. “Em 1983 eu jogava e meu reserva era o Cláudio Adão. Em 1984, enquanto eu jogava, o reserva era o Nunes, que tinha retornado e tinha carisma com a torcida”, disse.
O final de 1984 foi o palco para o aparecimento de Luiz Roberto Zini, então diretor de futebol do Guarani da administração comandada por Leonel Martins de Oliveira. Proposta feita e aceita, Edmar teve uma temporada de sucesso no alviverde em 1985, quando foi artilheiro do Campeonato Brasileiro com 20 gols e 16 gols no Paulistão, terminando o ano como artilheiro do Brasil. “Foi um ano muito bom”, resumiu. Apesar do interesse do Benfica em sua contratação, Edmar preferiu ficar no futebol paulista para o ano seguinte.
O seu desempenho chamou atenção do Palmeiras. Ao lado de atletas como Eder, Mendonça, Edu Manga e Mirandinha, Edmar sentiu a decepção de perder em casa o título para a Internacional de Limeira. Para Edmar, a perda da taça foi alicerçada na dúvida da comissão técnica palmeirense em utilizar ele ou Mirandinha como titular.
O sistema adotado era simples: Edmar começava como titular e no segundo tempo, com os adversários já cansados, Mirandinha entrava e utilizava a velocidade para sacramentar as vitórias. Foi assim na semifinal, quando, após perder o primeiro jogo para o Corinthians por 1 a 0, o Palmeiras venceu pelo placar mínimo no tempo normal e marcou 2 a 0 na prorrogação. Com Edmar e Mirandinha no time titular. “A pressão foi enorme. Só que quando nós dois jogamos juntos o efeito não foi o mesmo”, disse. “Perdemos o título (para a Internacional de Limeira) em dois gols de contraataque”, lamentou.
Na temporada seguinte, um acordo com a diretoria do Palmeiras abriu espaço para vestir a camisa do Corinthians. O torneio estadual de 1987 foi cheio de emoções. Na época com 20 times, o primeiro turno corintiano foi desastroso. O clube terminou na 18ª colocação com 14 pontos (na época, cada vitória valia dois pontos). No segundo turno, a reação: o Timão terminou na liderança com 31 pontos e foi às fases decisivas. Nas semifinais, a goleada sobre o Santos por 5 a 1 e o empate sem gols no segundo jogo levou o Corinthians a disputar a final contra o São Paulo. O tricolor paulista ficou com a taça ao vencer por 2 a 1 os 90 minutos iniciais e empatar por 0 a 0 o confronto de encerramento. Edmar não tinha do que reclamar, pois foi o artilheiro do torneio com 19 gols. “O problema (do time) era psicológico. O time estava sem confiança. Como o segundo turno começou com todo mundo do zero, nós começamos a ganhar e ficamos 21 jogos sem perder”, lembrou o ex-jogador.
Em 1988, além da conquista do Campeonato Paulista, diante do Guarani, no Estádio Brinco de Ouro, Edmar celebrou a participação nos Jogos Olímpicos de Seul, convocado pelo técnico Carlos Alberto Silva. “É um sonho de qualquer atleta vestir a camisa da Seleção Brasileira. Tive boa participação nos amistosos e fui convocado. Ouvir o hino nacional (antes dos jogos) é algo incomparável”, completou.
Nas Copas de 1982 e 1986, Edmar chegou a ficar na pré-lista com 30 jogadores. Na edição da Espanha, o sonho parecia próximo com a lesão de Careca, mas foi desfeito a partir da convocação de Roberto Dinamite.
Edmar, no entanto, não tem do que reclamar. A carreira de jogador lhe rendeu frutos e homenagens por outros clubes que passou, como Santos, Atlético Mineiro, Rio Branco.
Só que o espírito inquieto falou mais alto. Em 1998, ao lado do amigo e parceiro Careca, Edmar fundou o Campinas Futebol Clube.
Para não estranhar o novo mundo, fez um período de adaptação no Olímpia. Ao mesmo tempo, ele construiu um centro esportivo que está até hoje em funcionamento. O Campinas funcionou por 12 anos, com um saldo a ser contabilizado. “O gasto era muito grande e ainda tinha dois times na cidade (Ponte Preta e Guarani). Não tínhamos apoio da Prefeitura, de ninguém. Era tudo do nosso bolso. Após 12 anos passamos o clube para o Barueri”, explicou sobre a experiência que revelou atletas como o atacante Danilo Neco, o armador e lateral Correa e o zagueiro André Leone.
Com tantas aventuras para contar, Edmar sente orgulho do legado construído no futebol. “O legado que deixo é de um atleta que sempre cumpriu seu contrato e que se dedicava ao máximo. Já se passaram 30 anos e as pessoas ainda me reconhecem”, disse. “Sempre respeitei todo mundo e fiz sempre as coisas certas”, completou o centroavante, que agora faz gols de placa na vida.
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