ENTRE PERDAS E GANHOS

Duplicação da Miguel Melhado deixa comunidade apreensiva

Obra exige a remoção de 400 imóveis construídos irregularmente às margens da via

Edimarcio A. Monteiro/ [email protected]
28/12/2022 às 09:02.
Atualizado em 28/12/2022 às 09:06
Proprietários e inquilinos foram surpreendidos neste final de ano com a notícia da desocupação: casas e comércios foram construídos irregularmente ao longo de 40 anos na faixa de domínio do DER, às margens da rodovia (Gustavo Tilio)

Proprietários e inquilinos foram surpreendidos neste final de ano com a notícia da desocupação: casas e comércios foram construídos irregularmente ao longo de 40 anos na faixa de domínio do DER, às margens da rodovia (Gustavo Tilio)

A tão esperada duplicação da Rodovia Engenheiro Miguel Melhado Campos (SP-324), que começou no início de outubro, transformou-se em um motivo de apreensão para 400 famílias e comerciantes que precisarão ser removidos para a execução da obra. O total de desocupações foi divulgado terça-feira (27) pela Secretaria Estadual de Logística e Transportes, responsável pelo projeto, que está sendo executado em um trecho parcial de 3,8 quilômetros de extensão entre o Anel Viário José Roberto Magalhães Teixeira e a Rodovia Santos Dumont, na altura do Aeroporto Internacional de Viracopos, e corta diversos bairros, entre eles os jardins Campo Belo, São Domingos e Marisa.

“Ninguém dá uma informação correta de quem, exatamente, terá de sair, quando e como isso será feito e se vamos receber alguma ajuda”, critica o presidente da Associação dos Moradores do Jardim Campituba, José Aparecido dos Santos, o “Zezinho do Campituba”, sobre o fato de os proprietários e inquilinos serem surpreendidos neste final de ano com a notícia. As casas e comércios foram construídos irregularmente ao longo de 40 anos na faixa de domínio do Departamento de Estado de Rodagem (DER), às margens da rodovia

“Se não podia construir, por que não impediram antes?”, questiona Zezinho. Ele participou de uma reunião na Regional de Campinas do DER na segunda-feira (26) em busca de informações sobre a obra e a desocupação que será feita. De acordo com a Secretaria Estadual de Logística e Transportes, para edificações ou construções às margens das rodovias, é necessário respeitar uma largura de 40 metros a partir do eixo da estrada. Na Miguel Melhado, foram construídas casas e variados comércios e serviços, como oficinas mecânicas, borracharias, lanchonetes, bares, quiosques etc, a distância inferior a permitida.

Pesadelo

"Ninguém dorme mais, porque a gente não sabe como vai sobreviver", desespera-se o mecânico Carlos Calixto de Melo. Morador no Jardim Marisa há 15 anos, ele investiu tudo o que ganhou na construção de um sobrado, no qual reside na parte superior e trabalha na sua oficina na parte inferior. O imóvel está localizado na faixa onde ocorrerão as remoções. Ele e vários outros atingidos pela desocupação não dispõem de escritura de propriedade e a negociação de compra foi realizada mediante o chamado "contrato de gaveta" - documento informal de compra e venda de imóvel sem registro em cartório.

"Pior do que o prejuízo financeiro que teremos, é a tortura psicológica pela insegurança que estamos sentindo", lamenta Custódio de Oliveira Júnior. "Aos 65 anos de idade, é muito difícil começar do zero", observa ele, que é dono de uma loja de autopeças. "A obra está vindo e ninguém sabe o que vai acontecer", afirma Wando Messias de Oliveira, proprietário de uma retífica de motores situada também na faixa de desocupação. Ele é locatário do imóvel e aponta que recebe clientes de bairros e distritos distantes, como Sousas, e até de outras cidades, como Vinhedo e Indaiatuba, e teme perder o contato com eles em caso de uma mudança repentina.

A comerciante Olinda Duarte Lima corre o risco de perder a casa e uma barraca de frutas. "Este é o único sustento da minha família", garante ela, que mora com o marido, uma filha e um neto. Zezinho mencionou que, extraoficialmente, tem a informação de que a Prefeitura de Campinas oferecerá um auxílio de R$ 605, pelo período de seis meses, às famílias que serão removidas, para que elas possam pagar um aluguel. "É pouco. Por aqui, dá para alugar dois cômodos com esse valor. Em outro lugar, não sei... Como uma família vai viver assim?", questiona o presidente da Associação dos Moradores do Campituba.

Ele acrescenta que a situação dos donos de comércio e serviços é ainda mais incerta, porque, até o momento, não há qualquer informação sobre como ficará a situação deles. O líder do bairro criticou ainda que a construção da pista elevada da duplicação da rodovia criará uma barreira de 6 metros de altura, que separará os bairros às margens, dificultando o acesso a equipamentos públicos, como escolas e postos de saúde.

Órgãos oficiais

A Secretaria Estadual de Logística e Transporte informou na terça-feira (27) que os moradores removidos serão transferidos para outros imóveis permanentes, mas não antecipou a localização. “A Cohab [Companhia de Habitação Popular], em parceria com a Prefeitura Municipal e Cetesb [Companhia Ambiental do Estado de São Paulo], está finalizando os cadastros de moradias existentes na faixa de domínio e, até a entrega dos imóveis permanentes, os moradores receberão auxílio aluguel da Prefeitura”. De acordo com a pasta, os proprietários e moradores dos imóveis a serem desocupados já estão notificados da medida. A secretaria negou que a construção da pista elevada isolará os bairros. “O projeto licitado prevê a construção de passagens inferiores de pedestres e viadutos”, divulgou.

Por meio de nota oficial, a Secretaria Municipal de Habitação (Sehab) informou que a desocupação das áreas é uma demanda do DER para a duplicação da Miguel Melhado. "Essas áreas não são públicas municipais, mas integram faixa 'non aedificandi' (em latim significa 'espaço onde não é permitido construir') da rodovia, onde moradias e comércio foram instalados irregularmente", informa.

A Administração municipal já realizou a vistoria no local e identificou quais imóveis são moradias e quais são de comércio. Com base nesse levantamento, o DER indicou as famílias e comerciantes que precisarão deixar a área. "A Secretaria de Habitação está convocando essas famílias para que possam ser atendidas pelo auxílio-moradia emergencial", acrescenta a nota.

Cerca de 100 famílias receberão o auxílio de R$ 605,00, valor pago pelo Fundo Municipal de Apoio à Habitação Popular (Fundap). De acordo com a Sehab, o DER vai destinar um local para que o comércio que está na faixa de domínio da rodovia possa se instalar. A Secretaria Estadual de Logística e Transporte foi procurada, mas não se manifestou até o fechamento da reportagem.

A obra

A duplicação da Miguel Melhado é uma antiga reivindicação dos moradores da região do Campo Belo, onde residem cerca de 42 mil pessoas, devido aos vários acidentes registrados na rodovia. O trecho a ser duplicado tem quase a função de uma avenida, com tráfego intenso e média de circulação de 17 mil veículos/dia, sendo considerada uma via perigosa. Os acidentes são comuns e resultaram em cinco vítimas fatais no ano passado. Em 2020, foram três.

Uma semana antes do início da obra, uma colisão frontal de duas motocicletas causou a morte de dois homens, um de 26 anos e outro de 47. Na rodovia, pedestres atravessam a pista a todo momento, disputando espaço com automóveis, caminhões, ônibus e outros veículos.

Com a duplicação, a SP-324 passará a ser uma importante via de ligação com o Aeroporto Internacional de Viracopos - o maior em volume de carga e o segundo em número de passageiros do país. A estrada permitirá o acesso rápido ao interior e à capital, ao fazer a ligação com rodovias como Anhanguera, Bandeirantes e D. Pedro I, que, por sua vez, viabiliza o acesso à Via Dutra. A obra do governo estadual tem o custo estimado de R$ 100,5 milhões. A duplicação prevê a construção de pistas suspensas, passagens inferiores para pedestres, além de ciclovia na parte inferior lateral da estrada.

A obra está em andamento, sendo que já foram instaladas galerias de água pluvial, além de uma rotatória na altura do Jardim Campituba. Às margens, as armações de aço amarradas antecipam que a construção das pistas elevadas está próxima de iniciar.

De acordo com o DER, a conclusão está prevista para 24 meses, ou seja, final de 2024. "A duplicação é muito importante para salvar vidas, evitar acidentes, melhorar o acesso viário aos bairros e facilitar o acesso ao Aeroporto de Viracopos", disse o prefeito de Campinas, Dário Saadi (Republicanos), ao participar do lançamento das obras. "A coisa aqui é brava, os acidentes ocorrem principalmente nos finais de semana e em dias de chuva", relata Marcelo do Prado da Silva, que tem uma borracharia às margens da rodovia, no Jardim São Domingos.

Na cerimônia de início da duplicação, o secretário de Logística e Transportes do Estado, João Octaviano Machado Neto, defendeu a realização da obra. "Investir em infraestrutura é promover o desenvolvimento econômico regional e garantir conforto, segurança e agilidade na movimentação das pessoas." Não há ainda previsão de quando a obra será realizada em todos os 10,8km de extensão entre Vinhedo e o Anel Viário Magalhães Teixeira.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por