campinas, 246 anos

Duas épocas com algo comum

Estudiosa traça paralelo entre o momento da febre amarela e a situação atual

Francisco Lima Neto
14/07/2020 às 12:03.
Atualizado em 28/03/2022 às 21:33
Mortos da ?peste? são carregados em carroças: O antigo Desinfectório Central de Campinas, instalado em 1896 no prédio do mercado, foi adaptado para esse fim (Reprodução)

Mortos da ?peste? são carregados em carroças: O antigo Desinfectório Central de Campinas, instalado em 1896 no prédio do mercado, foi adaptado para esse fim (Reprodução)

A proliferação de doenças e as consequências nefastas para a população parecem caminhar de mãos dadas, segundo análise da médica cardiologista e clínica geral, Cristina Brandt Friedrich Martin Gurgel, professora da PUC-Campinas e integrante do Grupo de Estudos História das Ciências da Saúde (GEHCS), da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. “A primeira epidemia de febre amarela em Campinas, em 1889, aconteceu em uma época politicamente complicada, tal qual estamos vivendo hoje. Tinha acabado de acontecer a abolição da escravatura e havia uma disputa entre os monarquistas e os republicanos. Estava nos últimos momentos do Império, em vias da proclamação da República, era um momento complicado”, ressalta a médica. Ela faz o paralelo com relação aos dias atuais, em que em plena pandemia do novo coronavírus, disputas políticas podem acabar atrapalhando o combate à doença. A higiene da cidade era um caos e não existia saneamento básico. Como não havia rede de esgoto, todo esse material era descartado nos jardins e nas ruas, o que causava um mau cheiro evidente, e no verão, a proliferação de mosquitos, mas eles não tinham esse conhecimento. “Mas tinham noção de que aquilo não era bom, primeiro porque era mau cheiroso, segundo porque aquilo deveria causar doenças, só não sabiam como. Sabiam apenas que uma melhor higiene iria melhorar essas questões na cidade”, diz a professora. Ela explica que essa questão intuitiva não era recente. “Na época do Império Romano, Roma sofria muito com a malária, que significa mau ar. Nos arredores de Roma existiam muitos pântanos, a putrefação natural de materiais causava aquele cheiro e ia para a cidade. Eles achavam que aquilo causava a doença. Drenaram os pântanos e acabou o problema, mas, na verdade, ao drenar os pântanos, impediram a proliferação dos mosquitos”, explica. Teorias De acordo com ela, em Campinas havia duas teorias sobre a febre amarela. Uma acreditava que tinha alguma coisa que passava de um doente para outro por roupas e outros objetos contaminados, por exemplo. Já a outra acreditava que a doença era transmitida pelo ar, pelos chamados miasmas, espécie de sujeira, poluição, que também poderiam ser encontradas na terra. “Inclusive, o Cemitério do Fundão, atual da Saudade foi criado nessa época, num local que era considerado extremo, bem distante do Centro. Muitos achavam que esses miasmas, elementos estranhos, vinham dos mortos, através do ar. Então as sepulturas tinham de ser lacradas”, diz Cristina. Até então, a doença era considerada litorânea. Segundo a médica, o desespero era tanto que uma comissão imperial enviou para Campinas uma suposta vacina contra a febre amarela criada pelo médico carioca Domingos José Freire Júnior. “Ele examinou pessoas que morreram com a doença, encontrou uma alga e pensou que era a causadora da febre amarela. Não se tinha noção de vírus”, argumenta. Cerca de 600 pessoas receberam a suposta vacina em Campinas, que obviamente tiveram efeito inócuo. De acordo com Cristina, a febre amarela foi a responsável pela aceleração da instalação do sistema de água e esgoto na cidade. “As obras já estavam no papel desde o começo de 1880 ou até antes, mas sempre eram deixadas para depois. Mas com a doença, eram necessárias medidas profiláticas e isso acelerou a implantação das obras”, diz. Humores Ainda segundo a médica, muita gente se recusava a ir para os hospitais por conta do tratamento e do risco de morrer. “Eles acreditavam que a pessoa estava doente porque tinha um desequilíbrio de humores no organismo e era preciso colocar para fora. Davam óleo de rícino para ter diarreia e outros medicamentos para causarem vômitos e suores para se livrar da doença. Tinha gente que já estava ruim em casa e não queria passar por isso. Além disso, no Hospital do Fundão a mortalidade era alta, chegava a 60%, as pessoas tinham medo", conta. Passados tantos anos, com muito mais informações, Campinas e outras cidades sofrem ainda com o mesmo mosquito causador da febre amarela, que antes se chamava Stegomyia fasciata e, no século 20, foi rebatizado como Aedes aegypti, causando vários casos de dengue. “Na minha opinião, isso acontece por causa da medicalização. Naquela época não tinham remédios, então houve uma preocupação grande com higiene. A noção de higiene hoje é muito maior, mas com os remédios, atendimentos e facilidades de hoje, negligenciaram a prevenção hoje em dia, inclusive o poder público”, afirma. A proliferação de doenças e as consequências nefastas para a população parecem caminhar de mãos dadas, segundo análise da médica cardiologista e clínica geral, Cristina Brandt Friedrich Martin Gurgel, professora da PUC-Campinas e integrante do Grupo de Estudos História das Ciências da Saúde (GEHCS), da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. “A primeira epidemia de febre amarela em Campinas, em 1889, aconteceu em uma época politicamente complicada, tal qual estamos vivendo hoje. Tinha acabado de acontecer a abolição da escravatura e havia uma disputa entre os monarquistas e os republicanos. Estava nos últimos momentos do Império, em vias da proclamação da República, era um momento complicado”, ressalta a médica.Ela faz o paralelo com relação aos dias atuais, em que em plena pandemia do novo coronavírus, disputas políticas podem acabar atrapalhando o combate à doença.A higiene da cidade era um caos e não existia saneamento básico. Como não havia rede de esgoto, todo esse material era descartado nos jardins e nas ruas, o que causava um mau cheiro evidente, e no verão, a proliferação de mosquitos, mas eles não tinham esse conhecimento. “Mas tinham noção de que aquilo não era bom, primeiro porque era mau cheiroso, segundo porque aquilo deveria causar doenças, só não sabiam como. Sabiam apenas que uma melhor higiene iria melhorar essas questões na cidade”, diz a professora. Ela explica que essa questão intuitiva não era recente. “Na época do Império Romano, Roma sofria muito com a malária, que significa mau ar. Nos arredores de Roma existiam muitos pântanos, a putrefação natural de materiais causava aquele cheiro e ia para a cidade. Eles achavam que aquilo causava a doença. Drenaram os pântanos e acabou o problema, mas, na verdade, ao drenar os pântanos, impediram a proliferação dos mosquitos”, explica.  TeoriasDe acordo com ela, em Campinas havia duas teorias sobre a febre amarela. Uma acreditava que tinha alguma coisa que passava de um doente para outro por roupas e outros objetos contaminados, por exemplo. Já a outra acreditava que a doença era transmitida pelo ar, pelos chamados miasmas, espécie de sujeira, poluição, que também poderiam ser encontradas na terra.“Inclusive, o Cemitério do Fundão, atual da Saudade foi criado nessa época, num local que era considerado extremo, bem distante do Centro. Muitos achavam que esses miasmas, elementos estranhos, vinham dos mortos, através do ar. Então as sepulturas tinham de ser lacradas”, diz Cristina.Até então, a doença era considerada litorânea. Segundo a médica, o desespero era tanto que uma comissão imperial enviou para Campinas uma suposta vacina contra a febre amarela criada pelo médico carioca Domingos José Freire Júnior. “Ele examinou pessoas que morreram com a doença, encontrou uma alga e pensou que era a causadora da febre amarela. Não se tinha noção de vírus”, argumenta.Cerca de 600 pessoas receberam a suposta vacina em Campinas, que obviamente tiveram efeito inócuo. De acordo com Cristina, a febre amarela foi a responsável pela aceleração da instalação do sistema de água e esgoto na cidade. “As obras já estavam no papel desde o começo de 1880 ou até antes, mas sempre eram deixadas para depois. Mas com a doença, eram necessárias medidas profiláticas e isso acelerou a implantação das obras”, diz. HumoresAinda segundo a médica, muita gente se recusava a ir para os hospitais por conta do tratamento e do risco de morrer. “Eles acreditavam que a pessoa estava doente porque tinha um desequilíbrio de humores no organismo e era preciso colocar para fora. Davam óleo de rícino para ter diarreia e outros medicamentos para causarem vômitos e suores para se livrar da doença. Tinha gente que já estava ruim em casa e não queria passar por isso. Além disso, no Hospital do Fundão a mortalidade era alta, chegava a 60%, as pessoas tinham medo", conta.Passados tantos anos, com muito mais informações, Campinas e outras cidades sofrem ainda com o mesmo mosquito causador da febre amarela, que antes se chamava Stegomyia fasciata e, no século 20, foi rebatizado como Aedes aegypti, causando vários casos de dengue. “Na minha opinião, isso acontece por causa da medicalização. Naquela época não tinham remédios, então houve uma preocupação grande com higiene. A noção de higiene hoje é muito maior, mas com os remédios, atendimentos e facilidades de hoje, negligenciaram a prevenção hoje em dia, inclusive o poder público”, afirma.

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