EDUCAÇÃO SEXUAL

Duas em cada três gestantes em São Paulo não planejaram a gravidez

Pesquisa desenvolvida por sociólogo da Unicamp apontou que 65,7% das 534 entrevistadas engravidaram sem fazer planos para tal

Bruno Luporini/bruno.luporini@rac.com.br
23/04/2025 às 10:52.
Atualizado em 23/04/2025 às 13:36

Gestações não planejadas ocorrem com mais frequência em mulheres com escolaridade inferior a 12 anos (77% do total), mulheres negras e pardas (74%), amasiadas (72%) e solteiras (85%); o estudo abrangeu 534 grávidas, de 18 a 49 anos, entre março de 2023 e junho de 2024, todas residentes nos municípios de São Paulo (Alesssandro Torres)

No Estado de São Paulo 65,7% das gestantes não planejaram a gravidez. É o que revela uma pesquisa de doutorado desenvolvida pelo sociólogo Negli Gallardo-Alvarado na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. O índice é dez pontos percentuais superior ao registrado historicamente pela literatura médica no Brasil, em torno de 55%. O estudo abrangeu 534 grávidas, de 18 a 49 anos, entre março de 2023 e junho de 2024, todas residentes em São Paulo.

De acordo com GallardoAlvarado, o que pode ajudar a explicar esse índice superior ao nacional é o fato de que a pesquisa coletou informações exclusivamente de mulheres durante a gestação. O pesquisador explicou que os dados nacionais levam em consideração informações de mulheres que já tiveram seus filhos, o que enviesa a pesquisa. “Em nosso estudo, o dado é mais preciso, pois estamos falando do momento da gestação.” Para o orientador da pesquisa, o médico Luis Bahamondes, o estudo ganha em precisão ao analisar exclusivamente mulheres grávidas. “Da maneira como Negli fez, é possível conseguir um quadro mais verdadeiro.” 

Gestações não planejadas ocorrem com mais frequência em mulheres com escolaridade inferior a 12 anos (77% do total); mulheres negras e pardas (74%); amasiadas (72%); e solteiras (85%). Para o pesquisador, os números refletem a cultura do patriarcado, que historicamente colocou a mulher como encarregada de cuidar dos filhos. Ele considera tal contexto uma injustiça. “Na maioria dos casos, elas têm de enfrentar sozinhas essa responsabilidade de criar uma vida.”

A presidente da Central Única das Favelas (Cufa) de Campinas, Michele Eugenio, analisou que as mulheres negras e periféricas estão mais suscetíveis a reportar uma gravidez não planejada. Entre os motivos, ela apontou a falta de acesso à informação de qualidade, proveniente de campanhas públicas de conscientização, ausência de trabalho nas escolas, com relação ao ensino responsável sobre sexualidade, e falta de planejamento familiar. Ela apontou também que considera o ciclo familiar de repetição como outro motivo. “São meninas que repetem as próprias mães, que tiveram muitos filhos, por isso não percebem que existem outras perspectivas na vida além da maternidade.”

Para Michele, as principais consequências de uma gravidez não planejada, especialmente para mulheres mais jovens, é a dificuldade de acessar níveis educacionais maiores, o que vai acarretar em trabalhos de menor renda. Com relação ao cotidiano, essa mulher deve se preocupar com vagas em creche e com quem ficará a criança se ela trabalhar, além de ter que ir atrás de acompanhamento pediátrico e de conseguir acessar o sistema de saúde em caso de doença. “Normalmente, dentro da periferia, elas dependem dos auxílios governamentais. É um problema muito complexo.”

Michele contou que foi mãe aos 16 anos, também sem planejamento, mas contou com o apoio e a estrutura familiar para conseguir seguir com os estudos até a graduação. “Mesmo assim foi difícil, então imagine para as meninas que não contam com o apoio da família ou do parceiro”, exemplificou. A presidente da Cufa ressaltou que muito se fala sobre o papel das mulheres com relação ao tema, sem levar em consideração o papel de responsabilidade dos meninos e homens que fazem parte da relação. “Eles também precisam dessa educação conscientizadora, pois os homens fazem parte desse processo e também devem fazer parte da solução para amenizar esse número tão alto de gestações não planejadas.”

Como exemplo da importância da conscientização masculina dentro do planejamento de uma gravidez, está o servidor público Diego Andrade, 39. Ontem, ele participou de uma consulta pré-natal com a esposa, Camila, 39, do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Caism), e contou que a presença do pai é essencial para que a mãe tenha mais segurança e apoio durante e após o nascimento do filho. “Quando o bebê vier, minha esposa não vai ficar sobrecarregada, pois esse é o meu papel de estar junto em todos os momentos.”

O orientador da pesquisa, o médico Luis Bahamondes destacou que é preciso que o país invista mais em medidas preventivas para diminuir os altos índices registrados no estudo, defendendo “uma política de fornecimento de contraceptivos de longa duração, principalmente o dispositivo intrauterino (DIU), para que todas as mulheres consigam planejar seu futuro a longo prazo”. Reforçando essa opinião, o pesquisador Gallardo-Alvarado explicou que o planejamento familiar é um direito universal, reconhecido como um direito humano pela Organização das Nações Unidas (ONU). “As mulheres, em especial, têm o direito de acessar as informações sobre o planejamento de uma gravidez, pois esse é um processo que altera totalmente a vida delas.” No Brasil, de acordo com a Casa Civil, esse direito é garantido pela Constituição Federal, que estabelece que o planejamento familiar é o direito de todo cidadão, com igualdade de direitos para a constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal.

A auxiliar de produção Marinalva da Silva, 39, é mãe de duas filhas. Ela agendou a internação para o nascimento da terceira na próxima sextafeira e revelou: depois que a bebê nascer, vai fazer cirurgia de laqueada. Ela contou que, mesmo com o apoio do marido, a responsabilidade da mãe é sempre maior do que a do pai, que trabalha para manter as contas domésticas. “Às vezes pensamos na vida de uma maneira, mas a demanda das crianças muda tudo”, pontuou. Ela destacou que o ideal é de fato conseguir planejar uma gravidez, tanto por conta da estrutura de apoio e financeira de uma família quanto da própria responsabilidade que é criar uma criança. “Não é fácil ter filho, são muitas questões de responsabilidade e tempo para uma cabeça só.”

PLANEJAMENTO

A especialista em produtos médicos, Carolina Ferrari, 35, planejou a gestação. Para ela, a possibilidade do planejamento passa pelo acesso aos estudos, que qualifica as informações que a pessoa possui e faz com que ela se sinta segura com as decisões. Carolina entende que a possibilidade de se organizar para ter um filho é proporcional ao nível educacional e à rede de apoio disponível. Carolina afirmou que a gravidez não pode ser para a família ou para o parceiro, “ela tem que ser uma escolha da mulher”. 

A PESQUISA

Cerca de 80% das participantes responderam às perguntas remotamente, as demais foram selecionadas no ambulatório de planejamento reprodutivo do Centro de Pesquisas em Saúde Reprodutiva de Campinas (Cemicamp), na Universidade, e entrevistadas presencialmente. O trabalho contou com apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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