Lar de Promoção do Jovem

Dora, a freira de braços sempre abertos

Freira perdeu a conta de quantos "filhos" acolheu e educou no abrigo que ergueu, com a comunidade, no Parque Itália, em Campinas. É o Lar de promoção do jovem

Rogério Verzignasse
13/05/2018 às 15:32.
Atualizado em 28/04/2022 às 08:34
Irmã Dora e o menino Sérgio da Silva Rocha num reencontro divertido e emocionado no abrigou do Parque Itália, em Campinas (Dominique Torquato/AAN)

Irmã Dora e o menino Sérgio da Silva Rocha num reencontro divertido e emocionado no abrigou do Parque Itália, em Campinas (Dominique Torquato/AAN)

Em meados da década de 1980, uma freira ficou famosa em Campinas porque acolhia crianças órfãs. Na época, com a ajuda da comunidade, ela ergueu um sobrado de 600 metros quadrados em um terreno doado pelo então prefeito Chico Amaral. Lá, os nove quartos do “Lar de Promoção do Jovem” serviam de teto para 41 crianças. E muitos outros pequenos viveram por ali nos anos seguintes. Centenas deles. A irmã Dora perdeu a conta de quantos “filhos” educou. Hoje, não há mais orfanatos. A política nacional de assistência social regulamenta os abrigos provisórios e encaminha processos de adoção para crianças e adolescentes acolhidos. Mas o Lar, no Parque Itália, ainda existe, com propósito diferente. A irmã Dora usa o espaço para distribuir caixas de leite e cestas básicas para famílias carentes. Há 80 cadastradas, mas muitas outras chegam diariamente no portão e pedem ajuda para encher a mesa. Nunca falta comida. Chega da Centrais de Abastecimento de Campinas (Ceasa), de varejões, de supermercados. Os alimentos também são doados por cidadãos comuns, que nunca aparecem, mas deixam pacotes e pacotes de mantimentos. “Deus provém”, resume a senhorinha divertida, que beira os 87 anos de idade. Maria Doralice Martins Ferreira nasceu na zona rural de Fortaleza. Ela foi criada pela avó Raimunda, católica fervorosa, e ainda menina se mudou para o Rio. Lá em 1950, com quase 20 anos de idade, ela se mudou para Campinas e entrou no convento. Na Congregação das Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado, começou o seu trabalho benemerente em imóveis alugados. Ela conseguiu inaugurar o Lar em 1986, com o dinheiro doado por um empresário, no terreno de 600 metros quadrados cedido pela Prefeitura. Na época, nem asfalto tinha na Rua Francisco Abreu Sampaio. O mais interessante é que aquele ponto do Parque Itália acabou concentrando entidades assistenciais importantes, que atendem autistas, idosos, pessoas com deficiência. Os anos foram passando e o Lar virou uma espécie de parada obrigatória para parentes de quem é assistido por todos os serviços ao redor. Todo mundo passa por ali e abraça a senhorinha. E muita gente acaba se oferecendo para ações voluntárias no Lar: organização de eventos, distribuição das cestas, recepção de mantimentos… O mesmo menino Mas, entre tantas visitas, algumas são muito especiais. Como a do pedreiro Sérgio da Silva Rocha, um rapaz de 36 anos que foi acolhido e educado pela irmã, e afirma que vai ser eternamente grato a ela. E por uma dessas coincidências fantásticas do destino Gabriel aparecia, ainda menino, na foto de jornal guardada pela freira, onde o Correio Popular destacava o trabalho abnegado da congregação, na época da inauguração do Lar, Na matéria de 1986, assinada por Cacalo Fernandes, o menino tinha 5 anos. Banguelinha, cabeludo, sorridente. O Sérgio já é pai de duas crianças. Ainda mora ali pela quadra, em uma casinha que ele mesmo ergueu. “A irmã Dora é minha mãe. Enquanto ela existir, vou passar aqui e me oferecer para tudo o que ela precisar. Vou cuidar dela, como ela cuidou de mim”, fala. Mas a irmã, modesta, fala que não precisa de ajuda. Ela quase não anda. Tem as mãos deformadas por uma artrite reumatoide. Precisa de ajuda para se alimentar. Anda apoiada na cadeira. Mas não conta, por exemplo, com uma simples cadeira de rodas para se locomover. “Quem precisa são os pobres, que pedem comida”, diz. A irmã Dora conta que teve três irmãos. Todos já se foram. Mas ela tem sobrinhos de sangue: dois moram no Rio, cinco em São Paulo, um em Fortaleza. Mas o que dá alegria mesmo são os filhos do coração, adotados por ela, e todos os “netinhos” que se espalham pela cidade. Quem faz o bem colhe os frutos para sempre. Ela sabe disso.

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