CENTENÁRIO

Dom Nery é exemplo de caridade

Primeiro bispo de Campinas promoveu a criação de creche, escola agrícola e do Liceu Salesiano

Francisco Lima Neto/AAN
16/02/2020 às 14:14.
Atualizado em 29/03/2022 às 21:31

O mês de fevereiro começou com uma data importante: o dia 1º marca os 100 anos da morte de João Batista Corrêa Nery, ou, simplesmente, Dom Nery, o primeiro bispo da história de Campinas. Além de ter trabalhado para a instalação do bispado na cidade, ele promoveu a criação da Creche Bento Quirino, da Escola Agrícola, do Seminário e do Colégio Diocesanos — o Liceu Salesiano. O Externato São João recebeu esse nome em sua homenagem. Dom Nery nasceu em Campinas, no dia 6 de outubro de 1863, na então Rua Formosa, atual Rua Conceição. Era filho do sapateiro Benedicto Corrêa de Morais e de Maria do Carmo Nery. A igreja esteve presente em sua vida desde cedo e o batismo não tardou a acontecer, conforme consta no registro. "Aos dias quinze de outubro de mil oitocentos e sessenta e três, nesta Matriz de Campinas, baptizei e puz os Santos Óleos a João de idade de nove dias, filho legitimo de Benedicto Corrêa de Moraes e Maria do Carmo Nery. Padrinhos: Manoel Benedicto Corrêa e Maria Tereza de Moraes, todos desta Parochia. - O Coadjutor Vigário interino, Sabato Antonio Deluca”, conta o texto. O menino fez os estudos iniciais em Campinas, até ingressar no seminário de São Paulo, em 1880. Ainda aos 17 anos já revelava talento para as artes cênicas, ao escrever o drama Pai e Filho. A sensibilidade artística o destacou durante toda a vida. Desde a época do seminário, se mostrava um orador diferenciado. Aos 23 anos foi ordenado presbítero por d. Lino Deodato Rodrigues de Carvalho, então Bispo de São Paulo, em 11 de abril de 1886. Meses depois foi nomeado Vigário Colado da Matriz Velha, que nessa época era igreja paroquial de Nossa Senhora do Carmo de Santa Cruz (atual Paróquia Nossa Senhora do Carmo, berço religioso da cidade). A nomeação ocorreu por rubrica de Princesa Isabel. Em 1894 foi nomeado Vigário Colado da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição em substituição do então vigário Cipião Ferreira Goulart. Durante seu paroquiato, Campinas quase foi varrida do mapa pela febre amarela. Dom Nery não mediu esforços para amparar os órfãos, que multiplicavam pelas ruas, no final do século XIX. Tocado por aquela situação limite, para cuidar dos órfãos e educá-los, criou o Liceu de Artes e Ofícios, que depois foi confiado à administração dos padres salesianos. Em 28 de agosto de 1896, foi eleito o primeiro Bispo da Diocese do Espírito Santo, pelo Papa Leão XIII. Assumiu as funções em Vitória no dia 23 de maio de 1897. No Espírito Santo, Dom Nery se esforçou para criar o patrimônio do novo bispado. As visitas pastorais pela Diocese e o empenho social, especialmente junto aos indígenas do Espírito Santo, distinguiram o episcopado de Dom Nery. Necessitando de um clima mais ameno, que favorecesse sua saúde, conseguiu transferência para a Diocese de Pouso Alegre, em 18 de maio de 1901. Lá, construiu o Palácio Episcopal, o ginásio diocesano e o seminário. Em junho de 1903, Dom Nery organizou a visita do Núncio Apostólico, d. Julio Tonti, a sua Diocese para tentar a criação de uma Diocese na cidade mineira de Campanha. Dom Nery foi a São Paulo recepcioná-lo e servir de guia. Para chegar a Pouso Alegre era precisa passar por Campinas, que à época tinha cerca de 40 mil habitantes, onde se hospedaria antes de seguir viagem. D. Julio Tonti ficou impressionado com a recepção que teve em Campinas. Cerca de 15 mil pessoas se aglomeraram para vê-lo na estação. Em seu relato para a Santa Sé, ele escreveu que a cidade tinha lindos prédios com arquitetura europeia e uma bela igreja que poderia ser uma catedral, além de uma Academia de Ciências e Artes composta por pessoas notáveis pelo saber e erudição. A população queria ter a sua Diocese. "Os fiéis de Campinas desejam ardentemente que sua cidade se torne sede de uma nova diocese. Campinas teria certamente precedência em relação a qualquer outra cidade da atual Diocese de São Paulo, com condições adequadas a esse objetivo, porém é relativamente muito próxima à cidade de São Paulo, fato que levaria a considerá-la menos adequada para sede de uma nova Diocese", trazia trecho da carta escrita por ele. Dom Nery desde antes já era entusiasta da ideia e a visita do Núncio lhe acendeu as esperanças. O filho de Campinas não mediu esforços para que o sonho se concretizasse, mas tratou de deixar claro que não estava atuando em favor de si mesmo. Em carta que dirigiu ao ministro do Brasil junto à Santa Sé, escreveu textualmente: “Como recompensa apenas pediria ao Santo Padre um favor: não ser Bispo de Campinas em hipótese alguma. Não desejo que paire sequer a suspeita de que trabalhei por Campinas buscando colocação para mim. Deus sabe a pureza da intenção com que me esforcei por essa criação, mas, os homens talvez não vejam essa pureza”. No dia 7 de junho de 1908, por ordem do Papa Pio X, foi criada a Diocese de Campinas. Apesar de suas ressalvas, não teve jeito. Foi eleito o primeiro Bispo de Campinas. Esforços voltados à cultura católica e às ações sociais Em sua terra natal, Dom Nery se empenhou na consolidação da cultura católica e nas ações sociais. Em 1911, ano de seu jubileu de prata sacerdotal, anunciou a realização do Primeiro Congresso Católico de Campinas. Em 1913 escreveu uma importante carta intitulada “sobre a atuação do clero desta diocese nos tempos atuais”, manifestando uma vez mais sua preocupação pastoral no campo social, especialmente junto ao operariado. Partindo de tais preocupações, Dom Nery fundou uma Escola Agrícola junto ao Liceu Salesiano, o Externato São João e a Creche Bento Quirino, junto à Igreja de São Benedito. Nesse sentido, ajudou a cidade de Campinas não somente no aspecto religioso, mas também social, no campo do amparo aos pobres e da educação. Em 1918, quando Campinas sofria com a gripe espanhola, que matou muitos moradores, o bispo trabalhou pelos mais pobres com distribuição de leite e alimentos. Abriu as dependências do Palácio Episcopal e liberou recursos do patrimônio da Diocese para improvisar hospitais destinados ao socorro dos doentes. Ele mesmo sofreu com a gripe espanhola, mas se recuperou. Morreu dois anos mais tarde, no dia 1º de fevereiro de 1920, com um tumor no fígado. Foi sepultado na Catedral de Campinas e, três anos mais tarde, seus restos mortais foram levados para a cripta construída na mesma igreja. Logo após sua morte foi realizada uma campanha para a construção de um monumento em sua homenagem. O trabalho foi realizado pelo escultor sueco-brasileiro August Ferdinand Frick (1878-1960). O monumento foi colocado na Praça José Bonifácio (Largo da Catedral) e, inaugurado em 1° de novembro de 1924. SAIBA MAIS O Instituto Dom Nery, fundado em 1933, realizou no último dia 8 uma missa especial na Igreja Nossa Senhora de Fátima para lembrar o centenário de falecimento do primeiro bispo de Campinas, que se transformou no patrono da entidade. O Instituto Dom Nery atende hoje 210 crianças de 2 a 5 anos, que permanecem na creche num serviço de assistência em tempo integral. As crianças chegam pouco antes das 7h30 e só são retirados pelos pais às 17h. “Nesse período, recebem café da manhã, almoço, lance da tarde e jantar, sempre cuidados por profissionais”, explica Walquirio Cavedini, que atua no Instituto.

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