DANOS GRAVES

Dívidas abalam saúde mental e física das pessoas, diz pesquisa

Segundo levantamento encomendado pela Serasa, 83% dos entrevistados têm problemas para dormir e 51% afirmam ter vergonha da condição de devedores

Edimarcio A. Monteiro/ [email protected]
17/12/2022 às 09:20.
Atualizado em 17/12/2022 às 09:47
O motorista Adriano Cornélio: "A dívida tira o sono da gente. A gente fica preocupado, pois tem empresa que não contrata quem tem o nome negativado" (Gustavo Tilio)

O motorista Adriano Cornélio: "A dívida tira o sono da gente. A gente fica preocupado, pois tem empresa que não contrata quem tem o nome negativado" (Gustavo Tilio)

A inadimplência, que em outubro bateu recorde pelo 11º mês seguido na Região Metropolitana de Campinas (RMC), atingindo 1,07 milhão de pessoas, está afetando a saúde, o relacionamento e o comportamento dos devedores. De acordo com a pesquisa intitulada "Perfil e Comportamento do Endividado Brasileiro", feita pelo Instituto Opinion Box a pedido da Serasa, 83% do contingente de inadimplentes têm dificuldade para dormir, 62% se queixam do impacto negativo que a situação causa no relacionamento conjugal e 51% afirmam ter vergonha da condição de endividado.

O trabalho ouviu 5.225 pessoas em todas as regiões do país, inclusive na RMC. "A dívida tira o sono da gente. Gera muita preocupação, até porque dificulta conseguir trabalho. Tem empresa que não contrata quem tem o nome negativado", lamenta o motorista Adriano Cornélio. Após ficar dois anos desempregado, vivendo apenas de bicos, ele voltou a trabalhar há sete meses e começou a colocar a vida em dia.

Agora, ele tenta renegociar uma dívida de R$ 3 mil com uma loja de Campinas, "herança" da época que estava desemprego. "Eu quero pagar para voltar a ter tranquilidade", afirma Cornélio. "Boa parte dos brasileiros vive essa situação. Não tem como ter paz sabendo que tem dívidas", acrescenta o pedreiro e eletricista Renilson de Lima, que ficou cinco anos sem registro em carteira, vivendo apenas de serviços eventuais.

Entretanto, até esse trabalho ficou difícil nos dois últimos anos por causa da pandemia de covid-19, que agravou a situação. "Muitas pessoas evitaram fazer reformas por falta de dinheiro ou evitar o contato com estranhos", relata Lima. Ele tem uma dívida de R$ 2 mil que se arrasta desde 2017. "Isso traz problemas em casa porque não tem como fazer uma conta para trocar alguma coisa que precisa", completa o pedreiro, que também aproveita os programas de renegociação de dívidas lançados este mês por empresas de análise de crédito para tentar regularizar sua situação.

EFEITOS NOCIVOS

"O sistema biológico é o primeiro a sentir os efeitos da preocupação com as dívidas", observa a psicóloga Valéria Meirelles, que há 14 anos atende pacientes que tentam lidar com a situação. "A ansiedade vai invadindo a rotina de quem busca incansavelmente uma solução. O endividado passa a viver com pensamentos voltados ao futuro, não consegue mais relaxar e, consequentemente, não se concentra nas suas tarefas habituais e nem consegue mais dormir com normalidade", explica.

Os reflexos da inadimplência afetam até o mesmo o físico das pessoas por causa do estresse crônico, que provoca uma liberação constante de hormônios. "São hormônios que respondem ao estresse físico, sendo liberados durante exercícios, por exemplo, mas que também respondem ao estresse psíquico, como é o caso do endividamento. É o caso da adrenalina, do cortisol e seus derivados, que aumentam a frequência cardíaca e a pressão arterial", detalha a endocrinologista Ana Carolina Nader.

Um estudo feito por pesquisadores suecos, publicado na revista científica BMC Public Health, mostra que esse desequilíbrio na circulação causado pelos hormônios faz com o que o risco de doenças cardiovasculares, e até mesmo de morte, seja o dobro para os adultos com problemas financeiros. O quadro é pior para as pessoas que já têm predisposição a doenças cardiovasculares.

A pesquisa encomendada pela Serasa mostra ainda que 70% dos endividados revelam confiança em conseguir quitar o débito e limpar o nome. Além disso, 57% passaram a conversar com os familiares sobre a importância de reduzir os gastos da casa e buscar soluções conjuntas. "Para milhões de endividados, recomeçar significa ter o nome limpo novamente", diz o diretor da Serasa, Matheus Moura. "Por isso que o nosso propósito é ajudar o brasileiro não apenas a pagar suas dívidas e recuperar crédito, mas compartilhar ensinamentos de educação financeira", afirma.

NÚMEROS DA INADIMPLÊNCIA

Os dados da empresa mostram que, em outubro, um em cada três habitantes da RMC tinha alguma dívida. O número total de 1.070.356 devedores equivale praticamente a toda a população de Campinas. Também representa um aumento de 7,47% em comparação aos 995.950 inadimplentes de outubro de 2021.

O montante da dívida também é recorde e chegou aos R$ 5,59 bilhões. Para ter uma projeção do que esse valor representa, ele é proporcional ao que as prefeituras de quatro cidades da região metropolitana - Indaiatuba, Valinhos, Sumaré e Hortolândia - preveem para 2023 para cobrir todas as suas despesas, desde os salários dos servidores municipais até a cuidar da saúde, educação e fazer novos investimentos.

Apenas em Campinas, o número de inadimplentes é de 425.338 pessoas, com as dívidas somando R$ 2,31 bilhões. Duas empresas de análise de crédito, a Serasa e o Serviço Centralizado de Proteção ao Crédito (SCPC) Boa Vista, estão com campanha de renegociação de dívidas e oferecem desconto de até 99% das multas e juros, com possibilidade de parcelamento em até 36 vezes. No caso do SCPC, os interessados têm mais dois dias para participar do mutirão feito em parceria com a Associação Comercial e Industrial de Campinas (Acic).

A campanha "Acertando as Contas" vai até o dia 20, com inadimplentes devendo procurar a sede da entidade, na Rua José Paulino, 1.111, Centro, de segunda ou terça-feira, das 8 às 18 horas. Os consumidores podem obter informações sobre as dívidas e orientações para a renegociação. Os inadimplentes devem informar o interesse em renegociar as dívidas e receberá um cupom com os dados de empresa credora, que definirá o desconto a ser concedido.

Já a Serasa prorrogou o "Feirão Limpa Nome" até a próxima sexta-feira, dia 23. A negociação é feita por telefone, aplicativo, site, WhatsApp ou agências dos Correios. Segundo a empresa, foram cerca de 4,5 milhões de negociações apenas em novembro, 60% a mais do que no mês anterior e 18% maior do que no mesmo mês de 2021.

Para o economista Walter Franco, o pagamento do 13º salário pode ser uma boa oportunidade para aproveitar os descontos oferecidos e sair da inadimplência, priorizando quitar as que cobram juros maiores. Para isso, ele explica que as pessoas devem levar em conta o aumento das despesas com as festas de final de ano; fazer um planejamento para as despesas extras no começo de 2023, com impostos e material escolar, por exemplo; e fazer uma economia para gastos extraordinários que surgiram ao longo do ano.

O economista considera que o equilíbrio das contas permite estabilização pessoal, psicológica e proporciona um melhor planejamento de futuro entre pessoas e famílias. "Organizar as finanças pessoais é, antes de tudo, saber organizar pensamentos, necessidades e vontades", afirma.

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