campinas, 246 anos

Disputas e o alento na religião

1891 foi o ano de turbulência política, com renúncias e o povo com medo

Francisco Lima Neto
14/07/2020 às 11:13.
Atualizado em 28/03/2022 às 21:33
Catedral Metropolitana de Campinas, ao fundo, se sobressai ao casario da época: instabilidade política e população traumatizada pela febre amarela, pedindo aos céus o fim da doença (Reprodução)

Catedral Metropolitana de Campinas, ao fundo, se sobressai ao casario da época: instabilidade política e população traumatizada pela febre amarela, pedindo aos céus o fim da doença (Reprodução)

O ano de 1891 começou de forma diferente em Campinas. A população não quis festejar a chegada do novo ano, afinal de contas, o que havia de se comemorar? O povo estava apavorado e traumatizado pela epidemia de febre amarela dos dois últimos anos. A maioria chorava a morte de familiares, entes queridos e amigos. Não havia clima para festas. O que restou foi lotar a Matriz velha, atual Matriz do Carmo, e a Matriz Nova, hoje Catedral Metropolitana, para encontrar um pouco de alento e pedir aos céus que o mal não retornasse. O povo tinha muito medo de que a peste voltasse nos seus meses mais característicos: de janeiro a junho. O jornal Diário de Campinas mais uma vez alertava sobre a necessidade da higiene privada. A cidade era um canteiro de obras, para a implantação da rede de águas e esgoto. O jornal apontava, naquele mês de janeiro, que a cidade tinha permanecido mais ou menos limpa porque no ano anterior cada quadra tinha um fiscal de higiene, que fazia inspeções constantes nas residências, mas pouco a pouco o trabalho foi interrompido e a imundice dava as caras novamente. Apesar do medo, gradativamente o povo tentava voltar à rotina, frequentava os comércios e timidamente retornava aos restaurantes e aos passeios nos jardins. Nos dias iniciais de março, Américo Brasiliense, professor, responsável pela educação de ilustres campineiros, foi nomeado governador do estado. Na mesma época, Francisco Glicério, que era ministro da Agricultura, entregou sua carta de demissão. Consta que era de caráter firme e nunca se curvou à corrupção. Por isso, passou a sofrer ataques difamatórios e ficou isolado no governo de Marechal Deodoro, o que o levou a abrir mão do cargo. O Diário de Campinas afirmava que ele entrou pobre para o ministério e saiu paupérrimo. Apesar da falta de asseio nas residências, ao final de março, com o fim do verão, período mais propício para a febre amarela, a doença não atacou a cidade, mesmo que um caso ou outro tenha aparecido. O mês de abril era o que mais preocupava, por conta do histórico. Como nada aconteceu, a normalidade ia se instalando, assim como o aumento de passageiros das companhias de trem, chegando em Campinas. Intendentes Em 9 de abril, a política começou a estremecer a cidade. Os cargos de intendentes — atuais vereadores — eram de livre nomeação do governador. Naquela data Américo Brasiliense recebeu telegrama informando que um dos intendentes de Campinas, Herculano Pompeu de Camargo, pedia a exoneração. Mas foi comprovado que ele não o fez, e que sua assinatura tinha sido falsificada. Mesmo avisado, o governador não tomou providência. Aquilo pôs fogo à cidade. No dia 13, o presidente do Conselho de Intendentes, Dr. Antônio Álvares Lobo, convocou sessão extraordinária, que ocorreu na Matriz Nova Conceição (atual Catedral Metropolitana) porque não comportaria o povo dentro do acanhado Paço Municipal. Em uma demonstração de caráter e ética, os intendentes renunciaram coletivamente ao mandato por conta da covardia do governador. O presidente do Conselho de intendentes era uma espécie de prefeito e presidente da Câmara, logo, a cidade ficou sem governo por cerca de uma semana. O governador nomeou outros nove intendentes. Para humilhar ainda mais a cidade, enviou Paulino de Lima, presidente da Intendência de Itatiba, para fazer a posse, que aconteceu dia 18 de abril, também na Catedral Metropolitana. Manoel Francisco Mendes foi eleito o presidente da Intendência. Segurança Imigrantes, principalmente italianos, não paravam de chegar para trabalhar nas lavouras, muitos em situações precárias, ficavam jogados pela área central. Transcorrido metade do ano, além de Campinas sofrer com a falta de higiene, falta de água, buracos nas vias e lama, ainda enfrentava a falta de segurança. Por conta da divergência política entre os influentes da cidade e o governador Américo Brasiliense, em represália, ele deixou a cidade praticamente sem as forças policiais estaduais. Aumentaram os crimes de latrocínio, roubos e furtos, estupro e prostituição. O Destacamento Policial de Campinas tinha 34 soldados, um sargento e um tenente comandante, para uma cidade com cerca de 25 mil habitantes. Ameaça de golpe e saída do presidente Em 3 de novembro, Marechal Deodoro, apontava um iminente golpe dos adeptos da monarquia, e dissolveu o Congresso via decreto. Os jornais foram impedidos pela polícia de publicar qualquer coisa sobre o tema. Os políticos não puderam entrar na Câmara ou no Senado. Os jornais do Rio de Janeiro, então capital do País, ficaram sob censura.  Em 20 de novembro, na Câmara dos Deputados de São Paulo, o deputado Dr. Gonçalves Bastos, conseguiu aprovar uma moção de protesto, em nome do povo paulista, contra o ato do presidente de dissolver o Congresso. Esse ato político contrariou o governador do estado, que usou recursos policiais, em vão, para intimidar os parlamentares. Em uma situação delicada e em clima de guerra, no dia 23 de novembro Marechal Deodoro renunciou. Seu vice, Marechal Floriano Peixoto, assumiu o poder. A maioria dos governadores entregou o cargo. Mas Américo Brasiliense, de São Paulo, se recusava. Começou justamente em Campinas, cidade humilhada por ele, um movimento pela sua renúncia, que depois se espalhou pelo estado. Em nova investida contra Campinas, o governador demitiu sem motivação quatro intendentes. Os demais, em solidariedade, pediram exoneração, e mais uma vez Campinas ficou sem comando. A derrubada do governo estadual começou em São Paulo com troca de tiros entre polícia e população, que deixou dezenas de mortos e centenas de feridos. As manifestações se espalharam pelo interior. Até que no dia 15 de dezembro, Américo Brasiliense não suportando mais as revoltas, fugiu. Aquele ano terminou sem a febre amarela, mas com grande agitação política na cidade, no estado e no País.

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