FENÔMENO EM EXPANSÃO

Dinâmica, periferia de Campinas atrai novos empreendedores

Parte dos estabelecimentos é comandada por pessoas que tiveram negócios na região central, mas que encerraram as atividades por causa da pandemia

Israel Moreira/ [email protected]
21/04/2023 às 10:08.
Atualizado em 21/04/2023 às 10:14
Com alta densidade populacional e economia dinâmica, a periferia de Campinas tem atraído cada vez mais a atenção de pessoas dispostas a empreender em regiões distantes do Centro, como a do Ouro Verde (Alessandro Torres)

Com alta densidade populacional e economia dinâmica, a periferia de Campinas tem atraído cada vez mais a atenção de pessoas dispostas a empreender em regiões distantes do Centro, como a do Ouro Verde (Alessandro Torres)

Um fenômeno social que induz à dinamização da economia local. É assim que pode ser definido o processo de abertura de novas lojas e outros empreendimentos comerciais nas periferias de Campinas. Após o Centro registrar a perda de inúmeros estabelecimentos, principalmente na fase mais dura da pandemia do covid-19, bairros mais distantes da região central vêm atraindo cada vez mais negócios, fortalecendo o princípio de que os moradores não precisam deixar o lugar onde vivem para fazer compras, resolver problemas bancários e recorrer a algum tipo de serviço. Tudo está bem próximo.

A covid-19, que vitimou 700 mil pessoas no Brasil, trouxe consequências também de ordem econômica. Uma delas foi o fechamento de estabelecimentos comerciais instalados no Centro. Segundo levantamento recente da Associação Comercial e Industrial de Campinas (ACIC), no primeiro ano da pandemia 290 lojas encerraram as atividades na região, contra 45 em 2019, um aumento de 545%. Com a retomada da economia a partir do fim de 2021, impulsionada pelo avanço da vacinação, um novo movimento surgiu na cidade. Os novos empreendedores têm optado por se instalar nos bairros mais distantes da região central, devido a vários fatores, entre eles o menor custo com aluguel.

A região do Ouro Verde é um exemplo claro disso. Aos 36 anos, a proprietária de uma clínica de estética que funciona da Avenida Ruy Rodrigues, Deise Verola, decidiu que seu futuro profissional seria desenvolvido no Parque Universitário. Depois de fechar, por força da pandemia, duas clínicas em 2020, então instaladas em um shopping e no Jardim Guanabara, a empresária nascida na região do Ouro Verde encarou o desafio de voltar a empreender, desta vez no bairro de origem, frente a uma nova realidade social e econômica. Com serviços especializados em acupuntura, design de sobrancelha e alongamento dos cílios, tem no público feminino seu principal perfil de público e acredita cada vez mais na valorização da região para atrair mais clientes.

Hoje, com custo menor com aluguel e preços dos serviços acessíveis à realidade da renda de moradores locais, Deise aposta na construção de uma relação harmoniosa com os clientes para a permanência na região. "Um dos motivos principais de nos mantermos no Ouro Verde é a hospitalidade dos moradores, uma relação até familiar entre lojista e consumidor, o que contribui para fortalecer cada vez mais a nossa marca. Os clientes se sentem praticamente em casa. A mãe vem com as filhas, que trazem as amigas. As funcionárias são do bairro também e isso facilita muito", relata, destacando a importância de contribuir para a geração de emprego e renda na periferia.

De acordo com Deise, a fidelização dos clientes é feita pelo atendimento. "É o nosso diferencial, não a venda. A venda é consequência. Avaliamos a clientela através de exames para sabermos se estão aptos a realizarem o tratamento desejado. Mensalmente, promovemos ações de descontos atraindo cada vez mais pessoas. Para o mês de abril, a depilação a laser está dentro do plano promocional", anuncia. Ainda segundo a empresária, o público masculino vem ganhando cada vez mais espaço em clínicas de estéticas. "Temos serviços específicos para os homens jovens e adultos. O tratamento de pele tem uma excelente aceitação, o que nos garante um bom retorno financeiro", finaliza.

Outro exemplo de renascimento profissional também na região do Ouro Verde é da proprietária de uma loja de roupas infantis, Adriana da Silva Reis, de 37 anos. Ela se manteve por sete anos na Rua Cônego Cipião, no Centro de Campinas. Conta que não tinha uma vida de luxo, mas conseguia sobreviver das vendas de produtos para bebês. Como muitos comerciantes da área central, ela foi surpreendida pelo início da pandemia e também foi obrigada a encerrar as atividades.

Apesar das adversidades, ela persistiu e conseguiu, meses depois, abrir um novo estabelecimento próximo ao terminal Ouro Verde. "Tivemos que praticar uma nova forma de manter a loja aberta. Buscamos fornecedores com preços mais baixos para repassar ao consumidor. A distância da região para o Centro é um fator que ajuda a conquistar os clientes. Eles não precisam pegar dois ônibus para realizar suas compras. As opções estão próximas das suas casas", explica Adriana.

Mauricio Gomes Moraes, 44 anos, morador do São Bernardo, que há 15 anos mantinha sua barbearia no entorno do Terminal Central, se viu obrigado a reformular toda a sua trajetória após a pandemia. Decidiu empreender no bairro onde mora. Lá, encontrou aluguel mais barato e ainda conseguiu manter a mesma clientela do Centro. Ele teve oportunidade de retornar à região central no ano passado, mas a falta de estacionamentos gratuitos e a insegurança foram pontos determinantes para sua permanência no bairro.

"O que me mantém no São Bernardo é possibilidade de praticar promoções aos fins de semana, criar pacotes de barba e cabelo e oferecer o desenho de sobrancelhas gratuito para o público masculino. Havia muita reclamação dos clientes quanto à falta de estacionamento gratuito no Centro. Hoje, não sofremos mais com isso. Temos espaço de sobra nas ruas do bairro", comemora Mauricio.

Para os moradores, a economia obtida sem os longos deslocamentos e os preços mais camaradas praticados pelas lojas de bairro são os principais estímulos para consumir no comércio e serviço locais. Helder dos Santos, morador do Jardim Aeroporto, confirma a facilidade que o comércio local proporcionou a ele nos últimos anos. "Não preciso ir ao Centro realizar compras. Alimentos, produtos de limpeza, material escolar. As lojas são diversas e os preços são menores", elenca. A Manicure Ludmila Cristina Crepaldi, de 21 anos, moradora do Jardim Recanto do Sol, reafirma a praticidade de se comprar quase na esquina de casa. "De lojas de roupas a supermercado, temos de tudo aqui. Não vou ao Centro há algum tempo. Tudo que preciso está aqui, bem perto de casa."

Estudo

Um estudo realizado pela Linkages, especializada em mapeamento de mercado, constatou um aumento de 97% na expansão comercial em Campinas no período de cinco anos. Em 2018, eram pouco mais de 59.199 mil estabelecimentos abertos, saltando para 117.196 mil no ano passado. O levantamento considerou as principais regiões da cidade, reforçando a tendência expansiva nas periferias. O Centro ainda é o local com maior procura de empreendedores - 56%. Em seguida aparecem os distritos de Barão Geraldo, Sousas e Joaquim Egídio, com 32% dos empreendimentos. Já o Campo Grande e Ouro Verde foram os escolhidos por 12,5% dos comerciantes.

Para o professor e coordenador do Departamento de Economia da Faculdades de Campinas (Facamp), José Augusto Ruas, alguns fatores contribuíram para essa expansão do comércio nas regiões periféricas de Campinas. Um deles, impulsionado pela pandemia, foi a "explosão" das vendas on-line e os serviços decorrentes dessa realidade, como o de entregas. Outro ponto analisado pelo economista refere-se à existência de serviços essenciais ou públicos nessas regiões, como bancos, Correios e hospitais, conjunto que atrai um público elevado. "A redução dos preços e o encurtamento da distância percorrida dos bairros ao Centro da cidade são determinantes para a fidelização da clientela em relação os negócios presentes na periferia", analisa Ruas.

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