ENTREVISTA

Devolução rápida do bem reduz juros do imobiliário

Advogado explica como o setor se beneficia com garantias mais sólidas

Edimarcio A. Monteiro e Luiz Roberto Saviani Rey
11/09/2022 às 11:24.
Atualizado em 11/09/2022 às 11:24
O advogado Jundival Adalberto Pierobom Silveira, 46 anos de Direito Imobiliário: em oito meses, ele conseguiu resolver a situação de um imóvel que estava bloqueado há 22 anos na Justiça (Gusavo Tilio)

O advogado Jundival Adalberto Pierobom Silveira, 46 anos de Direito Imobiliário: em oito meses, ele conseguiu resolver a situação de um imóvel que estava bloqueado há 22 anos na Justiça (Gusavo Tilio)

As mudanças nos financiamentos imobiliários têm contribuído para reduzir a inadimplência e os juros dos empréstimos. A opinião é do advogado Jundival Adalberto Pierobom Silveira, que há 46 anos atua com direito imobiliário e presta serviços nessa área para clientes em todo o país, em entrevista ao Correio Popular, a convite do presidente-executivo do jornal, Ítalo Hamilton Barioni. Ele destaca que as alterações permitem a retomada do imóvel do devedor em seis meses, processo que antes se arrastava por até dez anos na Justiça.

Para o advogado, essa agilidade dá segurança aos investidores. Reconhecido profissionalmente como um dos melhores da área, ele já apresentou várias propostas para a modernização da alienação fiduciária imobiliária. Inclusive, foi responsável pela implantação desse sistema no principal banco que atua com financiamento de imóveis no Brasil.

Nessa reportagem, Silveira aborda como vê a advocacia, os avanços do Direito e o que ainda precisa mudar para tornar o Judiciário mais eficiente. De acordo com ele, essa é uma área muito dinâmica que precisa estar em constante evolução para se moldar às necessidades da sociedade. 

Como o senhor entrou para o Direito?

Eu nasci em Santa Fé do Sul, no Estado de São Paulo, perto da divisa com Goiás e Mato Grosso. Trabalhava em cartório de imóveis e vim para Campinas, há 51 anos, trabalhar com o João Luiz Teixeira de Camargo. Trabalhei dez anos no cartório aqui, me formei na faculdade de Itu, em 1997, onde tive a honra de ter como professor e diretor da faculdade o ex-presidente da República, Michel Temer. Ao sair da faculdade, disse 'agora sou advogado' e montei um escritório com mais duas pessoas que trabalhavam no cartório. Eu continuei na advocacia por 46 anos. O outro sócio, na época, agora é desembargador no Tribunal de Justiça, se chama Antonio de Almeida Sampaio. O outro, Elba Mantovanelli, passou em um concurso para delegado de polícia. Ficou pouco tempo, fez outro concurso para procurador da Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], passou e se aposentou nesse cargo. Assim começou minha trajetória na advocacia, onde tive grandes apoios, como o do João Luiz, que me considerava como um filho.

O cartório definiu a sua carreira ou o senhor tinha alguma referência na família? 

Não. Eu entrei no Cartório de Registro de Imóveis lá em Santa Fé do Sul, depois vim para cá. Quando João Luiz Teixeira de Camargo estava prestes a se aposentar, foi lá no escritório, disse que queria me nomear como escrevente e me colocar como seu substituto. Como era um período transitório, pensei: me afasto do escritório por três, quatro anos, mas não sei como encontraria isso quando voltasse. Então, decidi continuar com o escritório porque era mais certo, estava em expansão, com muitos clientes, como tenho até hoje. Tenho uma equipe de 45 pessoas no escritório e atendemos clientes do Brasil inteiro, de todos os Estados brasileiros, sem exceção. São grandes incorporadoras, loteadoras, construtora e bancos. No direito, não atuamos apenas nas áreas criminal e tributário. A minha mulher é advogada, é leiloeira oficial, eu também sou, assim como um dos filhos. Nós não atuamos na advocacia de massa, nós fazemos uma advocacia personalizada. Por isso, é que temos um bom nome. 

Como o senhor mesmo disse que mantém uma advocacia personalizada, cada ação deve ter suas próprias características, mas tem algum ponto central em comum no ramo imobiliário? 

Tem. Em 1997, o presidente da República promulgou uma lei e instituiu a alienação fiduciária de bem imóvel, que lá nos Estados Unidos se chama hipoteca, a “mortgage”. Antes, quando os bancos financiavam um imóvel ou um grande empreendimento, eles faziam uma hipoteca, mas ela se tornou um agente démodé, fora de linha, com essa lei. Durante essa lei, eu fiquei dez anos na Caixa Econômica Federal para implantar esse sistema de alienação fiduciária, que foi um sucesso. Então, atuamos nessa área no Brasil inteiro. Nós somos especialistas, estamos sempre nos atualizando com diversos cursos. Isso tem trazido um handcap muito grande para o escritório. Nós fomos convidados pelo Ministério da Economia, do Guedes [ministro Paulo Guedes], para participar de um grupo de advogados para fazer sugestões para alterações na lei. Nós participamos desse fórum em Brasília, fizemos sugestões e dois meses, depois a lei foi alterada diante das necessidades do setor. 

O senhor pode especificar um pouco o que era a lei e o que mudou, no que ela facilita a vida das pessoas, das empresas?

A alienação fiduciária é um empréstimo que o banco, a construtora faz para uma pessoa. Com a mudança, em caso de inadimplência, o imóvel volta para o banco, construtora, incorporadora ou mesmo um particular. Antes, todas as escrituras eram feitas em cartório, mas agora é através de um instrumento particular. Esse procedimento ajudou muito porque desonerou esse processo, o custo é menor para o banco, para quem concede o crédito. No caso de inadimplência por qualquer motivo, crise, covid, por isso, por aquilo, a pessoa é notificada a pagar em 30 dias. Se não pagar, perde o imóvel, que vai para leilão. Com as novas mudanças, a lei é muito mais ágil para retomar o imóvel de um inadimplente. Lá nos Estados Unidos, se a pessoa para de pagar o “mortgage”, o oficial de polícia coloca um aviso na porta da casa do cidadão, que tem três dias para desocupá-lo. Se não fizer, vem um caminhão e retira todos os móveis. No Brasil, não é assim. A pessoa tem um prazo para fazer o pagamento. Mas se não o fizer, vai para leilão. Nesse tipo de venda, pode sobrar algum dinheiro, algum dinheiro, que a lei fala em sobejamento, que é entregue ao inadimplente. Isso foi bom porque, com a hipoteca, chegamos a ficar digladiando em juízo para retomar o imóvel durante dez anos. Hoje, tudo isso é feito em seis meses. 

Como isso beneficia o setor como um todo?

Quando você tem a retomada do imóvel ágil, que não depende do Judiciário, tudo é extrajudicial, os bancos reduzem os juros do empréstimo, que ficam mais barato. Isso ajudou a reduzir a inadimplência, tornando os juros menores. Mas, com todo o respeito, os juros no Brasil ainda são muito altos, mas é o que temos no momento. 

Os juros altos prejudicam o setor?

Prejudica para uma determinada classe. Por exemplo, nós temos hoje, o que antes era o Minha Casa Minha Vida, o Casa Verde Amarela, que são os juros menores. Nós um outro sistema de financiamento, que é o SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo), que tem um juro um pouco maior. Há ainda uma outra modalidade de financiamento que é o livre, que são os valores maiores e o banco cobra aquilo que acha que deve cobrar. Aí a Caixa Econômica Federal criou o Sistema de Amortização Constante (SAC). Quem tem mais condições paga mais agora e menos lá na frente, até porque o imóvel começa a desvalorizar por causa dos anos que se passam. Recentemente, criaram-se as fintechs, que através de uma securitizadora, estão emprestando muito dinheiro. Então, tem grandes investidores, fundos de investimento fazendo esse tipo de empréstimo. Nós atuamos em todas esses processos administrativos, com leilões e muitos casos que são judicializados.

Como são esses judicializados? 

Vou dar um exemplo importante. Um engenheiro comprou um apartamento de R$ 1,5 milhão de uma grande construtora de São Paulo. Ele deu R$ 500 mil de entrada e financiou R$ 1 milhão em 120 parcelas. Foi pagando, pagando, não sei quantas parcelas, até que um belo dia a situação complicou e ele parou de pagar. Nós notificamos e ele entrou com um processo na Justiça dizendo que parou de pagar porque foi enganado na assinatura do contrato. O juiz deu a liminar suspendendo o leilão. Logicamente, as partes têm que ser notificadas para contestar. No dia da audiência de conciliação, o juiz perguntou se tinha acordo e ele falou que não, que tinha sido enganado. Eu disse: 'Vossa Excelência, poderia perguntar para o autor da ação qual a profissão dele'. Ele disse: 'sou engenheiro'. O juiz falou: 'ah, o senhor é engenheiro. O senhor trabalha há quanto tempo?' Ele respondeu: 'Há 25 anos'. O juiz comentou: 'Ah. O senhor foi enganado na assinatura do contrato? O senhor foi enganado quando recebeu R$ 1 milhão para complementar a compra do imóvel? Eu vou dar dez dias para o senhor desocupar o imóvel ou vai a polícia lá e tirar o senhor.' O juiz deu a sentença na hora. Veja, isso tem dado para nós, advogados, um suporte muito grande.

Como o senhor vê o direito imobiliário?

Essa área que envolve o direito imobiliário, que envolve essa mecânica toda, é muito específica. Por isso que eu disse que não é massificada, ela é personalizada. O acervo de informações que nós temos, casos que nós atuamos, de jurisprudência é muito grande ao longo desse quase meio século. No escritório também temos direito de família. Hoje também está muito comum o direito societário, as holdings, as fusões, incorporações, cisões. Esta semana tivemos uma reunião de um grupo que quer criar uma fintech, que está na moda, para garantir o pagamento do aluguel para o proprietário. A fintech pode captar recursos, investimentos sem ligação com a Bolsa de Valores, tão pouco a CVM [Comissão de Valores Mobiliários]. Também tem alguma coisa de direito trabalhista para atender alguns clientes que pedem.

O advogado Jundival Adalberto Pierobom Silveira em frente à sede do seu escritório de advocacia (Gustavo Tilio)

O advogado Jundival Adalberto Pierobom Silveira em frente à sede do seu escritório de advocacia (Gustavo Tilio)

Quais as críticas que o senhor faria ao direito trabalhista?

A Justiça do Trabalho tem um aspecto que eu diria que 90% direciona para o empregado. Isso porque na concepção das leis, na minha opinião, são mais favoráveis ao empregado do que ao empregador. O empregador é considerado o vilão da história. As nossas leis são muito paternalistas, arraigadas ao trabalhador. Nós fizemos esta semana uma audiência em que uma pessoa trabalhou em um hotel quatro meses e entrou com uma ação pedindo uma indenização de R$ 130 mil, citando uma série de verbas. Sabe qual foi o valor do acordo? R$ 3 mil. Então, eu pergunto: isso é sério? Quando o Temer fez a mudança de uma parte da lei trabalhista, ele colocou que, quando o trabalhador entrar com uma ação com um pedido absurdo e perde, ele paga os honorários. Só que todos entram e pedem Justiça gratuita.

A pandemia de covid-19 também gerou discussões legais? 

Depois da covid, também tem aparecido muitos divórcios, separações de casais. Fizemos recentemente um divórcio de uma pessoa que tinha 150 imóveis, tudo registrado, tudo certo, além de comércio e valores altos aplicados.

Como está a questão dos inventários do ponto de vista da legislação?

Os inventários podem ser feitos, através de decisão do CNJ [Conselho Nacional da Justiça], por escritura pública. Antes, tinham que ser feitos através do Judiciário e demoravam muito. Hoje, você faz um inventário em uma semana. O divórcio também pode ser feito por escritura pública. 

Ainda na questão do direito imobiliário, há ainda a questão das heranças, que muitas vezes envolvem irmãos, filhos, sobrinhos. Essa questão ainda é muito confusa no Brasil?

Sim, principalmente quando tem menor. Aí há a interveniência do Ministério Público, que dá guarida aos menores, fiscaliza para garantir que os direitos deles estão sendo respeitados. Aí tem que ser processo judicial.

O senhor considera que deva haver mudanças na lei para que esse processo possa ser mais simples?

Não. Hoje já tem uma mudança em que os testamentos e os inventários podem ser feitos juntos. É mais rápido, isso agiliza o jurisdicionado.

Nos encontros e simpósios que já participou, o senhor fez alguma sugestão que julga ser preciso mudar? 

Já participei de muitos encontros e simpósios. Quando foi para o Congresso o projeto de lei do Reurb (Regularização Urbana e Rural), alguns deputados pediram sugestões aos escritórios de advocacia. Nós recebemos e apresentamos algumas sugestões. A regularização dos loteamentos e prédios clandestinos se tornou muito mais ágil. É um modelo excelente previsto na lei. Campinas teve vários loteadores no passado que abriam as ruas, demarcavam os terrenos e vendiam. Depois era feito o asfalto comunitário, a água a prefeitura tinha que levar, a CPFL levava a rede de energia elétrica, o esgoto era o problema maior. Tudo isso foi resolvido com a regularização fundiária, a chamada Reurb [lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017]. Um processo desse hoje, tanto na Prefeitura de Campinas quanto em várias outras, em seis meses está tudo regularizado, com matrícula individualizada, com tudo. A lei do Reurb foi uma solução importante que foi adotada no Brasil. São Paulo, Campinas também tem, comunidades que cada família é dona de um pavimento de um prédio construído em um terreno. Uma lei aprovada permitiu que cada lage fosse registrada em nome de um dono, que tem uma escritura individual. Antes, ele não tinha nada.

É difícil acompanhar tantas mudanças na legislação? 

A advocacia vai se aperfeiçoando, e os cursos são importantes para os profissionais se atualizarem. Temos que aprender, eu não sei tudo e vou morrer sem saber. Mas, a cada dia temos que estar estudando, não podemos ficar para trás. O mais importante na advocacia é a honestidade, o advogado tem que ser honesto com o cliente. Eu digo que um bom advogado tem que ter três pilares: conhecimento, não precisa ser catedrático em todas as áreas, mas precisa ter conhecimento; relacionamento; e saber administrar o seu negócio. Ele não precisa administrar diretamente, poder ter pessoas que façam isso, mas tem que saber dar as ordens, fazer a gestão. 

O avanço tecnológico facilitou o exercício do Direito?

No nosso escritório nós temos um sistema informatizado extremamente especializado para a advocacia. Todo o processo que entra tem uma coordenadora, que recebe, cadastra e distribui para o advogado certo da área. O sistema permite controlar prazo, quanto tempo ficou para fazer a inicial, toda a tramitação. Basta apertar um botão para informar na hora o cliente. Ele também recebe uma senha e tem acesso a todas as informações. Lógico que tem termos técnicos da advocacia que ele precisará auxílio do advogado, que informará do que se trata. Não tem mais aquele negócio de 'como está o meu processo? Não anda, não sei o que'. Ele faz todo o acompanhamento online. 

O excesso de processos na Justiça gera morosidade?

Nas duas Varas de Execução Fiscal de Campinas tem quase 400 mil, que envolvem IPTU [Imposto Predial e Territorial Urbano], ISS (Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza], multa etc. O excesso de processos gera uma morosidade extraordinária. Nós tivemos recentemente três juízes que deixaram Campinas e foram para uma vara distrital em São Paulo em função do volume de trabalho. A parte eletrônica ajudou muito, mas ainda tem muito processo físico que está sendo transformado em eletrônico. Porém, tem processo que tem dez, 15 volumes. Imagine passar isso para o meio eletrônico, tudo em ordem. É um caos. 

Como o senhor vê a advocacia?

A advocacia é um sacerdócio, é apaixonante. Eu digo o seguinte: você levanta, vai para o escritório, fica aborrecido; sai ao meio-dia feliz; a tarde pode sair feliz ou aborrecido pelas decisões do Judiciário. Eu tenho um cliente que teve um imóvel que ficou bloqueado 22 anos, não podia fazer absolutamente nada. Isso passou por vários advogados até que caiu com a gente. Em oito meses, eu desbloqueei o imóvel. Esta semana recebei uma mensagem pelo WhatsApp do proprietário me parabenizando pelo trabalho tão rápido. 

Com o conhecimento que tem, o senhor considera que tem algo que precisaria ser modificado rapidamente?

Vou dar um exemplo. O nosso Código Civil Brasileiro foi promulgado em 2002, o anterior era de 1916. Esse projeto ficou tramitando no Congresso Nacional durante 20 anos até ser promulgado, o que foi comemorado, teve festa, temos um Código Civil novo. De lá para cá, já tem 600 artigos que foram alterados. O Código de Processo Civil, que é de 1932, foi alterado em 2015 e já tem inúmeros artigos que foram modificados. Por quê? Porque as ciências jurídicas e sociais, que é o Direito, são muito dinâmicas. Imagine a Constituição Federal, quantas emendas, quantas PECs [Projetos de Emenda Constitucional] foram aprovados. Já estão pensando em uma nova Constituição para o Brasil porque tem artigo que até hoje não tem regulamentação. Com exceção dos artigos pétreos, que têm que ser mantidos, o resto está lá e ninguém sabe o que fazer. Tem palavras que são totalmente dúbias. Aí nasce uma coisa, que no Brasil é de pacote, que é chamada de jurisprudência. Mas já tive um caso recente de dois processos iguais, baseados em jurisprudência, que o mesmo juiz deu uma sentença favorável para um e desfavorável para outro. 

O que o senhor faz como hobby para desestressar, aliviar essa pressão?

Eu gosto de navegar, pegar o barco e passar um tempo em alto-mar, nadar, mas não pesco. Isso me refresca a cabeça. Quando eu volto, estou renovado. Para evitar discussões, também não se fala de trabalho em casa. Isso tem melhorado tudo.

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