Falta de estrutura e de política pública deixa a cidade sem preparo para receber equipes
Enquanto várias cidades brasileiras já se prepararam para atender à demanda de delegações estrangeiras que virão para a Copa do Mundo no ano que vem e para a Olimpíada no Rio de Janeiro, em 2016, Campinas patina no amadorismo e corre o risco de acompanhar dois dos maiores eventos esportivos do planeta do lado de fora. A série de problemas estruturais do Centro Esportivo de Alto Rendimento (Cear) — propagandeado como referência nacional, mas que acumula cenas de abandono mesmo com pouco tempo de uso — e a falta de uma política mais eficaz da Secretaria de Esportes e Lazer para deslanchar projetos e convencer os grupos internacionais de que a cidade tem condições de receber bem são apenas alguns dos obstáculos.
Foto: Gustavo Tilio/Especial para a AAN Casa que deve ser demolida para futuro alojamento dos atletas No mês passado, uma delegação do Comitê Olímpico da Itália esteve na cidade e foi levada para ver habitações em péssimas condições na área do Cear e ouviu de representantes da Prefeitura a promessa de que tudo ali seria demolido e que seriam construídos “modernos alojamentos de três a quatro andares”. O que veio depois, segundo uma fonte que acompanhou a visita, foi, no mínimo, constrangedor. Um diretor da pasta de Esportes e Lazer informou que seriam quatro quartos por andar e que cada um deles receberia 12 pessoas em seis beliches. Espantados, os italianos devolveram a informação com risadas e uma frase irônica: “Isso aqui vai ser alojamento para atletas de alto rendimento ou para crianças?”
Em uma rápida passagem pelas casas — 120 antigas estruturas que pertenciam à Fazenda Bradesco — é evidente o estado de abandono do lugar. Vidros quebrados, sujeira, instalações elétricas em condições deploráveis, pedaços de madeira cobrindo buracos nas janelas, mofo, mato, lixo e teias de aranha para todos os lados. Nada que impressionaria positivamente algum visitante. Outro detalhe: não há prazo para a demolição das casas e muito menos para o início da construção dos alojamentos. Foto: Gustavo Tilio/Especial para a AAN Caminho de terra que leva ao Cear: equipes passariam pela via
Outro problema para seduzir os estrangeiros tem sido algo básico, quase inacreditável. Em algumas ocasiões, a Prefeitura não contou com alguém que falasse a língua dos visitantes. Com os italianos, por exemplo, o próprio secretário de Esporte e Lazer, Oldemar Elias, conhecido como Professor Campos, admitiu ao Correio que não houve essa preocupação e que um funcionário da Administração se comunicou com os europeus em “portuliano”, ou seja, uma mistura de português com italiano. “É uma questão de postura. O secretário quer se comunicar em português e fica aquela situação estranha. Isso demonstra uma falta de profissionalismo”, criticou a fonte ligada à Administração.
A poucos metros das velhas casas, a piscina olímpica com 4 milhões de litros de água — que gerou um gasto de R$ 70 mil apenas para enchê-la — está parada há um mês por falta de material para a sua limpeza. A manutenção tem um custo mensal de R$ 10 mil. De longe, é possível ver o tanque gigante com a água esverdeada. Os funcionários dali, dispostos a fazer algo, estão com as mãos atadas porque nem cloro eles têm à disposição. O secretário prometeu pedir “emprestado” à Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento S/A (Sanasa) o produto necessário e resolver a situação. A piscina olímpica costuma ser utilizada pelos atletas de triatlon da cidade e da Associação de Pais e Amigos da Natação de Campinas (Apanc).
Na piscina ao lado, semiolímpica, de 25 metros de comprimento, um dos atletas da equipe de Campinas que vai disputar os 57 Jogos Regionais — de 3 a 13 de julho, em Itatiba — treinava sozinho. A piscina não tem o tamanho ideal e a água é fria, o que deixa os atletas suscetíveis a problemas de saúde pouco antes da competição. “Estou aqui por minha conta e risco, já que não tenho onde treinar”, disse o nadador.
Como as piscinas do chamado “centro olímpico” não dão as condições ideais para o treinamento, o jeito foi improvisar. Duas academias particulares ofereceram seus espaços para os atletas, graças a contatos de alguns técnicos, que receberem o apoio de amigos donos dos estabelecimentos.
Foto: Gustavo Tilio/Especial para a AAN Nadador da equipe de Campinas treina em condições inadequadas
Viracopos
Apesar de tudo, Campinas ainda se destaca, principalmente, pelo Aeroporto Internacional de Viracopos. A proximidade com São Paulo, suas opções viárias, a rede hoteleira e até mesmo o clima também são fatores que pesam a favor. Em relação à Copa do Mundo, a cidade já despertou o interesse de 13 países, que enviaram seus representantes. Holanda, Inglaterra, Bélgica, Japão, Portugal, Estados Unidos, Alemanha, França, Suécia, Grécia, Rússia, Coreia do Sul e Noruega, que mandou representantes duas vezes, formam essa lista. Informações de bastidores, contudo, apontam que a Alemanha prefere Itu, a Inglaterra quer São Paulo, a Holanda pensa mais firmemente no Rio de Janeiro e, oficialmente, a França já fechou com Ribeirão Preto. Campinas, por enquanto, não foi escolhida. Mas tudo ainda depende da classificação das equipes para o Mundial e do posterior sorteio de cada grupo e suas sedes.
“Cada seleção tem a sua característica. Algumas querem um campo dentro do hotel, outras não. Tem grupo que procura ficar em cidades litorâneas. Todos que passaram por aqui elogiaram muito a questão dos hotéis e outras condições da cidade, mas nosso ponto fraco foi a oferta de campos para treinamento”, contou uma fonte, que preferiu não se identificar. “Acho que para a Copa a cidade já perdeu a chance de receber uma seleção de grande porte. Podemos ficar com países de média importância na competição, como uma Bélgica ou uma Croácia, por exemplo. No atual momento, a situação (da busca por delegações) está solta, ninguém sabe o que fazer (na Prefeitura). Não há ninguém que mantenha contato com as delegações que já estiveram por aqui para receber um feedback. É preciso definir quem é o ‘pai’ do processo, o Esporte ou o Turismo”, disse a fonte.