depósitos somam atualmente R$ 120 milhões e 70% desse valor poderão ser utilizados prioritariamente para pagamento de precatórios, cuja dívida do Executivo soma R$ 416,8 milhões
Saviani Rey, cujo pai teve a casa desapropriada por causa da Aquidabã: "Demoramos 10 anos para receber" ( Cedoc/ RAC)
O prefeito de Campinas, Jonas Donizette (PSB), regulamentou os procedimentos previstos em lei que permitirão utilizar os depósitos judiciais para reforçar o caixa do município. Os depósitos somam atualmente R$ 120 milhões e 70% desse valor poderão ser utilizados prioritariamente para pagamento de precatórios, cuja dívida da Prefeitura soma R$ 416,8 milhões. Este ano, a Administração calcula que poderá utilizar no máximo R$ 20 milhões dos depósitos destinados aos precatórios — um conjunto de dívidas cobradas na Justiça em ações de desapropriações, créditos tributários, salários, vencimentos, proventos, pensões e indenizações. Somente depois que saldar esse estoque, é que a Prefeitura poderá utilizar o restante da verba para pagamento da dívida de longo prazo (divida fundada), despesas de capital, recomposição dos fluxos e do equilíbrio dos fundos de previdência do Camprev ou para compor um fundo de parcerias publico-privada para infraestrutura, informou o secretário de Administração, Sílvio Bernardim. Assim, o total de recursos destinados ao pagamento de precatórios em 2015 será de R$ 40 milhões (metade do valor já foi pago, com recursos orçamentários), disse o secretário de Finanças, Hamilton Bernardes. A possibilidade de utilizar os depósitos judiciais para os precatórios tem impacto importante, diante da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou que estados e municípios liquidem o estoque de precatórios até 2020. Dos atuais R$ 40 milhões gastos por ano, passará a pagar R$ 90 milhões para poder liquidar a dívida em cinco anos. A regulamentação publicada ontem no Diário Oficial do Município tem como base a lei completar sancionada em agosto pela presidente Dilma Rousseff (PT), que garante transferência de 70% do dinheiro dos depósitos judiciais e administrativos para os cofres da União, dos estados e dos municípios. Os outros 30% serão destinados a um fundo para custear litígios judiciais. Depósitos judiciais são os feitos durante discussões na Justiça. A lei, proposta no Congresso pelo senador José Serra (PSDB), é uma demanda de governadores para aumentar os caixas estaduais e pagar precatórios. ‘Fura-fila’ As pessoas que têm dinheiro para receber da Prefeitura em precatórios alimentares — ordens judiciais de pagamentos oriundas de ações de servidores municipais e pensionistas cobrando complementações, gratificações ou indenizações — poderão furar a fila de credores se oferecerem um desconto de até 30% no valor a receber. Projeto nesse sentido, enviado pelo prefeito Jonas Donizette, está tramitando na Câmara. O projeto autoriza a Justiça do Trabalho a negociar com os credores um deságio de até 30% no valor dos precatórios alimentares. Na prática, a proposta dá poder à Justiça de negociar com o credor o desconto no pagamento, substituindo o leilão de precatórios que estava previsto em lei federal e que acabou sendo extinto em março quando o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que estados e municípios liquidem o estoque de precatórios até 2020. No leilão, quem oferecia o maior deságio, recebia primeiro. O projeto de lei, além de prever essa autorização para a Justiça do Trabalho negociar, também fixa o limite do deságio. Essa proposta, segundo o prefeito, foi feita por juizes trabalhistas. Espera por indenização pode demorar décadas Quem tem dinheiro para receber da Prefeitura sabe que terá que esperar muitos anos. As vezes décadas. Mesmo a Justiça mandando pagar, o poder público demora. Campinas tem casos emblemáticos da morosidade. Um deles é a desapropriação do Colégio Cesário Mota, que ficava onde foi construído o Centro de Convivência Cultural. A ação de indenização foi ajuizada em 1973 e a última parcela foi quitada pela Prefeitura em 2007, ou seja 34 anos depois da ação de desapropriação. Outro caso é da desapropriação para a construção da Avenida Aquidabã, onde cerca de 300 imóveis foram desapropriados nos anos 60. Muitos dos desapropriados morreram sem receber uma dívida que se arrastou por mais de 40 anos. Um desses desapropriados foi o comerciante Henrique Reis Fernandez, que tinha um comércio na Rua José de Alencar, na esquina da Aquidabã, e acabara de comprar uma casa, na esquina da Boaventura do Amaral com Aquidabã. A casa não constava inicialmente da lista dos imóveis que seriam demolidos, por isso já estava fazendo a mudança. Num sábado, quando levava os móveis para lá, encontrou a casa demolida — sem prévio aviso, ela havia sido incluída na lista. “Dois meses depois meu pai morreu, de tanto desgosto, com a violência que foi tudo aquilo. Demoramos mais de 10 anos para receber o precatório. A Prefeitura pagou pelo valor venal, sem correção. Com o dinheiro não dava para pagar nem a calçada”, disse o filho de Henrique, o jornalista Luiz Roberto Saviani Rey. Grande parte dos precatórios da Prefeitura estão na categoria alimentar, ou seja, de servidores públicos que foram à Justiça para cobrar seus direitos. Caso de Ernesto Paulella, secretário de Serviços Públicos, que ganhou uma ação de cobrança de adicional por tempo de serviço. Desde que saiu a decisão, o adicional foi incorporado, mas há o passivo que na época estava em cerca de R$ 900 mil. Paulella diz que ainda tem esperança de receber. “Se eu não receber, meus filhos recebem”, afirmou. Ele fez parte de um grupo de servidores que foram à Justiça na época para cobrar o adicional.