Apenas nos primeiros seis meses deste ano foram registradas 38 ocorrências
Operação em Indaiatuba libertou 25 trabalhadores bolivianos de condições análogas à escravidão em uma oficina de costura no início desta semana; eles trabalhavam em média das 7h30 às 20 horas (Ministério Público do Trabalho)
O número de denúncias de trabalho análogo à escravidão, trabalho degradante e tráfico de pessoas praticamente dobrou entre 2021 e 2022. Os número são do Ministério Público do Trabalho (MPT) da 15ª Região. Somente nos primeiros seis meses deste ano, foram registradas 38 denúncias - média de uma ocorrência a cada 4,76 dias. Na última terça-feira, uma operação desmantelou uma oficina com 25 bolivianos em condições análogas à escravidão em Indaiatuba.
Ainda de acordo com o MPT, neste ano já foram elaborados 11 Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) e outras duas ações civis públicas impetradas. No ano passado todo, foram 42 denúncias, com sete TACs firmados e outras duas ações civis públicas ajuizadas. Segundo o procurador e coordenador de erradicação do trabalho escravo do MPT, Marcus Vinícius Gonçalves, diversos fatores levaram a esse crescimento.
"O aumento de denúncias se deve à facilidade com que a população hoje pode realizar a sua queixa. Seja pela internet, telefone, anonimamente... Enfim, até da própria casa, mediante um computador com internet, é possível denunciar. O que tem ocorrido também é que a sociedade não tolera mais essa prática. As pessoas têm um esclarecimento maior do que é o trabalho escravo. Há também mais visibilidade a essa violação da dignidade humana nos últimos anos, além de uma divulgação maior perante a mídia", afirmou.
De acordo com o Código Penal brasileiro, trabalho análogo ao escravo é aquele em que a pessoa é submetida a qualquer uma das seguintes condições: trabalhos forçados; jornadas tão intensas a ponto de causar danos físicos; condições degradantes no meio ambiente de trabalho; ou restrição de locomoção em razão de dívida contraída com o empregador. "O crime de trabalho escravo vai de dois a oito anos de reclusão, aumentando pela metade se houver adolescentes no local. O tráfico de pessoas também vai até oito anos de reclusão. O crime é processado pela Justiça Federal, a partir de denúncia feita pelo Ministério Público Federal. O MPT age na parte do trabalho, garantindo uma indenização aos trabalhadores e combatendo a prática ilegal", explicou.
O MPT também divulgou que em 2019 foram registradas 22 denúncias, com oito TACs e duas ações na Justiça. O número cresceu e, em 2020, chegou em 36 registros denunciados, sendo que um virou TAC e os outros dois foram ajuizados como ações civis públicas.
"Quando recebemos uma denúncia, os fiscais vão até o local investigar e elaboram o termo. No entanto, é oportunizado ao acusado que se comprometa a corrigir a situação, pagando aos trabalhadores e etc. Como o TAC é mais célere do que ingressar com a ação na Justiça, ele é priorizado. Dependendo da gravidade da situação e se o autor do delito estiver na frente do trabalho, ele pode ser preso. A prisão poderá ser convertida em preventiva, ou seja, ele permanecerá preso. Mas isso varia conforme cada caso", disse o procurador.
Em Indaiatuba
Uma operação realizada na cidade de Indaiatuba libertou 25 trabalhadores bolivianos em condições análogas à escravidão em uma oficina de costura da cidade, na última terça-feira (28). Os trabalhadores não tinham registro em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS), trabalhavam em média das 7h30 às 20h, recebendo salário por produção. Eles ganhavam, por cada peça costurada cerca de R$ 0,65. Os filhos dos imigrantes, crianças em idade escolar, também residiam nos alojamentos.
O local de funcionamento da oficina era um sobrado, que dividia espaço com o alojamento de parte dos empregados. Uma outra casa servia de alojamento aos demais trabalhadores e de depósito de materiais de costura e de máquinas desativadas.
Havia falta de higiene tanto nos alojamentos quanto no meio ambiente de trabalho, com lixo e sujeira espalhados por toda parte. Os quartos eram improvisados, com divisórias feitas com lençóis, e serviam de refeitório para os imigrantes.
A oficina não respeitava as normas de saúde e segurança do trabalho, especialmente pela falta de organização, sujeira, falta de ergonomia e ausência de medidas de proteção contra incêndios. O empregador direto dos trabalhadores, também de origem boliviana, prestava serviços a um comerciante da cidade de São Paulo.
O MPT e a DPU celebraram Termo de Ajuste de Conduta (TAC), pelo qual tanto o empregador quanto o comerciante da capital deverão realizar o registro retroativo dos contratos de trabalho, com posterior rescisão, com o devido pagamentos das verbas rescisórias, além de uma indenização por danos morais individuais a cada um dos 25 trabalhadores.
"A grande quantidade de material inflamável distribuído pela oficina e pelos alojamentos, de forma totalmente desorganizada, gera um risco adicional de incêndios. Não havia extintores disponíveis no imóvel, o que caracteriza risco grave e iminente de acidentes", explicou o procurador.
A multa por descumprimento do TAC é de R$ 5 mil por item e por trabalhador em situação irregular, acrescida de multa diária e R$ 1 mil até a regularização da conduta trabalhista. Por estarem em trabalho análogo à escravidão, os bolivianos terão o direito ao seguro-desemprego.