AMBIENTE DE TRABALHO

Denúncias de assédio sexual crescem 36% em cinco anos

Primeiro bimestre teve 9% de aumento dos registros frente a igual período de 2022

Bianca Velloso/ [email protected]
30/03/2023 às 09:24.
Atualizado em 30/03/2023 às 09:24
Vítima de estupro no ambiente de trabalho vive em clima de insegurança e sob efeito de medicamentos (Alessandro Torres)

Vítima de estupro no ambiente de trabalho vive em clima de insegurança e sob efeito de medicamentos (Alessandro Torres)

As denúncias de assédio sexual no ambiente de trabalho cresceram 9% no primeiro bimestre de 2023, em relação ao mesmo período do ano passado, no interior de São Paulo. Os casos saltaram de 66 para 72 neste ano. Em cinco anos, as denúncias aumentaram 36%, passando de 337 em 2018 para 459 em 2022. Esses dados foram registrados pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (TRT-15), que tem sede em Campinas e atende 599 municípios. Especialistas acreditam que esse aumento se deve à segurança que as mulheres ganharam para falar sobre o tema, a partir de discussões nas redes sociais e na mídia. Além disso, destacam a importância de saber identificar esses casos de assédio, que não precisam ser necessariamente realizados de forma presencial, para que a vítima possa realizar a denúncia e garantir seus direitos.

Para a cofundadora do coletivo Mulheres pela Justiça, a advogada Thais Cremasco, esse aumento de denúncias registradas ocorre por dois fatores. “O primeiro é que as mulheres estão tendo acesso a mais informações e mais encorajadas a denunciar. Outro fator é que os homens, ao verem essas denúncias, acabam agredindo mais as mulheres para se manterem em uma posição de poder”, disse.

O coletivo Mulheres pela Justiça é um grupo que se dedica a realizar atendimento e acolhimento à mulheres em situação de violência de gênero, de forma gratuita. Thais Cremasco disse ainda que várias situações que antes eram vistas como aceitáveis e normais, hoje em dia são entendidas como crime, graças a essa maior conscientização da população, especialmente das mulheres. “Uma passada de mão no ônibus, um beijo a força e outras situações que eram vistas como normais e hoje, com mais informações, as mulheres entendem como violência”, analisou a advogada, que atua na defesa de mulheres que foram vítimas de violência.

Thais Cremasco orienta que primeiramente deve ser feito o boletim de ocorrência detalhando o que aconteceu, algo que pode ser feito na Delegacia de Defesa da Mulher. Para identificar a violência sexual, Thais defende que não é questão de opinião e que a lei é bem clara com relação a isso. “Quando existe um ato de força e imposição da vontade de uma pessoa em relação a outro, isso já é violência. Passada de mão, beijo a força, tudo é. Não é questão de opinião. Está na lei”, destaca.

Jandir Silva, advogado que atua na área trabalhista, define que o assédio sexual ocorre quando o agressor viola a dignidade e a liberdade da vítima. “Está previsto no Código Penal e na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que preveem como violência abordagens grosseiras, toque sem consentimento e inadequados que possam constranger, humilhar e amedrontar a vítima, convites indecorosos, brincadeiras sexistas e até mesmo comentários constrangedores. Vejamos, não precisa necessariamente ter o toque físico para se caracterizar assédio sexual”, explicou o advogado.

Por fim, Jandir Silva destaca a diferença entre assédio sexual e importunação sexual. Segundo ele, o primeiro ocorre quando há constrangimento com a finalidade de obter vantagem sexual, por isso está relacionado a uma posição superior de nível hierárquico. Já a importunação sexual é quando uma pessoa pratica ato libidinoso sem a permissão da vítima para satisfazer vontades sexuais e não tem necessariamente relação com cargo ou posição hierárquica.

Caso de violência

Fátima (nome fictício utilizado pela reportagem para proteger a vítima), foi estuprada no trabalho no ano passado e até hoje vive as consequências desse crime. Ela, que antes era independente e não tomava nenhum medicamento, hoje precisa da ajuda do filho para tomar os remédios que os médicos receitaram para ela. Fátima lamenta que o agressor ainda esteja solto. Caso ocorreu no segundo semestre do ano passado e teve audiência recentemente, mas a condenação ainda não foi definida.

Três dias antes do crime, o abusador esfregou o pênis no rosto de Fátima. Desesperada, ela chutou o homem para fora da sala. A vítima comunicou o caso ao supervisor, mas teve medo de registrar um boletim de ocorrência, pois foi ameaçada de morte pelo agressor. Como nada foi feito, o abusador se sentiu seguro para cometer o crime de estupro.

“Fui trabalhar um dia e ele também. Quando o vi, fiquei com muito medo. Falei que ele poderia ir para outro lugar e que eu ria assumir a responsabilidade. Quando fui para a cozinha almoçar, ele me atacou e começou a me estuprar. Ele estourou o botão da minha calça jeans e tirou meu uniforme”, disse a vítima que na ocasião estava vestindo duas calças.

“Eu chorei muito, estava muito machucada. Ele ficou o tempo todo me ameaçando, dizendo que tinha amigos bandidos”, disse. Fátima chegou a ligar para o supervisor do setor, mas como era sábado, estava de folga e pediu para parar de perturbálo, pois estava descansando. Fátima então ligou para outra colega de trabalho que chamou a polícia.

Após cometer o crime, o abusador correu para um bar. Segundo a vítima, o agressor tomou bebida alcoólica para alegar que, no momento do crime, não sabia o que estava fazendo. Mas a polícia chegou antes que ele ficasse em estado de embriaguez. O abusador é casado e tem uma filha.

Fátima chora todos os dias, se assusta com facilidade, não voltou ao trabalho e conta com o apoio da família para que consiga superar essa fase. A vítima acha que o homem não será preso. “Isso acabou comigo, acabou com a minha vida. Fico dentro de casa trancada. Ele está solto. Quem está presa sou eu”.

Fátima seguirá em frente com a denúncia e quer justiça. Para ela, todas as mulheres na mesma situação devem denunciar, devem registrar boletim de ocorrência e buscar a justiça. Isso deve ser feito na primeira ameaça antes que o pior aconteça. “Eu vou adiante. Chega! Chega de ser ameaçada. O que eu estou passando, não desejo para ninguém”, finalizou.

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