Denúncias contra o trabalho infantil aumentam em 40%

Ao levar seu veículo ao lava rápido, provavelmente será um adolescente que executará o trabalho. Numa caminhada pelo calçadão da 13 de Maio, certamente um menor de idade oferecerá propagandas de lanchonetes ou restaurantes para almoço. Sem falar nos semáforos, onde em qualquer cruzamento de vias movimentadas da cidade é possível se deparar com a cena de crianças trabalhando com a venda de balas ou até em situação de mendicância.

O enfrentamento ao trabalho infantil em Campinas merece atenção — e não é de hoje. O número de denúncias envolvendo o trabalho infantil cresceu 40% no ano passado. De janeiro a setembro, os dados do Sistema de Notificação de Violência (Sisnov) apontaram para o registro de 66 ocorrências, cerca de sete a cada mês. No mesmo período do ano anterior, houve 47 ocorrências.

Representantes do Conselho Tutelar creditam o aumento dos casos que, segundo eles são subnotificados, à crise econômica causada pela pandemia da covid-19, que levou aos trabalhos informais em que os empregadores buscam mão de obra barata, ou seja, crianças.

Para os conselheiros, o enfrentamento ao trabalho infantil deve passar também pelo fortalecimento das políticas públicas de apoio a situações de vulnerabilidade de todos os membros da família.

Acabar com essa realidade em uma cidade como Campinas, que tem o 10º maior Produto Interno Bruto (PIB) entre todos os municípios brasileiros e está em 2º lugar no PIB per capita, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é um desafio.

Depois de lançar uma cartilha para o Enfrentamento ao Trabalho Infantil no final de 2021, o prefeito Dário Saadi (Republicanos) assinou na manhã de ontem um decreto municipal que institui o Comitê Municipal Intersetorial de Prevenção e de Erradicação do Trabalho Infantil de Campinas.

Segundo o prefeito, Campinas tem indicadores de prosperidade e não pode conviver com o trabalho infantil. "Não podemos deixar de ter políticas públicas de enfrentamento ao trabalho infantil", afirmou Dário. Segundo a Prefeitura, o objetivo do comitê inclui garantir os direitos das crianças e adolescentes, nos termos da Constituição Federal e demais legislações pertinentes, além de enfrentar o fenômeno de naturalização do trabalho infantil, promover o fortalecimento das relações familiares e comunitárias e a garantia do trabalho protegido e decente ao adolescente trabalhador.

Comitê

O comitê será composto por sete secretarias municipais de governo: de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos, de Saúde, de Cultura, de Esporte e Lazer, de Trabalho e Renda, de Comunicação e a de Segurança Pública.

O trabalho de monitoramento do trabalho infantil no município é desenvolvido por meio de uma Organização da Sociedade Civil (OSC), o Movimento Vida Melhor (MVM), que tem convênio com a Secretaria Municipal de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos de Campinas.

Nos dados da Administração, de novembro a dezembro de 2021, apresentados durante o anúncio do decreto, 3.739 crianças e adolescentes foram abordados em situação de trabalho infantil ou vulnerabilidade social na cidade. Segundo os dados do MVM, compilados em dez anos de atividade, 62% dos casos envolveram crianças de até 11 anos e 11 meses, e 32% adolescentes de 12 a 18 anos.

A maioria dos casos identificados como trabalho infantil é de crianças e adolescentes vendendo nos semáforos e nas ruas. Nessa situação, concentrou-se 32,81% do total. Em, seguida, foi constatada a panfletagem, com 26,71% dos casos. E a mendicância corresponde a 14,25%. O restante se divide em trabalho em reciclagem, lava-rápido, guardador de carros, limpeza de lápides, entre outros.

Para a secretária municipal de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos de Campinas, Vandecleya Moro, a criação do comitê reforça o trabalho de base mantido junto com a sociedade civil. "A Prefeitura vem se empenhando para superar o problema, e a criação desse comitê em muito vai colaborar para uma política pública sustentável e com parcerias", acredita.

Segundo informações divulgadas pela Prefeitura, poderão ainda ser convidados a compor o comitê, por meio de ofício, representantes dos demais órgãos e instituições que integram o sistema de garantia de direitos. Entre eles, organizações da sociedade civil, conselhos tutelares, órgãos do sistema de Justiça estadual e federal, universidades e outras instituições que possuam relação com o tema, como a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.

Ministério Público

Em Campinas, de 2018 a 2021, o Ministério Público do Trabalho recebeu 125 denúncias de exploração do trabalho infantil. No mesmo período, foram ajuizadas 41 ações civis públicas sobre o tema e firmados 32 termos de ajuste de conduta.

A procuradora Carolina Marzola Hirata, do MPT, que é também coordenadora regional da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente, reforça que a exploração do trabalho de crianças e adolescentes é uma prática ilegal, e os empregadores de mão de obra infantil estão sujeitos ao pagamento de multas e indenizações, caso sejam flagrados explorando o trabalho de crianças e adolescentes, em especial se as atividades exercidas pelas pessoas menores de 18 anos estiverem elencadas entre as piores formas de trabalho infantil pelo decreto federal nº 6.481.

"A exploração do trabalho de crianças e adolescentes tem potencial para trazer prejuízos para a formação física, psíquica e social das vítimas. A infância deve ser preservada em sua integralidade, por isso a necessidade de se criar políticas públicas para o enfrentamento do trabalho infantil, com a união das instituições de proteção para reprimir e prevenir as ocorrências", explica.