REVOLTA E INDIGNAÇÃO

Denúncia de assédio sexual envolve outro líder espiritual em Campinas

Religioso é acusado de abusos por integrantes de denominações de matrizes africanas e coletivos de mulheres; suspeito já foi afastado de suas funções

Rodrigo Piomonte
15/07/2022 às 09:10.
Atualizado em 15/07/2022 às 09:47
Policiais em frente à sede da Associação Espiritual de Umbanda Pai Tajubim, da qual o acusado é diretor (Ricardo Lima)

Policiais em frente à sede da Associação Espiritual de Umbanda Pai Tajubim, da qual o acusado é diretor (Ricardo Lima)

A Polícia Civil, por meio da 1ª Delegacia de Defesa da Mulher de Campinas, e o Ministério Público investigam um caso de assédio e violência sexual envolvendo um líder espiritual que atua na cidade. O religioso é diretor espiritual da Associação Espiritual de Umbanda Pai Tajubim (AEUPT). Domingos Forchezatto está sob a condição de suspeito de abusos praticados contra mulheres que frequentam a casa de oração.

Segundo a Polícia Civil, o caso corre sob sigilo. Mas informações da comunidade que representa as religiões de matrizes africanas tradicionais na cidade dão conta de que pelo menos quatro supostas vítimas teriam representado a denúncia contra o líder espiritual. O religioso já foi inclusive afastado de suas funções tão logo os fatos chegaram ao conhecimento dos demais religiosos da instituição a cerca de um mês. O caso tem movimentado as últimas semanas a comunidade participante de terreiros e gerado indignação entre representantes de entidades ligadas à Umbanda, outras religiões de matrizes africanas e coletivos de mulheres.

Em Campinas, este é o segundo episódio de assédio sexual contra mulheres envolvendo líderes religiosos. Em março, a Polícia Civil prendeu o terapeuta holístico André Corrêa Lanzoni, de 43 anos. Ele se apresentava como líder espiritual e foi preso por praticar uma série de crimes sexuais no distrito de Sousas. Nos depoimentos, os relatos são de abuso, tortura psicológica e também de uma possível extorsão. Segundo a polícia, ele abusou sexualmente de pelo menos 20 vítimas na clínica onde ofereceu o tratamento por dez anos. Ele é formado em matemática e física e já deu aulas em colégios renomados da cidade.

No episódio envolvendo Domingos Forchezatto, as denúncias partiram de duas advogadas constituídas como representantes das quatro supostas vítimas. As advogadas são ligadas a coletivos femininos de Campinas, e cobram medidas investigativas das instituições envolvidas no caso.

Conforme informações das comunidades religiosas, as vítimas do assédio relataram que os episódios envolvendo Domingos incluíam situações em que o líder religioso exigia que as mulheres tirassem as roupas para dar sequência aos "atos religiosos". As denúncias começaram a vir à tona no mês passado. O Correio Popular tentou contato com as autoras das denúncias, mas não teve retorno até o fechamento da edição. A reportagem também não conseguiu contato com a defesa do suspeito, que segue em liberdade e sob investigação.

O fato repercutiu dentro das comunidades religiosas tradicionais de matrizes africanas que informaram repudiar veementemente os atos. A Associação Espiritual de Umbanda Pai Tajubim (AEUPT), de Campinas, informou em nota que Domingos Forchezatto já foi afastado de suas funções desde o último dia 29, quando as denúncias vieram à tona. 

A nota diz também que o líder espiritual permanecerá afastado até a devida apuração dos fatos pelas autoridades competentes e que os trabalhos já estão sendo conduzidos por outra religiosa da entidade, Maria Elidia dos Santos, a Mãe Pequena. Semanalmente, cerca de 500 pessoas são atendidas espiritualmente no terreiro, que possui perto de 300 médiuns e atende em uma sede na Vila Nogueira, na região do bairro Taquaral.

Também em nota divulgada nas redes sociais, a Associação dos Religiosos de Matriz Africana de Campinas e Região (Armac) informa que o Conselho de Religiosos da instituição manifesta indignação e repudia a cultura do machismo presente na sociedade brasileira, bem como qualquer atitude da prática de crime de assédio sexual. Na nota, a entidade ressalta que "a instituição deve enfrentar a apuração dos fatos com transparência de ações sem se descuidar das garantias do devido processo legal."

A nota diz ainda que a instituição recebeu nesta semana outras denúncias de assédio sexual. "Muitas vezes as mulheres não denunciam, por medo e pela magnitude sexual imposta por homens que são líderes/dirigentes espirituais; o medo as impede de utilizar os canais de atendimento com procedimentos estabelecidos para casos de violência sexual."

A instituição informa também que coloca toda a sua diretoria à disposição para todo apoio necessário, tanto no que se refere ao incentivo a novas denúncias, como para o apoio psicológico e de garantias de direitos respeitados. "Reiteramos nossa luta por respeito às mulheres, seja no trabalho ou em todos os lugares em que ela quiser estar, direito de ir e vir e pelo bem viver, saudáveis e seguros, pelo fim da violência contra a mulher e a devida punição para aqueles que violam a integridade física, sexual e moral das mulheres. Basta! Não irão nos calar! Mexeu com uma mexeu com todas!", diz trecho da nota.

A advogada Thais Cresmasco, membro do coletivo "Mulheres Pela Justiça", cobra que o caso seja investigado a fundo pela polícia. "É mais um caso que precisa ser investigado com rigor. Espero que a sociedade não desmereça por conta dessa atitude isolada toda a luta, respeito e importância que tem as religiões de matrizes africanas", disse.

Segundo ela, quando uma mulher denuncia, ela fala em nome de uma série de outras mulheres que também foram violentadas e não tiveram coragem de denunciar. "Isso evita que outras mulheres sejam violentadas dentro desse tipo de conduta", disse.

Para a advogada, esse tipo de episódio acontecendo em qualquer religião é motivo de muita tristeza. "A gente sabe que uma mulher que procura um líder espiritual, ela procura pura e justamente para curar algum tipo de aflição. Então é muito triste saber que essas pessoas se aproveitam da vulnerabilidade das mulheres para esse tipo de violência. Mas por outro lado, saber que as mulheres não se calam e que haverá uma investigação é um passo importante", disse.

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