Foi a 1ª visita inclusiva, com 12 pessoas do Centro Louis Braille
Pessoas com deficiência visual do Centro Louis Braille experimentam texturas e aromas das árvores e os sons dos pássaros na Mata de Santa Genebra (Divulgação)
A Mata Santa Genebra recebeu, pela primeira vez, a visita de um público diferente: 12 pessoas com deficiência visual do Centro Cultural Louis Braille de Campinas. Eles participaram de um passeio para conhecer esse remanescente da Mata Atlântica, no Distrito de Barão Geraldo, entrando em contato com a fauna e flora que predominaram na região séculos atrás. “Há muito tempo que queria conhecer a mata e agora surgiu a oportunidade. Foi gratificante porque aprendemos muito”, diz Romilda de Oliveira Aredes, que já perdeu 95% da visão por causa da degeneração da retina.
O sucesso do evento levou a Fundação José Pedro de Oliveira (FJPO), gestora da Mata de Santa Genebra, a efetivar o passeio inclusivo e até criar uma versão noturna, que logo deverá ser colocada em prática. “À noite, são outros animais, outros sons”, afirma o presidente da autarquia, Aparecido Sousa Santos, o Cidão Santos.
O passeio para pessoas com deficiência visual é uma ampliação do programa de atividades realizadas pela reserva ambiental, que envolvem pesquisas, gestão da área protegida, conservação da biodiversidade, visitas, manutenção de um centro de educação ambiental e outras. Somente de escolas públicas e privadas, cerca de 7 mil alunos deverão passar pelo local este ano.
O passeio inclusivo durou cerca de 1h30, percorrendo da trilha do jatobá até o borboletário, onde vivem 42 espécies, uma pequena amostra das 700 já identificadas no local. “Foi legal porque pudemos pegar as lagartas vivas nas mãos. Elas não fazem nenhum mal”, destaca Rafael Bernardo dos Santos, que é totalmente cego. “Nós aprendemos que cada espécie se alimenta de folhas diferentes, e também conhecemos a abelha sem ferrão”, acrescenta Romilda.
“As borboletas possuem um papel fundamental no ecossistema, pois são alimento de uma grande variedade de animais, desde outros insetos até mamíferos e aves”, explica o biólogo Thomaz Barrella. “Elas também funcionam como indicadores biológicos, pois são muito sensíveis às alterações ambientais. Se aumentam muito ou diminuem muito, é sinal de que algo não está bem, como temperaturas fora do normal, umidade baixa, muito ou pouca quantidade de chuvas e poluição”, ressalta.
Marcos, com 20% da visão, e Rafael, que é totalmente cego, participaram da visita e desenvolvem atividades no Centro (Rodrigo Zanotto)
Toque
“Foi muito bom porque pudemos tocar nos animais empalhados, perceber como são suas pelagens, olhos e dentes. Eu já havia ido ao zoológico, mas é totalmente diferente você ficar distante ou poder tocálos’, afirma Marcos Paulo Dourado Salvadeo, que tem 20% da visão e também participou do passeio.
Na Mata Santa Genebra, os deficientes visuais puderam ter contato com animais como a jaguatirica e onça, felinos que já predominaram na região e ainda são encontrados no local, mas estão na lista vermelha da fauna ameaçada do Estado de São Paulo.
O passeio proporcionou uma experiência sensorial que permitiu explorar os sons, cheiros e texturas por meio de outros sentidos, ressaltando características que ficam mais latentes para quem não conta com a visão normal. Os deficientes visuais tiveram a oportunidade de conhecer a palmeira-juçara e a ocotea odorífera, também conhecida como canela-sassafrás, que estão em risco de extinção no País e fazem parte das aproximadamente 660 espécies da flora desse resquício da Mata Atlântica.
Outra atividade foi o abraço a um jatobá que tem 250 anos, árvore que nasceu praticamente na mesma época que Campinas foi fundada. “Foram necessárias seis pessoas para abraçála”, recorda a assistente social Fernanda Gisele de Oliveira, do Centro Louis Braille, que acompanhou o passeio. Em outra atividade, os participantes foram convidados a permanecer em silêncio para ouvir o som das aves, identificando, entre elas, o pica-pau.
A visita foi uma oportunidade para essas pessoas com deficiência visual terem contato com a questão ambiental e ampliarem o trabalho de integração social. “Faz parte da nossa missão fazer com que tenham contato com outras pessoas fora de nossos muros, incentivar a integração e fazer com que tenham independência”, afirma o diretor técnico do Instituto, Benedito João Bertola, há 38 anos atuando na entidade, que hoje tem 54 matriculados.
Até o próximo mês, o Centro Cultural Louis Braille terá uma extensa agenda com os inscritos, a começar por um passeio que será realizado hoje no jardim sensorial das Centrais de Abastecimento de Campinas S.A. (Ceasa), passando por uma visita a um parque aquático da região e participação na Feira PCD (Pessoa com Deficiência), na Estação Cultura. “Eles são incentivados a terem várias atividades”, afirma a psicóloga da entidade, Wildes dos Santos Assis, como “O que você tem nas mãos”, exposição com várias artes feitas pelos frequentadores do Instituto.
Reserva ambiental
A Área de Relevante Interesse Ecológico Mata de Santa Genebra (Arie MSG) ocupa 251,77 hectares, totalizando um perímetro de 9 quilômetros, e é a maior floresta urbana remanescente da Mata Atlântica do Estado de São Paulo e uma das maiores do País. A vegetação é classificada como floresta estacional semidecidual, aquela que transita entre a zona úmida costeira e o ambiente semiárido. É um importante refúgio para a fauna nativa da região. Já foram identificadas na reserva 329 espécies de vertebrados, sendo 17 anfíbios, 38 répteis, 220 aves, 51 mamíferos e três peixes.
Desde 2013, na Mata Santa Genebra, foram registradas três ninhadas de onça-parda, com um total de quatro filhotes. Entre outros animais ameaçados do Estado de São Paulo, são encontrados lá o gato-do-matopequeno (Leopardus guttulus) e o bugio-ruivo (Allouata guariba clamitans).
A Fundação José Pedro de Oliveira faz o monitoramento da fauna por meio de métodos diretos de observação e indiretos, como armadilhas fotográficas, pegadas e fezes. Isso permite acompanhar o fluxo dos animais na unidade de conservação e as variações sazonais que ocorrem.
No final de 2019, as armadilhas identificaram a presença de um veado-catingueiro (Mazama guazoubira), espécie considerada extinta no local há mais de 30 anos. Trata-se de um cervo de pequeno porte, pesando em torno de 18 kg, com altura média de 50 a 65 cm.
Uma das características marcantes da mata é que se encontra em uma transição do meio urbano com o rural. Por conta disso, as visitas ao local são controladas, muitas vezes exigindo agendamento, por causa do risco de contato das pessoas com os animais selvagens, além de evitar o estresse e a fuga dos animais, inclusive com risco de acidentes. “Aqui é a casa deles”, diz Cidão Santos.
A fundação realiza campanhas de conscientização da população residente no entorno sobre como proceder em caso de encontro com animais silvestres, quais espécies são mais comumente achadas no meio urbano, as consequências negativas de alimentá-los e a posse responsável dos animais domésticos. A MSG tem várias trilhas, divididas basicamente em dois tipos, que permitem ver madeiras nobres, como o jatobá, jequitibá e peroba.
A primeira, com até 3 quilômetros de extensão, é voltada para o público em geral. Já as maiores, de até 7 quilômetros, são para trabalhos de pesquisa científica, o que exige a obtenção de autorização. Ao longo do ano, são feitos vários eventos específicos no local, como a visita aberta para fotógrafos. A gestão da Aire é compartilhada entre o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Fundação José Pedro de Oliveira, órgão da administração indireta da Prefeitura de Campinas.
A área da mata pertenceu no passado à Fazenda Santa Genebra que, no final do XIX, era considerada modelo na produção de café para a província. Na época, ela pertencia ao Barão Geraldo de Resende. No início do século XX, passou para as mãos de José Pedro de Oliveira. A reserva ambiental foi criada em 1981, quando a mata foi doada a Prefeitura por Jandyra Pamplona de Oliveira, viúva do proprietário.
Uma das curiosidades que envolve a transferência é que a doação envolve a “sombra da mata”, ou seja, ela ficará com a Administração Municipal enquanto a floresta estiver de pé. Se por qualquer motivo a mata desparecer, voltará para as mãos da família Oliveira.