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Decreto das armas divide opiniões em Campinas

O decreto que flexibiliza a posse de armas de fogo no Brasil, assinado anteontem pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), divide opiniões em Campinas

Daniel de Camargo
17/01/2019 às 07:46.
Atualizado em 05/04/2022 às 11:28

O decreto que flexibiliza a posse de armas de fogo no Brasil, assinado anteontem pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), divide opiniões em Campinas. A medida cumpre uma das principais promessas de campanha do ex-deputado federal e visa assegurar o direito legítimo à defesa. As mudanças implementadas pelo novo texto geraram, conforme esperado, pontos de vista divergentes entre a população, autoridades e especialistas. Jonas Donizette, prefeito de Campinas e presidente da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), por exemplo, diz que não há um consenso entre os chefes de Executivo filiados à entidade. Jonas, entretanto, admite que existem preocupações em comum, principalmente em relação a um possível aumento no número de acidentes domésticos envolvendo armas de fogo. Oswaldo do Amaral, cientista político da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), analisa que Bolsonaro fez bem em assinar o decreto do ponto de vista político. Em sua concepção, ele mandou uma mensagem clara de que pretende honrar as propostas que o elegeram. Porém, Amaral entende que as mudanças realizadas não terão efeito prático, ou seja, não haverá melhora na Segurança Pública. José Henrique Ventura, delegado seccional do Departamento de Polícia Judiciária de São Paulo Interior 2 (Deinter-2) com sede em Campinas, enfatiza que o decreto flexibiliza a posse e não o porte de armas e, por isso, terá efeito positivo. Para o vereador Marcos Bernardelli (PSDB), presidente da Câmara Municipal de Campinas, o decreto divide opiniões porque tem pontos positivos e negativos. Como não analisou mais profundamente o documento, o parlamentar preferiu não opinar. Procurado pelo Correio, o advogado Daniel Blikstein, presidente da subseção de Campinas, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), informou que não poderia atender a reportagem devido a um imprevisto. Guilherme Campos, presidente da Associação Comercial de Campinas (Acic), por sua vez, afirma que a instituição não se posicionará a respeito por se tratar de uma escolha de fórum íntimo de cada indivíduo. Ao contrário de algumas autoridades e especialistas, o cidadão comum tinha a resposta na ponta da língua. Adriano Lima de Souza, vendedor de 23 anos, trabalha há dois anos em uma banca que comercializa acessórios para celulares na Praça Rui Barbosa, no Centro. O jovem admite o risco de ser assaltado e opta por não ter armas de fogo. “Eu prefiro confiar nas forças policiais, que têm por competência nos proteger”, afirma. Souza demonstrou medo com a possibilidade de as pessoas saírem às ruas armadas, não respeitando as regras impostas. “Uma briga de trânsito, que é normal, pode terminar em tragédia”, cogita. Já a supervisora de vendas, Ellen Grace, de 40 anos, que já foi vítima de assaltos e até de sequestro, é favorável ao decreto, desde que o controle por parte dos órgãos reguladores seja realmente efetivo. “A medida é para quem tem família e crê que pode lidar com isso (ter uma arma dentro de casa) de forma estruturada — psicologicamente e sistematicamente”, disse. O militar Guilherme Henrique Ferreira Luna, de 20 anos, analisa que a medida pode inibir algumas práticas criminosas. O rapaz contextualiza ainda que pessoas que residem em cidades com problemas mais graves de segurança pública serão favorecidas. “Já estive a trabalho no Rio de Janeiro. Lá transitam com fuzis nas mãos. Não tem como o cidadão se sentir seguro em alguns lugares do Brasil”, afirmou. Ilegalidade A Defensoria Pública do Estado de São Paulo pretende formular uma representação ao Ministério Público Federal (MPF) por entender o novo decreto como ilegal. “O decreto padece de ilegalidade pois, na prática, revoga um dos requisitos obrigatórios do Estatuto do Desarmamento para a aquisição de armas”, avaliam os defensores Rafael Lessa, Davi Quintanilha e Daniela Trettel, que atuam no Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria paulista. Os defensores destacam que um decreto do Executivo não pode contrariar legislação aprovada pelo Congresso Nacional. Eles avaliam também que a facilitação do acesso às armas de fogo coloca em risco o direito à segurança pessoal dos cidadãos. Dona de loja comemora a medida “Ninguém entra em uma loja de armas pensando em matar”, afirma Silvana Tavares, para quem o tiro esportivo é uma paixão antiga. O Brasil marcou em 2017 o recorde de 63.880 homicídios, e as armas, agora mais acessíveis ao público, esquentam o clima dos debates. O presidente Jair Bolsonaro assinou na terça-feira um decreto que flexibiliza a posse de armas e coloca a questão no centro das atenções, com brasileiros divididos. No Centro de São Paulo, Vera Ratti, dona de uma loja de armas com fachada estreita e discreta, comemora a medida. “O homem desde que é homem se defende”, diz. A loja, que vende outros itens de defesa pessoal, como spray de pimenta e facas, tem um pequeno clube de tiro com três estandes nos fundos e recebe principalmente homens ligados à área de segurança. Há também atletas, médicos e advogados. Para Vera, o decreto vai diminuir a violência porque “o bandido busca algo fácil, sabendo que não vai encontrar resistência. Inibirá o criminoso saber que em uma casa, em um estabelecimento comercial, as pessoas podem estar armadas e têm o direito de se defender”, opina. Terceira classificada no campeonato estadual de tiro, Silvana Tavares concorda e diz que nunca empunhou uma arma contra alguém, nem se vê matando uma pessoa. Tê-la em casa, no entanto, é um direito ao qual não renuncia. A assinatura do decreto não gerou um impacto imediato na loja, além da chegada consecutiva de várias equipes de jornalistas. Vera explica que o comércio de armas não é diferente do de outro item, e também acompanha as oscilações econômicas brasileiras. Acredita que o setor vai melhorar, mas não pelo decreto, mas pelas políticas econômicas do governo que tomou posse em 1º de janeiro e que, em sua opinião, “mostra sinais de progresso em todos os aspectos”. Para Felippe Angeli, assessor do Instituto Sou da Paz, o decreto vai fazer aumentar a circulação de armas, “o que tudo indica que terá um impacto negativo no aumento da violência letal”. Restrições Luis, de 50 anos, pratica pontaria no clube de tiro da loja de armas. Ele usa sua própria pistola porque trabalha na área de segurança e tem o direito de porte. Descarrega entre 100 e 200 balas calibre 380 com parcimônia, cinco tiros a cada vez. Corpulento, quase não se meche a cada disparo, de ruído seco, que ressoa na sala.Segundo Luis, as armas “não são para qualquer um”. Do lado financeiro, é impossível comprar um exemplar no mercado legal com menos de quatro salários mínimos, o que quadruplica a renda de metade dos trabalhadores brasileiros. A isso se soma o curso e a documentação, além do tempo para finalizar a burocracia que pode consumir, no mínimo, 30 dias úteis. As metáforas são muitas quando se fala de armas. Para Edson, um motorista de táxi de 36 anos, são “o chicote do diabo”. “O Brasil teria que se focar na educação. Estamos tão atrasados que, se o governo focar nisso hoje, daqui a trinta anos ainda estaríamos no buraco”, afirma. Bolsonaro promete mais mudanças pelo Twitter Após assinar o decreto que facilita a posse de armas no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro prometeu discutir mais mudanças e citou a possibilidade de flexibilizar também o porte e reduzir a idade mínima, que hoje é de 25 anos, para que um cidadão possa comprar uma arma. Pelo Twitter, Bolsonaro afirmou que vai conversar com ministros após retornar do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, na semana que vem, para “evoluir” em pontos do decreto e avaliar mudanças que cabem ao Congresso Nacional. “Após voltarmos de Davos, continuaremos conversando com os ministros, para que juntos, evoluamos nos anseios dos CACs (concessões de registro) colecionador, atirador, desportista ou caçador, porte, monopólio e variações sobre o assunto, além de modificações pertinentes ao Congresso, como redução da idade mínima! O trabalho não pode parar!”, escreveu Bolsonaro no Twitter, na noite de terça-feira. Depois que Bolsonaro editou o decreto, ativistas pró-armas e integrantes da bancada da bala no Congresso viram avanços com a medida, mas evitaram comemoração, pedindo mudanças mais substanciais no Estatuto do Desarmamento. O líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (PSL-GO), disse defender que o governo debata a quebra do “monopólio” da Taurus, principal fabricante de armas no País. Outras questões, como idade mínima e flexibilização do porte — autorização para o cidadão andar com arma — também foram cobradas. Na Câmara, uma nova redação para a lei que trata do armamento propõe reduzir de 25 para 21 anos a idade mínima permitida para a compra de armas no País.

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