ENTREVISTA

Decano defende ciência mais perto da sociedade

Cientista vê crise na pós-graduação e considera vestibular ?injusto?

Rogério Verzignasse
bau@rac.com.br
19/08/2018 às 09:34.
Atualizado em 22/04/2022 às 15:26

Ripper Filho prega a transformação do sistema universitário (Matheus Pereira/ Especial para a AAN)

Engenheiro eletrônico de formação, José Ellis Ripper Filho construiu uma carreira sólida na ciência e na tecnologia. O cidadão, de 79 anos, que hoje integra o conselho científico do Centro de Tecnologia de Informática Renato Archer (CTI), no começo dos anos 70 ajudou a fazer do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) um polo respeitadíssimo de produção de pesquisa. De lá, brotaram parte dos projetos que alavancaram a indústria e transformaram Campinas em referência no segmento. Ripper teve atuação singular no desenvolvimento das transmissões via fibra óptica. Para o instituto, ele levou a experiência adquirida como pesquisador de centros de excelência como o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e os Laboratórios Bell (Bell Labs), nos Estados Unidos. Por aqui, ele conseguiu o respeito que o levou a ocupar uma cadeira no Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia por duas oportunidades, a convite dos presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e Lula (PT). Mas sem vínculo político algum, ele fez da própria autonomia um predicado para se fazer ouvir por toda a comunidade científica. E, graças a essa autonomia, ele tem autoridade para fazer críticas severas à estrutura universitária brasileira dos nossos dias. Ele considera o concurso vestibular injusto, e dispara contra a própria pós-graduação, que toma tempo, custa caro, e não dá à sociedade civil o retorno esperado. Confira os principais trechos da entrevista concedida com exclusividade pelo cientista ao Correio Popular: Correio Popular: Professor, o senhor construiu uma carreira respeitada dentro da Unicamp. Que memórias guarda da época em que a ciência e a tecnologia engatinhavam no campus? O senhor, que já tinha a experiência da pesquisa em laboratórios americanos, teve por aqui o apoio e os recursos necessários para a implementação dos projetos? José Ellis Ripper Filho: Eu fazia parte de um grupo forte. Instituímos núcleos de pesquisa enormes. Mas não foi fácil. Eu assumi a direção do instituto em 1973. Mas deixei de ser só um pesquisador. Virei um administrador. Passei a correr atrás de recursos para financiar os projetos. Mas já faltavam recursos naquela época? A inauguração da Unicamp não representava uma novidade, não atraía investimentos? Sempre foi difícil. E sempre foi assim no mundo todo. Até nos Estados Unidos, um professor universitário toma metade de sua carreira fazendo projetos. No Brasil, a universidade pública sempre precisou do idealismo. Felizmente, a Unicamp teve, no começo, comando forte. O Zeferino Vaz olhava aquele descampado e já via a universidade funcionando. Ele era diferente dos reitores atuais? O que Zeferino tinha de tão especial? Eram outros tempos. E o reitor era firme. Eu, como diretor, tinha uma única vantagem: falar com ele. Mas o homem lia tudo o que caía nas mãos. Tudo, tudo, tudo. Ele nos colocava na defensiva. Queria ter certeza da importância do projeto. Ele decidia, e ponto final. Autoristarismo, talvez. Mas não existia esse “democratismo” de hoje em dia, quando os reitores são pressionados, e acabam forçados a tomar decisões que não são interessantes para a universidade. Hoje existe muita influência política. Como assim? Veja o concurso vestibular. É injusto. Efetivamente não aprovamos os candidatos com mais potencial. As vagas acabam ficando para beneficiados de programas políticos. Hoje, o aluno que vem da escola pública, por exemplo, já ganha pontos que o colocam à frente de muitos concorrentes. Quem vem da escola privada também aprende, no cursinho, a passar no exame. Não passa na prova quem é melhor de fato. O desafio atual é desenvolver um sistema justo de seleção. Hoje nenhum exame é justo. Mas a universidade piorou desde o seu tempo? A Unicamp progrediu muito. O sistema cresceu muito. Levou à universidade gente de nível médio muito mais alto. E passou a produzir mais. A Unicamp tem, por exemplo, a maior produção de patentes no Brasil. Mas e daí? Há muito a ser feito. É preciso aproximar a produção intelectual do que é útil para a população. Se formamos médicos, é pra trabalhar no SUS. É preciso, por exemplo, acabar com essa cultura de impor doutorado. Pra quê? Não vale a pena. O cidadão é obrigado a passar anos pesquisando o efeito da pulga na formiga para defender uma tese e fazer parte da comunidade acadêmica. Não é isso que a sociedade precisa. Mas o doutorado é uma referência… Sim, mas a pós-graduação está em crise. E não é só no Brasil. É no mundo todo. Hoje, por aqui, o sujeito vira doutor e não arruma emprego. Detalhe: a formação do doutor não é gratuita. Ela é paga com o dinheiro dos impostos. E é cara. As ciências precisam estar integradas ao mercado. Temos de formar mão de obra útil ao que a sociedade espera dos especialistas. É a questão política. Deve existir uma transformação do sistema. Mas, no caso da universidade pública, é impossível não existir a influência política… Eu posso contribuir muito com a ciência e tecnologia, sem me envolver com política. Só minha mulher sabe em quem eu voto. Não quero saber de política partidária. A única vez que gravei um programa apoiando um candidato foi com o Magalhães Teixeira. Porque ele era meu vizinho, meu amigo, tinha um discurso a favor do nosso polo de tecnologia. Eu confiava nele. Mas o programa nem foi ao ar. Ainda bem. O pesquisador precisa se manter afastado de política. Mas o senhor foi indicado para um cargo de direção na Unicamp. Também integrou o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia… Houve a indicação política... Exato. Fui do conselho por indicação do FHC e do Lula. Também integrei conselho na Unicamp. Mas vi que, sem postura partidária, minha opinião ficava mais forte. Viram que eu não estava lá para defender um grupo ou outro, mas sim para representar o interesse da comunidade científica. Com autonomia, o cidadão ganha respeito. O que ele fala tem mais peso.

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