Arcebispo agradece o apoio de Campinas no período em que esteve à frente da arquidiocese
"A Arquidiocese de Campinas é o coração de uma região superpopulosa que é dinâmica, é um centro tecnológico de ponta. E, o mais importante, é habitada por uma gente que tem história, que tem esperança, que se oferece para trabalhar." (Cedoc/AAN)
D. Airton José dos Santos assumiu como arcebispo de Campinas em 2012, meses depois da morte do antecessor, d. Bruno Gamberini. Hoje, ele está de malas prontas. Por determinação do papa, e às vésperas de completar 62 anos, ele foi transferido para Mariana, sede da mais antiga diocese de Minas. Foram apenas seis anos por aqui. Mas, garante, o período foi intenso, deu frutos, e ele parte com a sensação de que viveu em Campinas por décadas. O arcebispo recebeu a reportagem do Correio Popular para uma entrevista exclusiva, na manhã da última sexta-feira. Ele elogiou demais a comunidade católica, que se engajou nas pastorais. Falou do número maior de vocações, vibrou com o aumento de paróquias da cidade. Se disse encantado com a força espiritual de uma cidade que, historicamente, enfrentou pragas, tragédias e escândalos, e nunca se abateu. Ele admitiu, sim, que não houve tempo para implementar ações sociais importantes, como a que previa o envolvimento de agentes pastorais no auxílio a moradores de rua. Também não avançou, como o esperado, um projeto pessoal seu, que engajaria católicos dos mais diversos segmentos profissionais no debate de propostas cidadãs. Mesmo assim, d. Airton não lamenta a mudança. Ele ressalta que o tempo dentro de uma diocese não é medido pelos dias, e sim pela intensidade das ações. Humilde, ele afirma que se esforçou para produzir o máximo, da melhor forma, durante os poucos anos que Deus lhe permitiu estar à frente da arquidiocese. Confira a seguir os trechos principais da entrevista de despedida concedida por d. Airton. Correio Popular: A passagem do arcebispo por Campinas foi rápida demais. E, todos sabemos, a comunidade se envolve com seus líderes religiosos. As pessoas não gostam de despedidas. Como o senhor recebeu a notícia da transferência? D. Airton: Na Igreja, existe um princípio básico. Os religiosos estão sempre à disposição da instituição. E as mudanças não seguem imposições políticas. As mudanças são naturais. O arcebispo Geraldo Lyrio Rocha, que estava em Mariana, completou 75 anos e, ainda em 2016, entregou o cargo. Ele seguiu uma norma da própria carreira religiosa. Ele precisava renunciar. Desde então, a Igreja se movimentou para apresentar ao papa nomes que poderiam substituí-lo. Nenhum bispo se apresenta a um cargo. A Nunciatura Apostólica e a Congregação dos Bispos chegam à terna (os três nomes disponibilizados para a escolha do papa). Se procura indicar alguém que passa se adequar rapidamente à arquidiocese, e que tenha experiência para seguir implementando os projetos locais. E Mariana? O senhor tem algum conhecimento sobre aquela arquidiocese? Mariana, pouca gente sabe, foi a diocese primaz de Minas. Foi criada em 1745. Todas as dioceses mineiras foram criadas a partir dela. Ainda hoje, Mariana tem sob sua jurisdição 79 municípios, que tomam 23 mil quilômetros quadrados de território. É um mundo! Terei a missão de assumir uma região com um imenso patrimônio histórico, cultural e humano. O senhor tem medo da mudança? É a mesma sensação de quando fui nomeado para Campinas. Até então, eu não conhecia Campinas. A única vez que cruzei a cidade foi em 2003, quando participávamos de um retiro em Itaici. Saímos de ônibus, atravessamos a cidade e pegamos a D. Pedro em direção a Aparecida. E o senhor gostou da experiência por aqui? Demais. A Arquidiocese de Campinas é o coração de uma região superpopulosa que é dinâmica, é um centro tecnológico de ponta. E, o mais importante, é habitada por uma gente que tem história, que tem esperança, que se oferece para trabalhar. Foram seis anos apenas. Mas ganhei experiência. Campinas me deixou pronto para atuar em Mariana. E eu me identifiquei muito com a cidade. Quando cheguei, é como se eu estivesse aqui há décadas. Mas o senhor teve tempo para executar todos os seus projetos em Campinas? O tempo em uma igreja não é cronológico. É medido pela intensidade, pela qualidade. Estive aqui durante o tempo que Deus me concedeu para fazer o que era possível. Contribuí da melhor forma que pude. O curto período rendeu frutos? Muitos. Bons frutos Quando cheguei, tínhamos 89 paróquias. Inauguramos outras 16. O número de seminaristas subiu de 17 para 62. E são seminaristas perseverantes, atuantes. Desenvolvemos um trabalho lindo com as pastorais. Elas tiveram continuidade, foram ativas. Conversando com as lideranças, ouvindo cada padre, eu consegui me envolver com as comunidades. E os fiéis se engajavam, dentro de cada paróquia. Foi muito gratificante. Mas o d. Airton conseguiu executar todos os projetos que previa? Claro, alguns projetos não puderam ser implementados. O que mais me toca foi não conseguiu formar, por aqui, uma pastoral para trabalhar com o povo da rua. Hoje, a assistência depende de beneméritos que distribuem sopa, ou de grupos específicos como os religiosos da Toca de Assis. Mas meu sonho era promover uma ação maior, organizada, com agentes pastorais envolvidos. É um tema sério, que precisa fazer parte da cultura católica de atuação. Algo mais? Não consegui implementar, efetivamente, um projeto meu. Até conseguimos formar um grupo de médicos católicos. E uma associação com juristas católicos. Mas eu queria mais. Sonhava com os católicos reunidos dentro de cada ambiente profissional. Queria a sociedade civil envolvida ao redor do que prega a fé. Mais que isso. Queria os agentes católicos acompanhando o desempenho de nossos parlamentares. Não para cobrar, recriminar, criticar. Mas para sugerir, dialogar. Falando em políticos, como o senhor vê o momento político atual? Há escândalos, denúncias de corrupção, prisões, depoimentos. Qual a influência de tudo isso na vivência religiosa? O momento de fato é muito preocupante. Muito nervoso. As pessoas, sem responsabilidade alguma, postam mensagens infundadas em redes sociais, semeando o ódio, fazendo denúncias sem embasamento. Se criou um clima onde as pessoas fazem julgamento de valores. Comentam sobre o que não entendem, e sobre o que está longe de ser a realidade. A crise política é uma ameaça. Porque ela motiva a intolerância, a intransigência, o egoísmo. Faz o povo acreditar em máximas todas, como aquele que diz que a corrupção está no DNA do brasileiro, e que todos são corruptos. Não é verdade. Não podemos carregar rótulos. E como mudar a situação? Orar. Contar com o amparo de Deus. É como nos ensinou o papa Francisco: precisamos falar muito de Deus, pouco de nós mesmos, e nada dos semelhantes. Acontece que a sociedade está mesmo de ponta-cabeça. Não se fala nada de Deus, se fala muito de si mesmo, e se fala tudo sobre os semelhantes. Todos nós devemos ser livres, é claro. Mas liberdade representa a capacidade de escolher e assumir as consequências de cada escolha. A sociedade precisa despertar para a responsabilidade das ações. É preciso que se resgate o respeito a todos, independente de cargos e condição social. Qual é a Campinas que o d. Airton leva no coração? Campinas foi uma escola. O contato com a universidade, com o hospital, com o Colégio Pio XII. Todo vai me ajudar muito. Se eu tivesse ido de Mogi das Cruzes para Mariana sem passar por aqui teria muita dificuldades. Campinas me deu acesso a elementos que eu não tinha, a conhecimentos que eu não possuía. Me sinto preparado para assumir Mariana. Também devo dizer que passei a amar a cidade por sua gente e a sua história. Uma cidade que, lá atrás, enfrentou uma tragédia como a epidemia de febre amarela. E que recentemente enfrentou escândalos como aquele da época em que cheguei, quando diversos prefeitos se alternavam no comando do Executivo, em uma crise política enorme. E vi um povo de pé, forte, trabalhando, seguindo em frente, apesar de tudo. Campinas é uma cidade de ponta mesmo. Que levo no coração.