INCLUSÃO SOCIAL

Cursinhos populares mudam vida de jovens das periferias

Aprovação de alunos nos vestibulares vem crescendo ano a ano na região

Luis Eduardo de Sousa/luis.reis@rac.com.br
12/07/2024 às 07:28.
Atualizado em 12/07/2024 às 10:40

Diogo Valmor (à direita) é professor de ciências sociais e um dos precursores do Cursinho Flor de Maio, em Hortolândia; cerca de 2 mil alunos já passaram pelas salas de aula (Alessandro Torres)

Os cursinhos populares da Região Metropolitana de Campinas (RMC) estão formando uma ampla rede de preparação para que jovens em situação de vulnerabilidade possam ingressar em universidades públicas.

Nos últimos anos, a região tem visto um crescimento significativo dessas iniciativas. Em Campinas, por exemplo, existem mais de 15 unidades, geralmente localizadas na periferia e oferecendo ensino gratuito. Esses espaços proporcionam aos estudantes de áreas periféricas a oportunidade de superar as dificuldades financeiras, transpor barreiras e conquistar a aprovação no vestibular. Cinco dessas unidades contam com o apoio da Fundação Feac, que contribui com recursos para a permanência dos alunos.

A expansão dos cursinhos populares coincide com o aumento da participação de alunos de escolas públicas na graduação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Em 2024, 56,6% dos matriculados na universidade eram oriundos de escolas públicas, totalizando 1.787 ingressantes em um universo de 3.156 matrículas. Isso representa um aumento de 4,3 pontos percentuais em relação ao ano anterior, quando 1.776 estudantes de escolas públicas ingressaram na universidade em um universo de 3.395 ingressantes.

Segundo o sociólogo e professor da PUC-Campinas, Vitor Barletta Machado, os cursinhos populares preenchem lacunas deixadas pela precariedade da educação pública, que não oferece um repertório capaz de preparar o estudante para alcançar esferas mais avançadas de ensino, além da educação básica.

Uma dessas iniciativas, o Cursinho Flor de Maio, em Hortolândia, está prestes a completar dez anos de existência, mas enfrenta o risco de encerrar suas atividades. O cursinho funciona na sede de uma associação de moradores do Jardim Everest e oferece aulas das disciplinas cobradas pelos processos seletivos, algumas das quais não estão presentes no ensino público, como literatura. De acordo com a coordenação, cerca de 2 mil alunos já passaram pelas salas de aula, e estima-se que ao menos 600 deles tenham ingressado em renomadas universidades pelo vestibular.

As aulas são ministradas por estudantes de graduação ou pós-graduação da Unicamp, que dedicam parte do seu tempo para ajudar na preparação de moradores da cidade em situação de vulnerabilidade.

Com capacidade limitada a 70 beneficiados, as vagas são destinadas aos estudantes com menos recursos para estudar.

"A ideia do Flor nasceu no final de 2013, quando estudantes da Unicamp perceberam a necessidade de um cursinho popular em Hortolândia, que não contava com esse tipo de iniciativa", explica Diogo Valmor, professor de ciências sociais e um dos precursores do cursinho. Valmor é professor da rede estadual e doutorando em sociologia pela Unicamp.

Recentemente, o Flor de Maio foi incorporado como extensão da Unicamp, permanecendo como o único cursinho popular no município. "Observamos que somos, para muitos alunos, a única fonte de motivação para seguir com os estudos, se aprofundar e compreender que o ensino superior é possível e uma consequência de um processo mais amplo de formação de um senso crítico", ressalta Valmor.

Lucas Bueno, graduando em história e ex-aluno de um cursinho popular, hoje é professor no Flor de Maio. Ele reforça a importância da educação popular para ampliar os horizontes dos estudantes de baixa renda. "O cursinho popular, antes da própria aprovação, tem por objetivo mostrar ao estudante que estudar pode ser interessante. Queremos deixar o aluno confortável para questionar o professor em sala de aula, algo que muitas vezes não ocorre na escola pública. Diferentemente dos cursinhos particulares, não queremos criar no aluno um senso de urgência que o deixe ansioso para ingressar na universidade a todo custo, mas sim compreender o que é o ensino superior e o que dele pode resultar", destaca Bueno.

Além das atividades preparatórias, que acontecem aos sábados, o projeto oferece alimentação e, em alguns casos, transporte para os alunos. No entanto, a coordenação teme pelo fim das atividades, pois a Prefeitura solicitou a desocupação do espaço pela associação responsável, apesar de uma seção da área ter sido deferida em uma gestão anterior. O Correio Popular procurou a administração municipal, mas não obteve resposta até a publicação.

UM NOVO OLHAR

O baiano Rony Peterson Oliveira dos Prazeres, 22 anos, encontrou no cursinho um apoio crucial para todas as fases de preparação para o vestibular. Aluno do projeto Mariele Franco, que funciona no Botafogo, ele recebeu ajuda financeira, logística e moral, além da própria preparação. Hoje, no 6º semestre do curso de letras, deseja voltar à sala de aula para ajudar outros alunos a realizar o mesmo sonho.

"O cursinho me ajudou a romper uma amarra psicológica, a desmotivação. Em dado momento da preparação, me questionei sobre ter condições de cursar o ensino superior, e o contato com o cursinho me mostrou que sim, é possível", conta.

Ainda no Nordeste, Oliveira conheceu o projeto Mariele e estudou remotamente durante a pandemia. No fim do ano, viajou para Campinas e prestou as duas fases do vestibular da Unicamp. "O pessoal me ajudou a procurar bolsas de permanência, me levou para fazer as provas, me buscou no aeroporto e me apresentou à cidade. Foi literalmente uma rede de apoio ampla, muito além da relação professor/ aluno em sala de aula", relembra o jovem, que é o primeiro da família a ingressar no ensino superior.

Para o sociólogo Vitor Barletta Machado, essas iniciativas promovem uma reparação a deficiências antigas do ensino público. "A maioria das escolas públicas não promove um ensino voltado para o vestibular, como ocorre na rede particular. Soma-se isso à situação de muitas escolas, e fica evidenciada a importância dos cursinhos populares, que oferecem aos alunos meios de superar essas dificuldades. A educação pública carrega, ano após ano, velhos problemas. Passa- se muito tempo discutindo currículo, mas não se cobra a construção de condições para uma educação melhor", avalia.

"Muito se cobra do Ministério da Educação, mas pouco se olha para os municípios e governos estaduais, responsáveis pela educação básica. É preciso remunerar melhor os profissionais e prover estrutura digna de trabalho para que o próprio aluno possa perceber que aquele é o caminho para realizar seus sonhos", continua o sociólogo, ressaltando que a atual educação não motiva os estudantes.

Em Campinas, alguns dos cursinhos populares são: Herbert de Souza (Vila União), Proceu Conhecimento (Vila Santa Isabel), Dandara dos Palmares (São Marcos) e Mariele Franco. Na Unicamp, há o projeto Colmeias, que reúne vários cursinhos populares. A lista completa dos projetos pode ser acessada pelo site www.proec.unicamp. br/extensionandocolmeia.

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