Número de beneficiários dos planos na Região Metropolitana de Campinas começa a cair e o reflexo pode ser vistos na rede pública de saúde
Hospital Municipal Mário Gatti, em Campinas, recebe pacientes de toda a região e registrou aumento nos atendimentos no início deste ano (Cesar Rodrigues/ ANN)
A alta do desemprego e a crise econômica que afeta o País reduziram o número de beneficiários de planos de saúde na Região Metropolitana de Campinas (RMC), e o fenômeno já começa a sobrecarregar os postos de saúde e hospitais da rede pública. Segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em dezembro do ano passado a região tinha 1.453.223 clientes de planos médico-hospitalares, e em março deste ano esse número caiu para 1.453.098. A oscilação é pequena, porém é a primeira vez desde março 2009 que o número de beneficiários de planos de saúde tem redução no primeiro trimestre do ano. Por isso, cresceu a quantidade de pessoas que dependem da rede pública de saúde. A retração econômica também reflete na Educação e a busca por vagas em creches aumentou.“Esse resultado de desaceleração reflete a atual situação macroeconômica, em especial aumento do desemprego e redução do salário médio. Ainda assim, a relevância do setor para a economia brasileira continua expressiva”, justifica a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), entidade que representa 18 grupos de operadoras de planos privados de assistência à saúde.Para o economista Cândido Ferreira da Silva Filho, professor da PUC-Campinas, as despesas com saúde e educação acabam sendo as primeiras cortadas em momentos de dificuldade financeira. “A classe média se acostumou com educação, saúde e previdência privada, que são obrigações do Estado. Quando não oferece a população acaba assumindo essa responsabilidade, que não é delas. Isso implica em despesas elevadas, mas em momentos de crise a renda desaparece e as famílias são obrigadas a fazer cortes na saúde e educação”, analisa. Segundo ele, além da crise ter achatado a renda e causado aumento no desemprego, as mensalidades dos planos de saúde são elevadas e pesam no orçamento, sobretudo nos momentos de retração da economia. “A questão do preço dos planos de saúde também tem que ser levada em conta. Por isso nesse momento de crise fazem o corte preventivamente”, acrescenta.Campinas é a cidade da região que mais sofre com essa situação, uma vez que conta com grandes hospitais públicos, como o Hospital Municipal Dr. Mário Gatti e o Hospital Ouro Verde. As unidades são portas abertas e recebem a população de cidades vizinhas. O prefeito de Campinas, Jonas Donizette (PSB), que também é presidente do Conselho de Desenvolvimento da RMC, confirmou que a cidade já sente os reflexos da crise no aumento da procura por hospitais e postos de saúde. “O que acontece é a questão social. Quando o País está em dificuldade, quem tinha um plano de saúde passa a depender da rede pública. Nós já sentimos esse reflexo”, afirma. A procura, segundo Jonas, ainda não traz impacto alarmante, mas a administração já se prepara para atender o aumento da demanda. “Não é ainda algo que possa dizer que é significativo, mas temos percebido essa movimentação. É um direito da população. Mas a Prefeitura vai ter de se adaptar”, completa.No Hospital Estadual de Sumaré, o crescimento da procura também já foi sentida. Além da população de Sumaré, a unidade recebe pacientes de cidades vizinhas, como Hortolândia e Monte Mor. A situação tem feito a unidade promover uma reorganização estrutural e recusar pacientes em casos que não são urgentes. “Está havendo uma reorganização no fluxo de áreas que eram ociosas. Nós estamos recebendo muita gente que tinha convênio, está extrapolando o número de atendimentos. Casos simples estamos mandando de volta para a cidade de origem”, explica a assessoria de imprensa da unidade.Nem o aumento do repasse da verba por parte da Secretaria de Estado da Saúde aliviou a situação. O Hospital Estadual de Sumaré recebeu R$ 5 milhões a mais da pasta para custear os serviços de saúde oferecidos pela unidade e pelo Ambulatório Médico de Especialidades (AME) de Santa Bárbara d'Oeste. O valor é 5% superior aos R$ 103 milhões pagos até este ano aos centros de saúde, dos quais R$ 95 milhões são destinados para o hospital e R$ 8 milhões para o AME.Já em Hortolândia, a Secretária de Saúde informou que o Hospital Municipal e Maternidade Governador Mário Covas e as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) não registraram aumento significativo nos atendimentos. “Os pronto atendimentos e as unidades básicas de saúde da cidade mantém a normalidade no número de pacientes atendidos nos últimos meses”, diz, em nota.Plano empresarial segura a quedaA queda no número de beneficiários de convênios médicos-hospitalares na Região Metropolitana de Campinas (RMC) só não foi menor porque os planos coletivos empresariais seguraram a baixa das outras categorias. De acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os planos empresariais tiveram crescimento de 0,5% de dezembro de 2014 a março deste ano. No último mês do ano passado haviam 990.359 beneficiários de planos empresariais, subindo para 995.692 no primeiro trimestre do ano. A alta foi segurada pelas pequenas e médias empresas, que oferecem o plano de saúde como benefícios para os funcionários. Essa categoria de convênio médico-hospitalar representa quase 70% do total de beneficiários da região.“As pequenas é médias empresas continuam a ser o polo dinâmico dos planos empresariais. O aumento do número de beneficiários nesta modalidade está relacionado à formalização do mercado de trabalho e à terceirização de atividades em várias cadeias produtivas”, afirma, em nota, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde).“Os empregadores estão se valendo da oferta desses planos como diferenciais para reter profissionais mais qualificados, principalmente para pequenas e médias empresas”, completa a entidade. Para o economista Cândido Ferreira da Silva Filho, professor da PUC-Campinas, com a estagnação da renda familiar da população e a inflação voltando a incomodar, as famílias têm que priorizar os gastos em situações mais urgentes e acabam deixando o plano de saúde de lado. “Hoje se a empresa não banca o convênio, é muito difícil o trabalhador conseguir pagar. As mensalidades custam caro e são reajustadas constantemente”, diz.Esse é o caso do pedreiro Izaias Cavalcanti Piedade, de 53 anos. Ele tinha convênio bancado pela empresa na qual trabalha e quando saiu do emprego pagou por algum tempo o convênio individual. No entanto, o preço elevado do plano de saúde tornou a despesa inviável para Piedade. “Já tive convênio da Unimed pela empresa, mas hoje não tenho mais, o custo é muito alto, pagava cerca de R$ 600. Hoje dependo do hospital da rede pública. Mais para frente se tiver condições pretendo voltar ao plano. O atendimento é melhor e mais rápido", afirma o pedreiro. Apesar de morar em Hortolândia, ele costuma utilizar o Hospital Estadual de Sumaré. Apesar de não reclamar do atendimento na unidade de saúde, Piedade acredita que o serviço oferecido deveria ser da mesma qualidade do privado. “Até que o atendimento é bom e não demora muito. Mas pagamos muito imposto e deveria ter tudo sem precisar de convênio”, ressalva.Morador de Campinas, o comerciante Jesus Joaquim França (foto), de 52 anos, vive situação semelhante. Antes de ser dono do próprio negócio ele tinha plano de saúde pago pela indústria onde trabalhava. Sem condições financeiras de conseguir pagar o convênio após sair da empresa, utiliza o Hospital Municipal Dr. Mário Gatti. “Quando sai da empresa não tive como manter. É muito caro e com a idade vai aumentando o preço. Paguei seis meses para minha filha, mas não deu para pagar. Felizmente venho pouco ao hospital. Faço acompanhamento pelo posto de saúde e sou bem tratado, mas pelo tanto que arrecadam de impostos deveriam melhorar o atendimento”, avalia. A recriacionista Regina Idelma, de 53 anos, ainda mantém o plano de saúde e afirma que não é possível ficar sem. No entanto, seu pai, de 84 anos, não conseguiu mais pagar e busca atendimento no Hospital Estadual de Sumaré. “Não dá para ficar sem. Eu tenho convênio, mas pago um valor mais baixo porque pago uma taxa por consulta. O preço é salgado e meu pai não tem, trago no hospital e tenho que aguardar de três a seis horas por atendimento”, lamentou.