SAÚDE MENTAL

Crescem atendimentos nos Centros de Atenção Psicossocial

Entre os fatores que justificam a procura estão violência doméstica, desemprego e endividamento

Israel Moreira/ [email protected]
19/05/2023 às 08:50.
Atualizado em 19/05/2023 às 08:50
Claudia, nome fictício de uma moradora de Campinas, perdeu 65 kg durante a pandemia de covid-19 por depressão com crises de ansiedade após sofrer violência doméstica e passar por separação (Rodrigo Zanotto)

Claudia, nome fictício de uma moradora de Campinas, perdeu 65 kg durante a pandemia de covid-19 por depressão com crises de ansiedade após sofrer violência doméstica e passar por separação (Rodrigo Zanotto)

A Secretaria Municipal de Saúde, por meio dos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), registrou um aumento significativo na procura por atendimentos para adultos e infantojuvenis desde 2021. Em geral, o total de pacientes inseridos nos 14 Caps existentes no município entre os meses de janeiro dos últimos três anos foram em 2021 de 4.646 pessoas; 2022 com 4.832 pacientes e em 2023 com 5.028 atendidos, um aumento de 8,2% em dois anos. O crescimento foi mais impactante nas quatro unidades de Caps infantojuvenil, que acumularam 750 pacientes ativos em janeiro de 2021, número que saltou para 980 em janeiro de 2023, uma elevação de 30,6%.

Para o coordenador da área técnica de Saúde Mental da Secretaria de Saúde, Marcelo Bruniera, alguns fatores são preponderantes para o aumento da procura por atendimentos nos centros, como a pandemia e sua consequência de isolamento social; os aumentos nos índices de violência doméstica; desemprego, endividamento e queda de renda do trabalhador que são geradores de stress e falta de controle emocional.

“Em crianças, adolescentes e jovens, as questões do bullying, combinadas com a violência escolar e doméstica, se agravaram e levaram à procura por acompanhamento e atendimento no CAPs”, completou Marcelo.

“Eu pensei várias vezes em tirar a minha vida. Não sabia o que era depressão e ansiedade”. Esse é o relato de Claudia, nome fictício de uma moradora de Campinas, que perdeu 65 kg durante a pandemia de covid-19 por depressão e crises de ansiedade após sofrer violência doméstica e passar por separação conjugal.

Claudia, de 26 anos, paciente de uma das 14 unidades do Caps, passou por graves distúrbios emocionais decorrentes da violência sofrida dentro de casa perpetrada pelo seu antigo companheiro. “Estava sobrecarregada, apenas eu trabalhava e por ciúmes apanhava. Minha irmã tentou me agredir porque achava que eu estava louca. Eu não tinha vontade de levantar da cama para trabalhar. Cheguei a ponto de tomar veneno e tentar o suicídio”. Ela ainda comentou, lamentando, que essa não foi a única tentativa.

As consequências foram trágicas para Claudia. Ela ficou entubada no hospital, chegando a pesar 45 kg, e vários gatilhos despertaram lembranças de um passado doloroso que ela mesma já havia esquecido, como a perda de sua mãe, assassinada em sua frente quando tinha apenas 11 anos. Hoje, a paciente ainda frequenta as terapias de acompanhamento oferecidas pelo Caps mesmo após ter recebido alta, mas garante não precisar tomar mais remédios.

“Faço terapia uma vez por semana, mas não necessito de continuar com a medicação. Além disso, o apoio do meu atual marido e o acompanhamento médico me salvaram. Eu sou muito grata.”

O desconhecimento ou a dúvida sobre os sintomas que afetam emocionalmente as pessoas podem atrapalhar o diagnóstico e gerar um tempo maior de recuperação. Para a professora da faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica (PUC) Campinas, Tatiana Slonczewski, especialista em saúde mental, é importante entender as diferenças entre os sintomas de ansiedade, como parte da experiência humana, a tristeza, como sentimento individual do ser humano, e os transtornos gerados por ansiedade e depressão com experiências mais duradouras e intensas.

“O que devemos também observar é o aspecto incapacitante do transtorno mental. Quando o indivíduo possui transtornos de ansiedade ou depressão, há um prejuízo para o indivíduo que pode ser reconhecido, mas independe do esforço próprio, ou seja, não adianta pedir mais força de vontade. São transtornos multifatoriais que envolvem questões genéticas, psicológicas, financeiras, sociais e até culturais, o que acarreta ao indivíduo uma doença complexa”, completou Tatiana.

Os tratamentos começam com avaliação médica e psiquiátrica, especializada por faixas etárias, e psicoterapia, com foco nos jovens ou adultos. Também há o cuidado periódico, com a prática de atividades físicas, alimentação saudável, controle do estresse e melhor qualidade do sono.

O coordenador do Departamento Científico de Psiquiatria da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas (SMCC), Osmar Henrique Della Torre, analisou os transtornos depressivos e ansiosos como eventos estressantes, sendo alguns deles término de relacionamentos, morte na família, abusos, sequestro e ameaças.

“Outros fatores que contribuem são a solidão, o consumo de álcool e drogas, a presença de doenças crônicas, como o câncer, e doenças cardíacas. Ao se deparar com a presença de sintomas de humor depressivos e ansiosos que gerem um prejuízo funcional na pessoa, ela deve ser encaminhada para avaliação de psiquiatras, psicólogos, profissionais em saúde mental”, finalizou Osmar Della Torre.

NAS ESCOLAS

Neste ano, os casos de violência em escolas impulsionaram o debate sobre a saúde mental de adolescentes, assim como o impacto das redes sociais nestes episódios. Será que os conteúdos disseminados nas redes sociais, na deep web ou nos videogames podem incentivar casos de extremismo? Para Luana Dantas, Psicóloga e Psicanalista na Holiste Psiquiatria, certas “bolhas virtuais” representam risco, mas também é preciso questionar o motivo de as escolas terem sido escolhidas como alvos constantes.

“Seja no Brasil ou em outros países, esta cena se repete nas escolas. É importante pensar naquilo que a escola simboliza para entender este fenômeno. A sala de aula é o espaço da diversidade, é onde aprendemos a conviver com as diferenças. A repetição é importante porque chama a atenção que o local que deveria ser palco de um aprendizado sobre como lidar com a multiplicidade se torne o cenário dessas cenas de radicalização, do rompimento com o laço social”, analisou a profissional.

Para a psiquiatra Lívia Castelo Branco, da Holiste Psiquiatria, os casos de violência extrema em escolas, como o que vitimou a professora Elisabeth, esfaqueada por um aluno enquanto fazia chamada em uma turma da Escola Estadual Thomazia Montoro, localizada na Zona Oeste de São Paulo, revisitam a importância do debate sobre saúde mental de adolescentes em idade escolar. Neste período da vida, alguns sintomas que poderiam indicar a necessidade de acompanhamento médico podem se confundir com as descobertas e angústia que são características desta fase. 

Na sala de aula, a psiquiatra ensina que apesar de alguns comportamentos que podem indicar uma fase de sofrimento emocional ou mental mais grave, uma dica para professores e coordenadores é prestar atenção nas reclamações dos outros estudantes.

“Queda no rendimento escolar, isolamento e mudança de comportamento podem ser indícios. Todavia, é comum que, em casos semelhantes, colegas de turma anunciem com antecedência sobre um comportamento estranho de um estudante, uma postagem ameaçadora nas redes sociais ou até mesmo que a sala se recuse a fazer trabalho em grupo com determinada pessoa”, explica.

Para Luana Dantas, também é importante ouvir os adolescentes, inclusive no que em muitas ocasiões não é dito com palavras, mas surge por meio de atitudes e comportamentos. Nestes casos, complementa Lívia Castelo Branco, é preciso avaliar se esse aparente desconforto de muitos estudantes em relação a um colega não merece um encaminhamento mais assertivo por parte da instituição, como uma conversa com os responsáveis ou uma recomendação para uma consulta com um psicólogo ou psiquiatra, sendo eles os profissionais que poderão trabalhar para atenuar esse sofrimento emocional que, na maior parte dos casos, são questões pontuais, mas que merecem ser acompanhadas para o bem-estar de todos.

CONSULTÓRIO NA RUA

Promovido pelo Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira em parceria com a Prefeitura de Campinas, o programa Consultório na Rua é um serviço de saúde itinerante que oferece assistência à população em situação de rua desde 2012, com foco na população usuária de álcool e drogas e nas gestantes em situação de vulnerabilidade social. São duas equipes interdisciplinares que atuam na perspectiva da redução de danos. Segundo a coordenadora do programa, Alcyone Januzzi, são 650 atendimentos e acessos mensais acompanhados por duas equipes que monitoram todo o perímetro da região central da cidade, atuando efetivamente com a população vulnerável em situação de rua ou mesmo com trabalhadores que utilizam as ruas como fonte de renda. “O Consultório na Rua é um equipamento de cuidado à saúde mental das pessoas oferecida gratuitamente pelo SUS. Temos parcerias com outros equipamentos espalhados por toda a cidade. Quando nos acionam, o atendimento é imediato.” 

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