ABANDONO PATERNO

Cresce número de crianças registradas sem nome do pai

Entre janeiro e agosto, foram 480 nessa condição, 10% a mais do que em 2022

Luis Eduardo de Sousa/ luis.reis@rac.com.br
29/09/2023 às 08:45.
Atualizado em 29/09/2023 às 08:45

Dayane exibe a certidão de nascimento de sua filha Francisca, na qual o nome do pai não está registrado: "Quando saí da maternidade, precisei fazer o registro sozinha" (Rodrigo Zanotto)

Dayane da Silva Sobreiro, uma mulher de 33 anos, atua como profissional autônoma, sustentando-se através da revenda de cosméticos e da realização de pequenos trabalhos para garantir sua renda. Originária do Nordeste, ela reside em Campinas há cinco anos. Apesar de sua juventude, Dayane enfrenta sozinha a responsabilidade de criar seus quatro filhos, com idades que variam de seis a 15 anos. Seu lar está situado na favela da Gleba, na região do Parque Oziel, e ela faz parte do grupo de milhares de mulheres que, após engravidarem, deram à luz e registraram seus filhos sem a presença do pai.

Esse fenômeno tem se tornado cada vez mais comum na metrópole nos últimos anos, como indicam os dados do Portal da Transparência do Registro Civil. Ano após ano, o número de crianças registradas sem a inclusão do nome do pai tem crescido nos limites de Campinas. De 1º de janeiro até o final de agosto deste ano, 480 crianças se enquadraram nessa situação, em um contexto de 11,1 mil nascimentos na cidade durante o mesmo período. Esse aumento representa um incremento de aproximadamente 10% em comparação com os números do ano anterior, quando, entre janeiro e agosto, 432 crianças foram registradas apenas com o nome da mãe, apesar de haver uma quantidade similar de nascimentos, aproximadamente 11,1 mil. 

Os dados de 2023 já correspondem a 75,65% do total registrado no ano passado em 12 meses, quando houve 643 registros sem a presença do pai. O número deste ano também supera o observado de janeiro a agosto de 2021, quando foram registrados 424 casos em um total de 11 mil nascimentos. No decorrer desse ano, o total foi de 637 registros nessa categoria.

Em 2020, já se registraram 440 casos nos primeiros oito meses e um total de 640 durante todo o ano. Desde 2016, quando o Portal da Transparência começou a registrar esses dados, já somamos 4.848 ocorrências.

Segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), metade dos lares no Brasil tem mulheres como chefes de família. São 38,1 milhões de famílias sob a responsabilidade delas, em um universo de 75 milhões de famílias.

DESAFIOS

Assumir sozinha a responsabilidade de prover o essencial para os filhos não é uma tarefa fácil, mas Dayane não esperava por essa situação quando engravidou. Seus quatro filhos têm três pais diferentes, e nenhum deles mantém contato com as crianças, muito menos com a mãe. Dayane lembra que enfrentar a solidão já durante a gravidez foi um choque.

"O pai da minha filha e eu tivemos um relacionamento de dois anos. Quando engravidei, ele partiu para trabalhar no Mato Grosso e, aos poucos, perdeu contato. Eu acabei perdendo o número de telefone dele, e desde então, ficamos só eu e minha filha. Trabalhei durante toda a gravidez para suprir nossas necessidades. Quando saí da maternidade, tive que registrá-la sozinha. Não havia outra opção", compartilha Dayane, com o olhar baixo.

A mãe relata que nunca recebeu pensão alimentícia nem teve uma rede de apoio, o que acarretou em inúmeras dificuldades ao longo da vida. "Sempre fomos apenas nós aqui, lutando juntos. No início, foi difícil; eu não podia trabalhar fora, então comecei a buscar alternativas, como costurar, vender cosméticos e fazer o que fosse possível para nos manter", diz.

Apenas a filha mais velha, com 11 anos, não tem o nome do pai no documento, uma situação que, de acordo com a mãe, não afeta o comportamento da criança. "Eu evito falar sobre o pai, e ela não tem interesse em saber. Ela diz que, se ele não quis conhecê-la, ela também não quer conhecê-lo e que não tem pai", relata a mãe.

Diante deste problema, que também afeta outras regiões do Brasil, as Defensorias Públicas de todo o país uniram esforços e organizaram um mutirão conjunto para oferecer testes de DNA visando ao reconhecimento de paternidade e à inclusão do nome do pai nos documentos das crianças. No entanto, a Defensoria Pública de São Paulo não dispõe de dados regionais para quantificar quantas pessoas em Campinas foram beneficiadas por essa ação.

Essa ausência não impacta apenas a documentação; ela tem implicações profundas em outros aspectos. De acordo com a psicóloga clínica Ana Silvia Rennó, a falta do pai durante a infância e adolescência pode resultar em desequilíbrios emocionais ao longo da vida adulta, que requerem cuidados clínicos e contribuem para um bem-estar emocional precário. Alguns dos sintomas decorrentes incluem ansiedade, insegurança e baixa autoestima.

"Para a criança, é difícil entender que ela tem um pai biológico que, mesmo assim, partiu. Isso a leva a questionar se ela é a culpada pelo abandono. Ela começa a duvidar se merece ser amada. Esse processo de autoquestionamento se repete várias vezes, manifestando-se como sentimentos de rejeição e abandono constantes", explica Rennó.

A especialista ressalta que é possível preencher essa lacuna deixada pelo pai substituindo-o por uma figura de "apego seguro". Ela recomenda que a ausência do pai seja explicada com empatia e consideração pela história da criança.

"O mais importante é que a mãe tenha uma rede de apoio e que haja uma figura de apego seguro, que não necessariamente precisa ser um homem. Essa é a pessoa que estará sempre disponível para dar carinho, conforto e estar presente. Além disso, a mãe deve sempre abordar a situação com sinceridade, por mais dolorosa que seja. Explicar o que aconteceu com o pai biológico ajuda a criança a compreender sua história e a lidar com ela de maneira saudável."

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