Abandono de aposentado de 92 anos mostrado pelo Correio revela vulnerabilidade na 3ª idade
Mário Martini, de 92 anos, no corredor onde dormia, com acesso apenas ao quintal (Dominique Torquato/ AAN )
O estado de completo abandono em que foi encontrado na semana passada o porteiro aposentado Mário Martini, de 92 anos, vítima de maus-tratos em sua própria casa na Vila Industrial, chama a atenção para a situação do idoso na sociedade brasileira.
Muito debilitado e sem condições de pedir ajuda, Martini dormia há pelo menos um ano em um corredor externo da residência, convivendo com o frio, a sujeira, o mau cheiro e o descaso da família, conforme flagrou o Correio. Após a reportagem, o aposentado foi levado a um abrigo pela Prefeitura.
Assim como ele, vários outros idosos também estão vulneráveis à violência física e a pressões psicológicas e até mesmo financeiras. Com as pessoas vivendo cada vez mais, o Brasil ruma para ser daqui a algumas décadas um país de velhos. Atualmente são 23 milhões de idosos — pessoas com mais de 65 anos de idade —, o que representa 11,7% da população. Em 2020, serão 31 milhões.
Já em 2050, no mundo, um em cada cinco habitantes será idoso. Nesse cenário, o maior desafio é enfrentar a falta de políticas públicas para fazer com que essa considerável camada da população tenha proteção e condições de continuar vivendo com dignidade e produzindo.
A gerontóloga Jeanete Liasch Martins de Sá, coordenadora da Universidade da Terceira Idade e diretora de Faculdade de Serviço Social da PUC-Campinas, aponta que a cidade possui hoje cerca de 120 mil idosos.
Desse total, 30 mil (25%) apresentam carências múltiplas, como exposição à pobreza, à violência, dificuldades de acesso a equipamentos de saúde, por exemplo.
“A questão do envelhecimento é mundial. No Brasil, com o aumento da expectativa de vida e a diminuição da fecundidade, você tem o envelhecimento demográfico. As pessoas estão durando mais tempo. Já temos um número expressivo, inclusive, de centenários”, afirma Jeanete, lembrando também que a Região Metropolitana de Campinas (RMC) já conta com 250 mil idosos. “É um campo imenso que se abre com essa questão de envelhecimento demográfico. É preciso entender que o ritmo é vertiginoso”, ressalta.
Conforme a gerontóloga, apesar dos casos de abandono que despertam a atenção e chocam a sociedade, ainda há uma maior parcela dessa população que consegue viver por si, com renda e moradia próprias. Muitos idosos, hoje, sustentam suas famílias com as aposentadorias, incluindo aí filhos e netos. “Com os altos níveis de desemprego, os filhos voltam para casa, muitas vezes com esposa e seus filhos, e todos vivem daquela renda, da aposentadoria”, diz Jeanete.
A responsabilidade do idoso como provedor é difícil. Aposentadorias de pequenos valores acabam sendo a única fonte de renda da família. Nesse momento, um sistema de saúde pública de qualidade, por exemplo, compensaria o pouco ganho. De acordo com um levantamento da empresa Natixis Global Asset Management divulgado no mês passado, o Brasil está em 40° lugar — entre 150 países de todos os continentes — no ranking de bom tratamento dispensado a seus aposentados. No topo estão a Noruega, a Suíça, Luxemburgo, Suécia e Áustria. Ao lado do Brasil estão Argentina (41°) e México (42°). O índice considerou, entre outras coisas, a saúde, a qualidade de vida e bem-estar material das pessoas após a aposentadoria.
“Hoje, muitos idosos sustentam suas famílias. Essa visão de que todo e qualquer idoso é fragilizado, de que velhice é sinônimo de doença, não existe mais. Os idosos estão conquistando espaços importantes”, defende Jeanete. “Quando você mostra a história de um idoso em situação de risco, ela comove, mas nós não podemos deixar de ver o outro lado, dos idosos que estão em uma situação relativamente positiva e que também precisam ter acesso a programas sociais.”
Para reforçar o que diz, a gerontóloga cita a própria Universidade da Terceira Idade, uma experiência pioneira no País que nasceu há 23 anos. “Assim que a universidade surgiu, logo depois apareceram quase 300 outros cursos sendo organizados em todo Brasil. Isso mostra que há uma demanda reprimida”, disse.