Após servir a população durante a 1ª epidemia de febre amarela, médico acabou vítima do mal que combatia
O cuidado com a população era extremo: médico não cobrava atendimento (Cedoc/RAC)
Ainda na semana das comemorações do aniversário de 246 anos de Campinas é salutar dar mais luz à história de um de seus médicos mais ilustres: o Dr. João Guilherme da Costa Aguiar, que serviu a população com amor e devoção na ocasião da primeira epidemia de febre amarela, em 1889, e acabou vítima do mal que combatia com tanto afinco. Morreu aos 32 anos, com a admiração da cidade toda. João Guilherme da Costa Aguiar nasceu em Itu, em 11 de junho de 1856. Era filho do major Luiz Antônio da Costa Aguiar e de Úrsula Ferraz de Camargo. Cumpriu os estudos iniciais em Porto Feliz e mais tarde foi matriculado como interno no Colégio Cruz Santos, no Rio de Janeiro. Com 22 anos se formou médico na Faculdade da Corte. Costa Aguiar se casou em 28 de junho de 1876, com Hortência, filha do também médico Virgílio de Araújo. A cerimônia aconteceu em Campinas, no Clube Semanal, que ficava na Rua Regente Feijó, que posteriormente se uniu ao Clube de Cultura Artística, formando o Clube Semanal de Cultura Artística, segundo o escritor, historiador e presidente da Academia Campinense de Letras (ACL), Jorge Alves de Lima, que investigou essas passagens em seu livro O Ovo da Serpente, Campinas 1889. Costa Aguiar não foi só médico. Também foi um ferrenho defensor do movimento republicano e era um grande articulador da causa, que iniciou em Campinas e depois ganhou o País. Ele mantinha um consultório na Rua Riachuelo, em frente ao Circolo Italiani Uniti, embrião da Casa de Saúde, onde passou a atender e foi diretor, sem cobrar um só tostão, durante a epidemia de febre amarela. Com a explosão da febre amarela, os pouco médicos que Campinas tinha ficaram mais escassos ainda. Pouquíssimos decidiram permanecer na cidade e cumprir com nobreza os deveres da profissão, entre eles, estava Costa Aguiar. Ele enviou a esposa e o único filho, Virgílio de Araújo Aguiar, para uma pequena fazenda de seu sogro, em Itu, para poder se dedicar integralmente aos doentes, que eram muitos e cresciam na proporção inversa ao do número de médicos disponíveis. Ele era incansável e nutria profundo amor pelo ser humano. Como estava esgotado pelo alto número de atendimentos, Costa Aguiar decidiu ir à Itu passar uns dias com a família e descansar um pouco no começo de maio, quando a epidemia deu um refresco. Mas ele nem imaginava que não voltaria para sua querida Campinas. Na edição de 19 de maio de 1889, o Diário de Campinas informava que Costa Aguiar havia sido atacado pela febre amarela e que o médico Eduardo Guimarães foi chamado, via telegrama, para ir até Itu cuidar do colega. Essa notícia bastou para deixar o povo de Campinas alarmado. Esse mesmo dia apresentou o menor número de mortos: apenas cinco. Os médicos estavam quase todos ausentes, muitos ainda fugidos, e outros extenuados pela quantidade de atendimentos. Dr. Germano Melchert continuava as consultas. Naquele dia visitou 22 doentes em suas casas e notificou o surgimento de outros 14 casos. A luta contra a febre amarela era incessante. O Diário de Campinas continuava alertando sobre a importância da execução de medidas de saneamento no Município. Dr. Antônio Pinheiro Ulhoa Cintra, o Barão de Jaguara, presidente da Província (governador), havia convocado uma sessão extraordinária na Assembleia Provincial para analisar e autorizar de forma urgente o pedido de empréstimo para alavancar a Companhia Campineira de Águas e Esgotos — presidida pelo benemérito Bento Quirino dos Santos — e resolver, de uma vez por todas, a situação do abastecimento de água e a instalação da rede de esgotos. No dia 21 de maio, o Diário trouxe a notícia que ninguém na cidade queria receber: a morte de Costa Aguiar no dia 20, aos 32 anos. "Da legião dos batalhadores da ciência que neste campo de morte se cobriu de louros, foi o Dr. Costa Aguiar um dos mais bravos e beneméritos combatentes e é o primeiro que paga com a vida a sua imensa abnegação e o sagrado culto do altruísmo. No coração dos campineiros tem ele o direito à maior veneração, ao acrisolado amor que inspiram sempre os sublimes mártires que se fazem vítimas do dever", trazia trecho da reportagem. De acordo com Jorge Alves de Lima, apenas a morte do maestro Carlos Gomes e do benemérito Maximiniano de Camargo causaram comoção maior ou igual na população campineira como a de Costa Aguiar. O Circolo Italiani Uniti enviou no mesmo dia uma comissão para Itu para levar a bandeira da Associação e prestar todas as homenagens possíveis. Humanidade do profissional foi enaltecida pela imprensa Em seu editorial no dia seguinte à notícia da morte de Costa Aguiar, o Diário de Campinas enaltecia a humanidade do médico. "O seu nobre coração estremecia de dor e sangrava-se ao contemplar o horroroso e torturante quadro que ofereciam a enfermidade e a miséria em íntimo consórcio, ao desvendarem-se-lhe as lúgubres cenas que apresentavam a desolação em todos os lares", trazia trecho da publicação. O médico Eufrásio José da Cunha, membro de uma comissão médica enviada pelo governo imperial, trabalhou diretamente com Costa Aguiar e também atestou sua compaixão. Dizia que a morte deveria tê-lo poupado. "Quantas vezes me disse ele: — Não nasci para isto, nunca deveria assistir a cenas como estas que me estiolam e matam, pois sofro moralmente quando vejo os outros sofrerem fisicamente!", reproduzia Cunha. Ele continua: "Ele, que abandonou aqueles que lhe eram caros, para não abandonar os pobres de Campinas, deveria ser melhor recompensado! Mas é assim mesmo! (...) Ele, que lutava braço a braço contigo, para te arrancar as pobres vítimas, não pôde resistir à luta quando chegou a sua vez, não pôde fugir da terrível fatalidade!", lamentava o colega. Foi enterrado na tarde do dia 20, com todas as honras, em sua terra natal. A comissão do Circolo Italiani lhe prestou homenagens com discursos na língua italiana. Uma multidão consternada acompanhou o enterro. Sua morte continuava a repercutir na imprensa campineira. Inúmeras cartas de condolências, lembrado de seu nobre coração e de suas atitudes ilibadas foram enviadas ao jornal. Local de morte, em Itu, hoje é hotel fazenda Quando escrevia o capítulo sobre Costa Aguiar em seu livro O Ovo da Serpente, Campinas 1889, Jorge Alves de Lima foi até Itu conhecer a fazenda onde o ilustre médico morreu. A fazenda foi adquirida em 1881 por Virgílio de Araújo, seu sogro, em parceria com Costa Aguiar, e recebeu o nome de Fazenda do Japão, já que os dois amavam a cultura daquele país asiático. No entanto, a sociedade foi desfeita em 1885, passando a ser propriedade exclusiva de Dr. Virgílio. Após o falecimento dele, a propriedade passou por herança para seu neto, Virgílio de Araújo Aguiar, filho de Costa Aguiar. Ele foi um cafeicultor importante, com relação próxima com o ditador Getúlio Vargas. Manteve a propriedade até 1942. No ano 2.000, a fazenda voltou a se chamar Capoava, seu nome original, e se tornou hotel fazenda. Dr. Costa Aguiar foi homenageado com seu nome em uma rua central de Campinas, que antes de chamava Rua da Constituição. Lima, esteve no quarto onde o médico faleceu e também visitou a capela, que fica dentro da mesma fazenda, onde ele costumava orar, e ficou muito emocionado. "Por isso, quando passarem pela Rua Dr. Costa Aguiar, façam uma prece a Deus pelo seu espírito e sua alma, como prova de gratidão ao caritativo médico, que ofereceu sua vida por Campinas, um verdadeiro mártir", diz. Reprodução do Jornal de Itu que noticiou a morte do médico numa fazenda da cidade