9 de julho

Correio revela autos do inquérito e da autópsia dos jovens que simbolizam o MMDC

Documento histórico resgata o episódio de 23 de Maio de 1932, em que 4 jovens foram assassinados em ato contra Getúlio Vargas, em São Paulo

Antônio de Pádua Báfero / Escritor e membro da ACL e Luiz Roberto Saviani Rey / Diretor Editorial
09/07/2022 às 09:34.
Atualizado em 09/07/2022 às 09:34

Soldados em preparação para embarque em trem destinado ao Vale do Paraíba. Campinas enviou 2 mil voluntários para a Batalha de Eleutério, próximo a Itapira (Cedoc/William Ferreira)

Neste 9 de julho, data em que os paulistas celebram a Revolução Constitucionalista de 1932, o Correio Popular traz novos elementos sobre o episódio, e revela a seus leitores peças de um documento histórico e inédito para publicação em jornais, em toda a trajetória de construção historiográfica e da memória do que costumou se chamar de "Guerra Paulista". Inédito e exclusivo.

Trata-se do compêndio que encerra as páginas dos Autos do Inquérito Policial instaurado para apurar o conflito registrado no dia 23 de maio de 1932, em São Paulo, no qual morreram as figuras de Mário Martins de Almeida, Euclides Bueno Miragaia, Dráusio Marcondes de Souza e Antônio Américo de Camargo Andrade, personalidades de cujas iniciais dos nomes e sobrenomes resultou, na forma de acrônimo, a sigla MMDC, marco da insurreição paulista contra a ditadura de Getúlio Vargas.

O documento chegou às mãos do escritor campineiro Antônio de Pádua Báfero - doutor em Educação pela USP, professor da Unicamp e membro da Academia Campinense de Letras - pelas mãos de um amigo de juventude e de faculdade paulistana -, e permaneceu por anos em seu acervo documental e literário. 

Os autos do inquérito policial falam dos episódios que constituíram a antessala dos acontecimentos que eclodiram em 9 de julho - quando tropas voluntárias paulistas atacaram, de surpresa, e à noite, os principais prédios militares na capital, iniciando a revolta.

Nesse histórico, houve outra noite, talvez tão importante quanto o princípio efetivo da Guerra Paulista. Uma reação popular contra a reforma do secretariado promovida pelo interventor de São Paulo, Pedro de Toledo, com os postos civis e militares sendo ocupados por homens ligados a Getúlio Vargas: A data explosiva fora o dia 23 de maio de 1932.

Na verdade, Pedro de Toledo ensaiara uma reforma em seu governo colocando homens paulistas, em tentativa inútil de apaziguar os ânimos, bastante exaltados desde as manifestações pacíficas de fevereiro. A população clamava por uma Constituição e pelo fim do governo autoritário de Getúlio Vargas, que usurpara o poder central dois anos antes. A reforma de Toledo, fora vetada pelo presidente provisório, e esse fato incandesceu a alma paulista. 

Nessa data, cansados da humilhação que o governo instaurara sobre a população, uma multidão formada por advogados, políticos, intelectuais, representantes das fazendas cafeeiras e por estudantes tomou as ruas centrais da capital, no que pode ser interpretado como o estopim da Revolução Constitucionalista de 32. Um mar de gente que partiu do bairro do Cambuci em direção ao Centro. No trajeto, um rio de pessoas foi se acaudalando, se adensando a cada bairro, a cada esquina pela qual passasse o séquito de revoltosos contra a ditadura de Getúlio.

Era ainda a tarde do dia 23 de maio. A multidão carregava como insígnia do movimento e como troféu de uma causa o distintivo arrebatado da parede fronteiriça da Delegacia de Polícia do bairro onde se originara a passeata. Sob um céu cinzento, homens circunspectos de paletós e gravatas, chapéus, capas e capotes desembocaram aos borbotões na Praça da República, Centro de São Paulo, empunhando e agitando enormes bandeiras das 13 listas. Um cenário de Revolução Francesa, com muitos discursos inflamados.

Mas uma tarde só fora pouco para a repulsa ao governo discricionário de Getúlio Vargas. O dia estendeu-se de forma explosiva, e a noite chegara sem que o impulso reativo do povo paulistano cedesse um átimo. Ao contrário, após as 18 horas, com o fechamento das lojas, do comércio e da indústria, maior volume de gente aportara às ruas. Jovens estudantes e trabalhadores haviam se juntado ao ato.

Caminhando agitados pelas avenidas já escuras, um grupo considerável de pessoas revoltosas deu de encontro com partidários da Legião

Revolucionária, formação miliciana liderada por João Alberto, homem de Getúlio, e treinada pelo major Miguel Costa, que acompanhara o presidente dois anos antes, na Revolução de 1930, que usurpara o poder e instaurara o ditador no comando do país.

Era perto das 23 horas. Ânimos acirrados, objetos contundentes e até armas de fogo nas mãos, os paulistas tentaram invadir a sede da Legião, onde se abrigaram os inimigos, situada na rua Barão de Itapetininga, esquina com a Praça da República. As portas de madeira escura e pesada são derrubadas, e a turba começa a subir os andares superiores. Acuados, os milicianos de Miguel Costa começam a disparar seus revólveres e metralhadoras contra a parede humana que tenta massacrá-los.

Armas em punho, revólveres, garruchas, fuzis. Gritos, correria, tiros, corpos tombados. O embate deixou muitos feridos e três mortos pelas calçadas da Barão de Itapetininga, cobertas pela penumbra da noite, atingidos por balas e estilhaços de granadas atiradas pelos milicianos. Entre os mortos no conflito estão Mário Martins de Almeida, Euclides Bueno Miragaia e Antônio Américo de Camargo Andrade, cujos corpos são levados para o Necrotério da Delegacia. Estendidos entre os mais de 30 feridos, estão o estudante Dráusio Marcondes de Sousa e Orlando de Oliveira Alvarenga, que são socorridos pelos Bombeiros e conduzidos à Santa Casa de Misericórdia.

Dráusio, menino estudante, 14 anos, era filho de farmacêutico e trabalhava no estabelecimento da família. Não resistiu aos ferimentos por muito tempo: morreu em 28 de maio, antes de deixar uma lição de civilidade e de senso político. No leito do hospital, o menino proclamara: "Se mil vidas tivesse, todas elas eu daria pela causa da libertação da terra que me viu nascer".

Chocados com as consequências daquela noite fatídica de 23 de maio, homens graduados entre as lideranças da passeata reuniram-se em um jantar no Restaurante Posílipo, e traçaram as linhas uma sociedade secreta que se encarregaria daquele ponto em diante de organizar o povo paulista para a deflagração de uma ação militar contra Getúlio Vargas.

No encontro, após a morte do menino Dráusio, revoltados e inspirados, esses homens escolheram como símbolo e título do movimento que organizavam as iniciais dos quatro tombados nas manifestações. Enraivecidos, quebraram o rito do jantar para proclamar seus nomes: "Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo! Vocês não morreram em vão!". Surgia o MMDC.

Homens como Aureliano de Moraes Leite e Prudente de Moraes Neto sugeriram que a sociedade secreta recebesse o título de "Guarda Paulista". Prevaleceu a homenagem aos mortos de 23 de maio. E assim, um acrônimo construiu um signo que se tornou a frente de luta dos revolucionários paulistas: o MMDC: a Revolução de 1932. 

Orlando de Oliveira Alvarenga, mineiro da cidade de Muzambinho, permaneceu internado por 81 dias. Faleceu em 12 de agosto, razão pela qual seu nome não constou do acrônimo. A sigla do movimento apenas passou a incorporar sua lembrança em 20 de junho de 2011, por meio do decreto 2.430, que inscreveu os nomes de Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo como heróis paulistas da Revolução Constitucionalista de 1932 no Livro dos Heróis da Pátria, passando a ser reconhecida como MMDCA. 

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Anuncie
(19) 3736-3085
comercial@rac.com.br
Fale Conosco
(19) 3772-8000
Central do Assinante
(19) 3736-3200
WhatsApp
(19) 9 9998-9902
Correio Popular© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por