SUCESSÃO

Correio Popular entrevista o prof. Cesinha, candidato à reitoria da Unicamp

Da Redação
21/03/2025 às 10:21.
Atualizado em 21/03/2025 às 11:01
 (Kamá Ribeiro)

(Kamá Ribeiro)

Nos dias 25 e 26 de março a comunidade acadêmica da Universidade de Campinas (Unicamp) volta às urnas para votar em quem deve ser o reitor entre abril de 2025 a abril de 2029. O segundo turno da consulta conta com os professores Paulo César Montagner (Cesinha), da Faculdade de Educação Física, e José Antônio Rocha Gontijo, da Faculdade de Ciências Médicas. No dia 12 de março, a Comissão Organizadora da Consulta (COC) divulgou que Cesinha obteve 46,88% dos votos no primeiro turno e terminou em primeiro lugar, à frente de Gontijo, com 39,58% dos votos, e da professora Maria Luiza Moretti, que ficou em terceiro com 15,54% dos votos e está fora da disputa. Ao todo, 11.352 eleitores participaram do primeiro turno.

De acordo com a Unicamp, integram o colégio eleitoral cerca de 38.300 eleitores, divididos aproximadamente em 1.900 professores, 6.900 demais servidores e 29.400 estudantes. O voto é facultativo. Para vencer no primeiro turno, o candidato precisaria obter mais de 50% dos votos ponderados válidos – das categorias docente, discente e servidores. O peso do voto dos docentes é de três quintos. Já o peso dos votos dos servidores e dos estudantes é de um quinto.

A consulta marca a sucessão do reitor Antonio José de Almeida Meirelles, no cargo desde abril de 2021. Ao final do segundo turno, o Conselho Universitário (Consu), órgão máximo de deliberação da Universidade, deverá elaborar uma lista tríplice e encaminhar o documento ao governador do Estado, que nomeará o novo reitor. Tradicionalmente, o governador indica o primeiro nome da lista elaborada pelo Consu. 

O Correio Popular publica nesta sexta-feira e amanhã, sábado, entrevista com os dois candidatos, começando hoje por Cesinha. Confira.

Quais as razões que levaram o senhor a decidir disputar a Reitoria da Unicamp?

Sou o segundo filho de uma família de comerciantes. Meus pais são Anna Maria Gallo Montagner e Antonio Montagner. Nasci em 22 de novembro de 1963, e, como muitos de minha geração, estudei em escolas públicas. Fomos criados num lar muito afetuoso, também no ambiente de trabalho de nossos pais, atrás de um balcão na quitanda, ponto de referência do bairro onde clientes e amigos estavam presentes em nossas vidas. No comércio dos meus pais, aprendemos a importância de cuidar e respeitar o próximo num ambiente de ensinamentos e vida intensa. Em 1984, me graduei em Educação Física pela PUC-Campinas. A escolha pelo curso foi certeira, pois o esporte sempre esteve presente em minha vida, mais especialmente o basquetebol, que me proporcionou muitas oportunidades como atleta na juventude e ser professor da modalidade. Minha chegada na Faculdade de Educação Física da Unicamp (FEF) aconteceu em 15 maio de 1988, ainda uma escola jovem e com grandes desafios a serem implementados. Trilhei uma carreira acadêmica passando por seus diferentes estágios e desafios, me tornei Mestre em Filosofia da Educação (1993) e Doutor em Educação Física pela FEF, em 1999. Em 2015, obtive a Livre-Docência na área de Esporte e Treinamento e, em 2022, após aprovação em novo concurso público, fui promovido a professor titular. 

Ao longo de minha trajetória na Universidade, desempenhei diversas funções como professor, pesquisador e administrador/ gestor. Destaco minha atuação na Graduação da FEF (2000-2006), também como seu diretor, entre os anos de 2006 à 2010, coordenador técnico-científico do Centro de Estudos Avançados - área de Esporte (CEAv) da Unicamp (2010-2013), diretorexecutivo da Fundação da Unicamp (Funcamp), entre os anos de 2010 e 2014, e chefe de gabinete da Reitoria em duas gestões (2013-2017 e 2021-2025). Essas atividades administrativas, somadas à minha carreira acadêmica de quase 37 anos na Unicamp, e aos muitos apoios, me levaram a decisão de disputar o cargo de reitor. Com essa breve história, e considerando essa intensa vivência administrativa, sinto-me preparado para enfrentar os desafios desse importante cargo.

Destaque, por favor, três compromissos do seu plano de gestão.

Temos quatro princípios fundamentais que inspiram nossa candidatura para que a Universidade seja, efetivamente, a Unicamp de toda gente: Primeiro, a defesa irrestrita da universidade pública, gratuita e dotada de autonomia acadêmica e administrativa. A garantia desse princípio estará presente em nossa atuação junto às esferas governamentais e regulatórias, feita com diálogo ativo e responsável na defesa da Unicamp, principalmente no processo de revisão tributária da forma de financiamento da Universidade. Segundo, a defesa dos direitos conquistados, sempre em busca da ampliação e aperfeiçoamento das condições de vida e trabalho de nossa comunidade universitária. Guiados pela responsabilidade administrativa e orçamentária, faremos uma gestão sem retrocessos, aprimorando processos de governança, controle e comunicação, sempre em diálogo com a comunidade. Esse princípio abarca também as políticas de inclusão e permanência estudantil, em nosso projeto entendidas como elementos que conduzem à excelência acadêmica. Terceiro, a defesa da sustentabilidade e acessibilidade. Atentos à transformação do mundo contemporâneo, profundamente afetado pela emergência climática, e à justa necessidade de garantir acesso e dignidade a todas as pessoas, buscaremos avançar na construção da Unicamp como uma universidade sustentável e acessível, mesmo diante dos grandes desafios que isto significa para a gestão da Universidade. E, finalmente, a expansão do diálogo com a sociedade, a partir da articulação entre inclusão e inovação, de modo a contribuir para o pleno desenvolvimento econômico e social do nosso país. Continuaremos comprometidos com a ampliação de direitos e com a promoção de inovação tecnológica e social de forma dialogada e não excludente. Dessa forma, garantiremos um ambiente acadêmico de excelência, em que a diversidade de vozes e saberes seja valorizada e o conhecimento seja construído de forma colaborativa. 

Como pretende promover a aproximação da Unicamp com os diferentes segmentos da sociedade? 

Há muito se aponta para os riscos de as universidades fecharem-se em si mesmas. Isso porque as demandas, os desafios e as urgências do mundo contemporâneo conclamam as universidades a diversificarem suas ações, de maneira a buscarem mecanismos que permitam que o conhecimento produzido se converta, efetivamente, em benefícios para a sociedade. A Unicamp deve estar atenta a esse imperativo, fazendo com que reverbere na orientação de suas estratégias para o ensino, a pesquisa e a extensão, concebendo instrumentos que estimulem a comunidade da Universidade, como um todo, a abraçar esse compromisso e, sistematicamente, comunicando à sociedade aquilo que a Universidade faz. Sendo assim, propomos: (1) Ampliar o alcance da comunicação institucional com a sociedade, levando a diferentes espaços, e por meio de diferentes linguagens e abordagens, informações sobre a pesquisa na Unicamp; (2) Estimular uma aproximação da comunidade interna com a Inova para conexão com setor empresarial e com outras instituições públicas/ governamentais; (3) Buscar novas empresas parceiras, destacando o potencial de inovação da Universidade a partir de atividades direcionadas e baseadas na correlação entre competências de pesquisa e desafios/interesses tecnológicos e empresariais; (4) Estimular a aproximação com o governo e com organizações da sociedade civil para a elaboração de políticas públicas; (5) Envidar esforços para concretizar o Hub Internacional de Desenvolvimento Sustentável, principalmente em forma de laboratórios vivos na área da Fazenda Argentina; (6) Estudar formatos e modelos para viabilizar a instituição de novas personalidades jurídicas como laboratórios de inovação da instituição; (7) Estudar a criação de um formato simplificado e unificado para prestação de serviços de apoio a docentes, reduzindo a burocracia dos convênios e fortalecendo a conexão entre a Universidade e a Inovação; e (8) Buscar mecanismos de aproximação e interligação entre as atividades de pesquisa, ensino e extensão.

O custeio da área de saúde da Unicamp sempre foi motivo de preocupação por parte dos gestores da universidade. Qual a realidade atual e como pretende tratar dessa questão?

A Unicamp cumpre um papel importante na assistência à sociedade com uma sólida área da Saúde. Esse campo é constituído por várias unidades assistenciais, ligadas tanto à Universidade quanto ao Governo do Estado de São Paulo, trabalhando em parceria com as Unidades de Ensino, Pesquisa e Extensão (FCM, FOP, FEnf). Dentre as unidades assistenciais, destacam-se o Hospital de Clínicas (HC), o Hospital da Mulher (Casim), o Centro de Hematologia e Hemoterapia (Hemocentro), o Centro de Diagnóstico de Doenças do Aparelho Digestivo (Gastrocentro) e o Centro de Saúde da Comunidade (Cecom). Vale destacar que essa área tem atuado de forma exemplar no apoio à implementação e à consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS), propondo soluções regionais e nacionais para problemas de saúde pública, prestando serviços qualificados e capacitando profissionais para atuar na execução, planejamento e gestão dos serviços de saúde.

Contudo, todo esse contexto convive com problemas decorrentes da saturação crônica da capacidade de atendimento, incorporação de custos de novas tecnologias e dificuldades de financiamento. Uma questão relevante é a necessidade urgente de implementar modelos de gestão administrativa, orçamentária e financeira para proporcionar mais flexibilidade e assegurar a qualidade do ensino e dos serviços. A esse respeito, é notório que a captação e os repasses de verba por parte da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, relativos aos convênios administrados pela Unicamp, são insuficientes para suportar as demandas de custeio e de investimento.

Entendemos que é papel da Administração Central da Universidade buscar, junto aos órgãos públicos da saúde, ações que equacionem os vários problemas, vislumbrando, sobretudo, a definição de um modelo sustentado por financiamento para os hospitais universitários. Nesse sentido, a busca por alternativas de subsídio teve já resultado positivo com a criação da Fundação da Área de Saúde de Campinas (Fascamp), além de uma iniciativa consistente de filantropia da Funcamp. O compromisso da nossa gestão, portanto, é dar o apoio necessário para o reconhecimento de sua natureza de característica filantrópica assistencial. Mais especificamente em relação ao financiamento, entendemos que é necessário manter a participação financeira da área da saúde no orçamento da Universidade, de forma a prover condições básicas de funcionamento. Apoiaremos, de modo direto, ações que visam à busca por recursos que possibilitem a modernização tecnológica dos vários órgãos, bem como a sua manutenção e modernização predial.

Existe uma demanda na RMC pela oferta de novos cursos por parte da Unicamp, inclusive no período noturno. O seu plano de gestão contempla este aspecto? Se sim, que novos cursos poderiam ser oferecidos pela universidade?

Nossa proposta é promover a ampliação de vagas de graduação por meio da criação de novos cursos e do aumento de vagas em cursos existentes. Essa diretriz está alinhada à perspectiva da atual reitoria, que criou, ano passado, uma Comissão Especial com o objetivo de analisar e emitir parecer sobre a priorização das propostas de criação de novos cursos de graduação na Unicamp. Isso porque, das três universidades públicas paulistas, a Unicamp é a que oferece o menor número de vagas e cursos em relação à participação no montante de recursos públicos recebidos via ICMS. Trata-se, portanto, de uma política de graduação bastante desafiadora, que discutiremos ainda neste ano em nossa gestão, caso sejamos escolhidos pela comunidade.

O principal desafio é, indubitavelmente, a contratação de docentes para atender às demandas de criação dos cursos novos de graduação e de aumento de vagas nas graduações existentes, devido à quantidade de cargos de Professor Doutor e à insuficiência financeira. Para além da contratação docente, há também outras questões complexas, como infraestrutura (laboratórios, salas de aula, bibliotecas) e corpo mínimo de servidores/as PAEP. Contudo, acreditamos que podemos conjuntamente enfrentar esses desafios, pois já temos desenvolvido ações que possibilitam a criação de novos cursos. Nesse sentido, com base na proposta analisada pela Comissão Especial e discutida no nosso Conselho Universitário, pretendemos iniciar, ainda neste ano, a tramitação dos cursos de graduação em Direito, Fisioterapia, Farmácia (noturno), História (noturno) e Habilitação em Inglês (diurno e noturno). Entendemos que essas propostas de criação de novos cursos, de fato, refletem um esforço conjunto para enfrentar as limitações atuais e avançar na expansão de oferta de mais vagas e de cursos, com o intuito de atender às necessidades de nossa sociedade. Por isso, entendemos que essas iniciativas serão um passo importantíssimo na construção de uma universidade ainda mais diversa e em sintonia com as demandas da atualidade.

Nos últimos anos, a Unicamp ampliou as políticas de ação afirmativa e promoveu a inclusão de diferentes segmentos em seus cursos. Há espaço para novas medidas nesse sentido? Se sim, como o senhor pretende implementá-las, considerando que elas também exigem consistentes programas de permanência? 

Entendemos as ações afirmativas como iniciativas oriundas de políticas públicas e/ou privadas que têm intuito de promover a igualdade e de neutralizar os efeitos da discriminação e do preconceito de ordem racial, de gênero, de idade, de origem nacional ou compleição física. Dessa forma, o combate às desigualdades, sob a égide da diversidade, equidade e inclusão (DEI), resulta no estabelecimento de normas, regras, organização administrativa, pedagógica, ordem social e de representação destinada a promover a garantia de direitos à reparação histórica. A Unicamp tem realizado debates, atividades e ações coletivas, em diferentes instâncias, órgãos e espaços públicos, acerca da importância da institucionalidade de ações afirmativas, tendo em vista a promoção da representatividade de grupos minorizados: negros/as, indígenas, comunidade LGBTQI+, mulheres, pessoas com deficiência, entre outros. 

Nesse sentido, queremos reforçar nosso compromisso com a consolidação de uma política de medidas afirmativas pautada na diversidade, equidade e inclusão, cujas ações resultem em: a) combate ao racismo, preconceito e discriminação; b) ações anticapacitistas; c) práticas inclusivas.

Por meio da institucionalização de normativas, programas e iniciativas comprometidas com a consolidação da política de ações afirmativas da Unicamp, buscamos promover a integração indistinta da nossa comunidade, reconhecendo a diversidade existente entre todos os segmentos que a representam.

Frequentemente, a autonomia das universidades públicas é alvo de ameaças. Como reagir a esses ataques e como envolver a sociedade nessa questão?

Para além das oscilações conjunturais e da gestão anual dos orçamentos da universidade, há uma série de questões estruturais que se relacionam ao financiamento e à autonomia universitária. A primeira e mais importante se refere às mudanças que, necessariamente, ocorrerão ao longo dos próximos anos devido à Reforma Tributária - em fase final de regulamentação no Congresso Nacional. Para as universidades públicas paulistas, a principal alteração será a extinção do ICMS, substituindo-o (junto a outros impostos) por um Imposto sobre Valor Agregado dual, constituído por dois elementos: uma componente federal, chamada Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), e uma estadual, denominada Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Essa transição só começará, na prática, em 2029, e estará completa em 2033, mas o horizonte de desaparecimento do tributo ao qual as receitas da Unicamp estão vinculadas já está dado. Logo, isso também significa que as condições objetivas de funcionamento da autonomia orçamentária terão, necessariamente, que ser rediscutidas em um ambiente político pouco favorável às universidades públicas.

Um Grupo de Trabalho (GT) nomeado pelo Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp), com participação de representantes da Unicamp, elaborou, entre o final de 2023 e meados de 2024, uma proposta que preserva financeiramente e aumenta as garantias da autonomia. Ela consistiu em: (a) vincular os repasses às universidades não mais a um tributo específico, mas à carga tributária total do Estado; (b) estabelecer uma nova alíquota para esse novo parâmetro, no valor calculado de 8,67%; e (c) inserir a autonomia e o seu funcionamento na Constituição Estadual. Essa última medida superaria a fragilidade jurídica da autonomia, dependente desde 1989 de um decreto que, anualmente, é utilizado na LOA estadual.

O compromisso da nossa gestão é o de seguir atuante na defesa dessa proposta, operando junto ao Cruesp e ao governo do Estado por uma transição que preserve as conquistas da autonomia financeira e possa garanti-la em bases jurídicas mais sólidas. A proposta do GT seria a solução ideal, mas outras alternativas também estão na mesa e exigirão capacidade de negociação por parte da Reitoria da Unicamp.

Siga o perfil do Correio Popular no Instagram.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por