ENTENDA

Conheça os dois lados do dólar, a moeda valorizada

Moeda americana em patamar mais alto prejudica o consumidor e alimenta a inflação brasileira - mas ajuda quem exporta

Adriana Leite
02/08/2015 às 09:39.
Atualizado em 28/04/2022 às 17:59
Netto, da Matera Systems: empresa manteve seus negócios internacionais e agora aproveita a alta no dólar ( Janaína Ribeiro/ Especial a AAN )

Netto, da Matera Systems: empresa manteve seus negócios internacionais e agora aproveita a alta no dólar ( Janaína Ribeiro/ Especial a AAN )

A cotação do dólar nas últimas semanas sofreu uma escalada, com o câmbio encerrando a semana em R$ 3,425. Praticamente ao mesmo tempo, a Selic, taxa de juros oficial, subiu novamente neste mês e bateu em 14,25% ao ano. Os dois indicadores impactam preços, comércio exterior, empregos e investimentos. Na balança da economia, a elevação de dólar e dos juros traz prejuízos - mas também há quem saia ganhando com as altas. Os consumidores podem esperar por mais aumentos de preços, principalmente, dos produtos que dependem de insumos importados (quase todos). O crédito também ficará mais caro e mais difícil de acessar. Em compensação, as empresas que ainda mantiveram o fluxo de exportações projetam aumento de lucratividade e abertura de novos postos de trabalho.Economistas e empresários afirmaram que a alta dos juros e a escalada do dólar trará neste momento mais impactos negativos para a economia nacional. Mas a subida da cotação da moeda norte-americana também trará efeitos positivos com o fortalecimento da competitividade do produto brasileiro. O Banco Central adotou a alta da Selic como fórmula para tentar frear a inflação, mas até agora o dragão continua crescendo - alimentado, principalmente, pelos reajustes em preços administrados pelo próprio poder público, como as tarifas de energia elétrica, água e transportes. Em um ano, a Selic subiu 3,25 pontos percentuais, saindo de 11% ao ano para os atuais 14,25% ao ano. Na ponta, o reflexo é forte sobre as operações de crédito. Em Campinas, a última pesquisa sobre os juros cobrados do consumidor apontou que o Crédito Direto ao Consumidor (CDC) chegou a 115,32% ao ano em junho. O cheque especial bateu em 205,39% ao ano e o cartão de crédito atingiu 219,02% ao ano. Ruim parao consumidor, ruim para o comércio: as vendas a prazo registraram uma queda de 5,61% no primeiro semestre deste ano em relação a igual período do ano passado. BalançaA alta do dólar deve pressionar o custo de produtos com componentes importados. No Brasil, a gama de itens que têm insumos vindos de outros países é grande, desde o pãozinho da padaria (que depende do trigo importado) até equipamentos eletrônicos (que precisam de partes e componentes). Mas para as empresas que exportam o momento é favorável para aumentar a lucratividade e o faturamento. O CEO da Matera Systems, Carlos Augusto Leite Netto, afirma que a empresa se beneficia com a elevação da cotação da moeda norte-americana porque manteve os negócios internacionais. “Quando o dólar estava mais baixo e muitas empresas desistiram de exportar, nós mantivemos os negócios, ainda que o retorno fosse menor. Agora estamos nos beneficiando da nossa insistência”, comemora. As exportações respondem por 10% dos negócios da empresa. Ele salienta que poderia se beneficiar ainda mais da conjuntura se encontrasse mão de obra no mercado para atender a crescente demanda do mercado norte-americano por tecnologia. “A economia americana retomou o ritmo e novos negócios estão surgindo. O problema é que não conseguimos preencher as vagas de emprego pela falta de mão de obra qualificada. Em um momento que poderíamos dar um salto maior nas exportações ficamos limitados por falta de profissionais”, pontua. A Matera emprega 400 pessoas. Do outro lado da balança, está a empresa de Reginaldo Leite, a Prograve, que atua na área de mídia digital indoor e utiliza equipamentos importados. “Há seis meses o preço dos equipamentos disparou e tivemos que achatar as nossas margens para suportar a alta do dólar”, comenta o sócio-diretor. Ele diz que não teve como repassar para o preço dos serviços e produtos da empresa o vaivém da cotação da moeda norte-americana neste ano. “Não existe margem para reajustes e tivemos que absorver a oscilação para cima da moeda norte-americana. O dólar é um fator relevante nos nossos negócios. Um equipamento que comprávamos no início do ano por R$ 1.500,00 sai atualmente por R$ 2.100,00”, compara. O empresário pontua que a estratégia foi reduzir o estoque de equipamentos e comprá-los conforme feche pedidos. Leite afirma que outro fator ruim é a queda no fluxo de negócios. “Em 2013, a empresa cresceu 30%. No ano passado, mantivemos o ritmo do ano anterior. Mas no primeiro semestre deste ano já registramos uma queda de 20% no faturamento”, detalha. Ele salienta que a escalada do dólar nas últimas duas semanas só piora a situação. Para analistas, País tem condições de superar a criseOs analistas afirmam que o cenário é preocupante, mas que o País tem fundamentos sólidos e deve se recuperar - só que isso não deve acontecer tão cedo.Os economistas acreditam que o dólar continuará oscilando para cima nos próximos meses e que os juros também terão novos aumentos até o final deste ano. A Selic deve chegar nos 15% ao ano ainda em 2015. O professor de economia da IBE-Fundação Getúlio Vargas (FGV), João Mantoan, afirma que a economia brasileira passa hoje por solavancos gerados por uma gestão ineficiente e por uma crise política. “A alta do dólar e dos juros têm duas frentes para serem analisadas. No dólar, há o aspecto positivo de tornar os produtos brasileiros mais competitivos no Exterior. Exportar fica muito mais atrativo para as empresas brasileiras”, diz. O especialista salienta que as empresas devem observar as oportunidades de negócios e identificar potenciais mercados para os produtos nacionais. Mantoan acrescenta que, na outra ponta, a elevação do dólar encarece a importação de insumos e isso afeta o preço de produtos no Brasil. “Há ainda outro problema que é o encarecimento dos financiamentos de empresas brasileiras em dólar”, aponta. O professor do Curso de Administração da Faculdade Anhanguera, Milton Rodrigues Gonçalves, lembra que para as indústrias há benefícios e malefícios. “Como ainda somos muito dependentes de importações de insumos, especialmente em setores de alto valor agregado, o dólar alto vai encarecer os produtos. Já quem exporta vai ficar mais competitivo e poderá aumentar os lucros”. Ele salienta que os consumidores com viagem marcada para o Exterior vão gastar mais do que previam quando planejaram o passeio. “Quem já viajou e fez compras no cartão de crédito também vai sofrer com um aumento considerável da fatura. O brasileiro não tem uma educação financeira que permita absorver esses sobressaltos”, afirma. No caso dos juros, o especialista observa que a reação é imediata sobre o bolso do consumidor e das empresas com o encarecimento do crédito. “O crédito fica mais caro e mais escasso. Sem ter como financiar as compras, as pessoas param de consumir. O comércio já sente os efeitos do baixo crescimento econômico”, analisa. Ele ressalta ainda que sem ter como tomar crédito as empresas que têm queda nas vendas e demitem funcionários.O professor de graduação e pós-graduação de Economia e Finanças da Metrocamp (Grupo Ibmec), Fabrício Pessato, afirma que o Brasil é muito dependente das importações.“Desde petróleo, passando por bens intermediários importados principalmente da China, até os componentes das montadoras de veículos. Até a agricultura tem de importar parte expressiva de insumos agrícolas”, diz. Ele pontua que, assim, a alta do dólar terá impacto sobre os custos de produção da indústria. “Certamente, os aumentos serão repassados aos preços ao consumidor. E, portanto, tenderá a aumentar a inflação nos próximos meses”, avalia. A alta dos juros prejudica o rendimento da poupança, mas outros investimentos ganham com a Selic mais elevada. “Aplicações em renda fixa pós-fixada tendem a remunerar mais com a alta dos juros. O Tesouro IPCA também oferece boa remuneração nesse cenário de alta da inflação”, comenta. Para ele, com a alta da Selic, as atenções se voltam para o que acontecerá na política monetária dos Estados Unidos. “Se houver uma elevação dos juros por lá, poderá haver uma saída de dólares do Brasil atrás de aplicações mais seguras, o que é chamado de fuga para a qualidade”, afirma. 

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