COMBATE À VIOLÊNCIA

Comitê paulista cria site para defender vida dos adolescentes

Entre 2015 e 2020, 3.165 crianças e jovens foram assassinados no Estado São Paulo

Edimarcio A. Monteiro
14/05/2022 às 20:15.
Atualizado em 15/05/2022 às 10:09

Os pais de Thaís Fernanda Ribeiro acompanham audiência sobre o assassinato da filha adolescente pelo namorado (Gustavo Tilio)

O Comitê Paulista pela Prevenção de Homicídios na Adolescência (CPPHA) lançou o site “Pela Vida de Adolescentes” (www.pelavidadeadolescentes.com.br), que reúne ações e propostas para o enfrentamento da violência letal contra crianças e adolescentes. O conteúdo é voltado a gestores públicos e entidades da sociedade civil interessadas no tema.

Entre 2015 e 2020, 3.165 crianças e adolescentes foram assassinados no Estado de São Paulo, de acordo com o CPPHA. O Comitê é formado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Governo de São Paulo e Assembleia Legislativa paulista. O relatório divulgado pelo órgão mostra uma queda de 32% na violência letal nesse período, com o número de mortos caindo de 258, em 2015, para 243 em 2020.
Os números envolvem casos de homicídio, latrocínio e lesão corporal seguida de morte, tendo por base os dados levantados da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP-SP). 

“Milhões de crianças nascem e crescem em territórios diretamente afetados pela violência - em especial a violência armada -, com pouco ou nenhum acesso a serviços públicos, sujeitas a uma superposição de violações e privações de direitos. O site do CPPHA nos ajudará a dar ainda mais visibilidade ao tema", afirma Adriana Alvarenga, chefe do escritório do Unicef em São Paulo.

O Comitê busca incentivar a inclusão de ações de prevenção à violência nas políticas públicas. Para a Unicef, "a proteção à vida de adolescentes demanda um olhar interdisciplinar, intersetorial e multissetorial. O CPPHA é uma importante iniciativa para a construção de uma agenda efetiva de prevenção à violência letal de adolescentes paulistas".

Isolamento social

Para Rita Kather, professora da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), "não podemos naturalizar a violência". Ela considera que as ações, como as do Comitê, "servem como alerta para que pais e trabalhadores preservem a nossa adolescência. É um trabalho que vai impactar no futuro".

A psicóloga acredita que o isolamento social em virtude da pandemia de covid-19 "pode ter influenciado" na queda nas mortes de crianças e adolescentes em 2020. Para ela, "os adolescentes não podem ser considerados como miniadultos. Eles têm características próprias desse período da vida."
Segundo a professora, os jovens são altamente influenciados por relações pessoais, redes sociais e práticas violentas e os educadores e pais precisam atuar como filtros dessa intervenção exterior. Para ela, a morte de criança ou adolescente, além de representar a perda de uma vida, desestrutura a família.

Interferência no setor público

O padre Antônio Rodrigues Alves, da Paróquia São Marcos Evangelista, também defende a adoção de políticas públicas para evitar que adolescentes sejam vítimas de violência e aliciamento pelo crime organizado. "A ausência do Estado deixa o indivíduo potencialmente vulnerável ao aliciamento por uma organização criminosa", afirma.

O Jardim São Marcos é um bairro conhecido pela influência do tráfico de drogas naquela região. "É preciso políticas públicas de prevenção à tragédia da violência sexual, aliciamento pelo crime organizado e envolvimento dos jovens com as drogas, até mesmo as liberadas, como o álcool", defende o pároco. Para ele, a prevenção é a melhor forma de combater o problema. "Não adianta chegar atirando. É preciso praticar ações humanizadas", que evitem o contato das crianças e adolescentes com a violência. Padre Alves aponta ainda que a sociedade deve priorizar a vida humana, “não se pode aceitar a morte violenta como uma coisa normal. Toda a vida é importante".

Violência mora ao lado

A banalização da vida abre espaço para que o autor do homicídio esteja mais próximo do que se imagina. Em dezembro de 2021, um homicídio por motivo fútil chocou a região. Uma adolescente de 14 anos foi assassinada pelo tio e enterrada em uma canavial em Itapira. 

O pedreiro Gabriel Tiago Polentini, de 39 anos, assumiu a autoria do homicídio e justificou que sentiu-se humilhado pela vítima, que o teria chamado de "corno". 

A jovem foi morta com dois golpes de faca no peito. O acusado, que foi preso, enterrou o corpo em um bairro da zona rural da cidade. Polentini responde na Justiça por homicídio duplamente qualificado (por motivo fútil e dificultar a defesa da adolescente) e ocultação de cadáver.

Tinha apenas 15 anos

Entretanto, a elucidação do caso e a punição do autor não aliviam a dor da família. "O resultado do julgamento foi um tapa na cara da família", lamentou o mecânico de bicicletas Delfino José Ribeiro, que teve a sua filha caçula assassinada há três anos, em maio de 2019.

Thaís Fernanda Ribeiro foi morta com 11 tiros pelo ex-namorado Lucas Henrique Siqueira Santana. Em novembro de 2021, ele foi julgado e condenado pela Justiça a 18 anos de prisão. O julgamentofoi anulado este mês pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que atendeu recurso do Ministério Público pelo júri desconsiderar o crime como feminicídio. 

Um novo julgamento foi marcado para o dia 25 de agosto. Delfino Ribeiro disse ter ficado revoltado pelo fato de, na sentença, a morte da filha ter sido considerada um caso de homicídio simples. "Não tem um dia em que acorde e não me lembre dela", garante. 

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