TECNOLOGIA

Com pequeno aparelho de inteligência artificial, óculos se tornam ‘falantes’

Equipamento converte textos em áudio, auxiliando na inclusão de pessoas cegas ou com baixa visão

Edimarcio A. Monteiro/ [email protected]
06/08/2022 às 10:26.
Atualizado em 08/08/2022 às 15:19
Renata Bonaldo, de 17 anos, utiliza aparelho disponibilizado pela Escola Sesi de Valinhos, ao lado sua mãe, Alessandra Bonaldo e a diretora do Sesi de Valinhos, Marta Gonzaga (Dominique Torquato)

Renata Bonaldo, de 17 anos, utiliza aparelho disponibilizado pela Escola Sesi de Valinhos, ao lado sua mãe, Alessandra Bonaldo e a diretora do Sesi de Valinhos, Marta Gonzaga (Dominique Torquato)

Um pequeno aparelho dotado de inteligência artificial que transforma óculos em objetos “falantes” e “inteligentes” está se difundindo no País para ajudar na inclusão social e equidade de pessoas cegas ou com baixa visão. É o OrCam MyEye, importado de Israel, que converte em áudio, automaticamente, o texto impresso em qualquer superfície, seja papel, metal, madeira ou em tela de computador. Na região, a Escola Sesi de Valinhos é a primeira a disponibilizar o equipamento.

Uma aluna da unidade de Valinhos é uma das 31 que estão utilizando o recurso na rede de ensino do Serviço Social da Indústria, formada por 142 instituições de educação no Estado de São Paulo. O aparelho é cedido até o estudante encerrar o curso. Ao sair, ele é devolvido para ser repassado para outro aluno. 

Leve e pequeno — pesando 22,5 gramas, com tamanho de 7,6 cm por 2,1 cm —, o equipamento é um pouco maior do que um pen-drive. Consiste em um scanner, que é acionado com um gesto simples: apontar o texto na altura dos olhos do usuário. A conversão em áudio é feita sem a necessidade de conexão à internet e é transmitida para o usuário por um minúsculo alto-falante do aparelho ou por meio de fone de ouvido. 

O equipamento é portátil e facilmente instalado em qualquer armação de óculos com o uso de uma fita magnética. “Para mim, ajuda bastante na leitura, principalmente de livros em casa”, diz a estudante Renata Vitória Bonaldo, de 17 anos, que está no 3° ano do ensino médio e se prepara para prestar vestibular em Nutrição. 

Nascida aos 5,5 meses de gestação, ela sofreu retinopatia de prematuridade, ficou totalmente cega de um olho e conseguiu recuperar parte da visão do outro após duas cirurgias. Mesmo assim, ela possui apenas a visão central, perdeu a periférica, e tem astigmatismo e miopia, usando óculos de 3,5 graus.

Além do ensino médio, Renata faz cursos de jovem aprendiz e técnico de alimentos no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), ficando continuamente com a vista cansada devido à baixa visão. É, principalmente, em situações como essa que os óculos “falantes” fazem a diferença.

“Essa tecnologia ajuda muito, promove a equidade e dá mais autonomia na escola ou fora dela para alunos cegos ou com baixa visão”, defende a diretora do Sesi de Valinhos, Marta Leardini Gonzaga. “Esse equipamento novo só vem a somar para a aprendizagem dela, para que tenha um futuro ainda melhor”, afirma Alessandra Aparecida Bassetto Bonaldo, mãe de Renata, e que atua há 23 como professora. 

Os óculos “inteligentes” são caros, custam R$ 14,9 mil no Brasil. A estudante de Valinhos, que o utiliza desde abril, explica que o aparelho não faz a leitura de letra cursiva (de mão) ou fontes rebuscadas, como a morning glory ou moscato script, usadas normalmente em cartazes ou convites.

Expansão do uso

A Prefeitura de Campinas avaliou e definiu pela compra de algo em torno de 80 unidades do OrCam MyEye para disponibilizar na rede municipal, onde estudam 48 alunos cegos ou com baixa visão, bibliotecas e até usar na alfabetização de adultos. “A discussão em torno da importância da tecnologia já está fechada. Falta apenas autorizar a compra”, diz o coordenador de Suprimentos da Secretaria Municipal de Educação, Expedido Ribeiro de Carvalho Júnior. Segundo ele, os aparelhos poderão estar disponíveis já a partir do próximo ano.

O equipamento, lançado há quatro anos, já é usado em 800 municípios brasileiros e em 50 países, de acordo com o sócio-diretor da empresa que tem exclusividade de importação para o Brasil, Doron Sadka.

Mais de 500 mil no Brasil

No País, há 582 mil cegos e 6 milhões de pessoas com baixa visão, aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “O OrCam MyEye proporciona, como ferrramenta de visão artificial, o acesso à informação onde a pessoa estiver”, afirma o empresário.

Além de escolas municipais, na cidade de São Paulo, foram disponibilizados 54 óculos na rede de bibliotecas, um no Centro Cultural São Paulo e dois na Biblioteca Mário de Andrade. Escolas estaduais, municipais e universidades privadas ou públicas nos Estados de Minas Gerais, Goiás, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Amazonas também utilizam os óculos “inteligentes”. 

Além do português, o aparelho comercializado no País também é configurado para converter em áudio os textos em inglês e espanhol, mas sem realizar a tradução. 

Ao ser acionado pelo usuário, o equipamento também pode fazer o reconhecimento facial, de cores, cédulas de real, dólar e euro, e produtos que podem estar pré-cadastrados na memória ou serem incluídos a partir de fotografias feitas.

Para o coordenador do Instituto Campineiro do Cego Trabalhador (ICCT), Sandro Acosta, o alto preço do OrCam MyEye é um aspecto negativo. Ele acrescenta que os smartphones podem ser configurados para converter os textos em áudio e há aplicativos para notebooks e computadores pessoais com a mesma função. Porém, o recurso não se aplica a textos impressos.

Para Acosta, mais importante do que disponibilizar tecnologia é dar autonomia para as pessoas com deficiência. “Nós temos curso de reabilitação em que as pessoas aprendem desde a cozinhar, como mexer no fogão, a se deslocar utilizando a bengala e a utilizar o transporte coletivo”, afirma. Atualmente, o ICCT atende 70 pessoas.

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