Equipamento converte textos em áudio, auxiliando na inclusão de pessoas cegas ou com baixa visão
Renata Bonaldo, de 17 anos, utiliza aparelho disponibilizado pela Escola Sesi de Valinhos, ao lado sua mãe, Alessandra Bonaldo e a diretora do Sesi de Valinhos, Marta Gonzaga (Dominique Torquato)
Um pequeno aparelho dotado de inteligência artificial que transforma óculos em objetos “falantes” e “inteligentes” está se difundindo no País para ajudar na inclusão social e equidade de pessoas cegas ou com baixa visão. É o OrCam MyEye, importado de Israel, que converte em áudio, automaticamente, o texto impresso em qualquer superfície, seja papel, metal, madeira ou em tela de computador. Na região, a Escola Sesi de Valinhos é a primeira a disponibilizar o equipamento.
Uma aluna da unidade de Valinhos é uma das 31 que estão utilizando o recurso na rede de ensino do Serviço Social da Indústria, formada por 142 instituições de educação no Estado de São Paulo. O aparelho é cedido até o estudante encerrar o curso. Ao sair, ele é devolvido para ser repassado para outro aluno.
Leve e pequeno — pesando 22,5 gramas, com tamanho de 7,6 cm por 2,1 cm —, o equipamento é um pouco maior do que um pen-drive. Consiste em um scanner, que é acionado com um gesto simples: apontar o texto na altura dos olhos do usuário. A conversão em áudio é feita sem a necessidade de conexão à internet e é transmitida para o usuário por um minúsculo alto-falante do aparelho ou por meio de fone de ouvido.
O equipamento é portátil e facilmente instalado em qualquer armação de óculos com o uso de uma fita magnética. “Para mim, ajuda bastante na leitura, principalmente de livros em casa”, diz a estudante Renata Vitória Bonaldo, de 17 anos, que está no 3° ano do ensino médio e se prepara para prestar vestibular em Nutrição.
Nascida aos 5,5 meses de gestação, ela sofreu retinopatia de prematuridade, ficou totalmente cega de um olho e conseguiu recuperar parte da visão do outro após duas cirurgias. Mesmo assim, ela possui apenas a visão central, perdeu a periférica, e tem astigmatismo e miopia, usando óculos de 3,5 graus.
Além do ensino médio, Renata faz cursos de jovem aprendiz e técnico de alimentos no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), ficando continuamente com a vista cansada devido à baixa visão. É, principalmente, em situações como essa que os óculos “falantes” fazem a diferença.
“Essa tecnologia ajuda muito, promove a equidade e dá mais autonomia na escola ou fora dela para alunos cegos ou com baixa visão”, defende a diretora do Sesi de Valinhos, Marta Leardini Gonzaga. “Esse equipamento novo só vem a somar para a aprendizagem dela, para que tenha um futuro ainda melhor”, afirma Alessandra Aparecida Bassetto Bonaldo, mãe de Renata, e que atua há 23 como professora.
Os óculos “inteligentes” são caros, custam R$ 14,9 mil no Brasil. A estudante de Valinhos, que o utiliza desde abril, explica que o aparelho não faz a leitura de letra cursiva (de mão) ou fontes rebuscadas, como a morning glory ou moscato script, usadas normalmente em cartazes ou convites.
Expansão do uso
A Prefeitura de Campinas avaliou e definiu pela compra de algo em torno de 80 unidades do OrCam MyEye para disponibilizar na rede municipal, onde estudam 48 alunos cegos ou com baixa visão, bibliotecas e até usar na alfabetização de adultos. “A discussão em torno da importância da tecnologia já está fechada. Falta apenas autorizar a compra”, diz o coordenador de Suprimentos da Secretaria Municipal de Educação, Expedido Ribeiro de Carvalho Júnior. Segundo ele, os aparelhos poderão estar disponíveis já a partir do próximo ano.
O equipamento, lançado há quatro anos, já é usado em 800 municípios brasileiros e em 50 países, de acordo com o sócio-diretor da empresa que tem exclusividade de importação para o Brasil, Doron Sadka.
Mais de 500 mil no Brasil
No País, há 582 mil cegos e 6 milhões de pessoas com baixa visão, aponta o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “O OrCam MyEye proporciona, como ferrramenta de visão artificial, o acesso à informação onde a pessoa estiver”, afirma o empresário.
Além de escolas municipais, na cidade de São Paulo, foram disponibilizados 54 óculos na rede de bibliotecas, um no Centro Cultural São Paulo e dois na Biblioteca Mário de Andrade. Escolas estaduais, municipais e universidades privadas ou públicas nos Estados de Minas Gerais, Goiás, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Amazonas também utilizam os óculos “inteligentes”.
Além do português, o aparelho comercializado no País também é configurado para converter em áudio os textos em inglês e espanhol, mas sem realizar a tradução.
Ao ser acionado pelo usuário, o equipamento também pode fazer o reconhecimento facial, de cores, cédulas de real, dólar e euro, e produtos que podem estar pré-cadastrados na memória ou serem incluídos a partir de fotografias feitas.
Para o coordenador do Instituto Campineiro do Cego Trabalhador (ICCT), Sandro Acosta, o alto preço do OrCam MyEye é um aspecto negativo. Ele acrescenta que os smartphones podem ser configurados para converter os textos em áudio e há aplicativos para notebooks e computadores pessoais com a mesma função. Porém, o recurso não se aplica a textos impressos.
Para Acosta, mais importante do que disponibilizar tecnologia é dar autonomia para as pessoas com deficiência. “Nós temos curso de reabilitação em que as pessoas aprendem desde a cozinhar, como mexer no fogão, a se deslocar utilizando a bengala e a utilizar o transporte coletivo”, afirma. Atualmente, o ICCT atende 70 pessoas.