Anderson Oliveira percebeu uma redução nas vendas de ovos: "A opção, que era mais barata para o consumidor, não está mais tão em conta e fica difícil encontrar uma alternativa" (Kamá Ribeiro)
Por conta de questões climáticas e do conflito armado na Ucrânia, a produção e oferta de ovos sofreram quedas, enquanto os preços registram uma curva ascendente de altas no Brasil. Queridinho dos brasileiros, o encarecimento do alimento, fonte de proteína mais acessível - aliado à escassez dele no mercado -, afeta diretamente a qualidade nutricional dos campineiros com condições financeiras precárias.
Este é o caso de Nauricelia Costa, empregada doméstica, de 46 anos. "Está cada vez mais difícil. Toda vez que chego no mercado, os preços estão diferentes, mais caros. Eu percebo o aumento no preço do ovo, mas também do tomate, cebola... Todos os produtos têm subido muito. Fazer compra anda muito difícil, tem que fazer substituições conforme o preço", reclama.
Para a dona de casa, Evanice Sabino, de 52 anos, o preço do ovo já vem encarecendo nos últimos anos. "Está muito caro. Então, a gente precisa substituir a proteína do ovo por outros legumes que possam fazer essa compensação", comenta.
Assim como Evanice e Nauricelia, a cuidadora de 59 anos, Débora da Cruz, também tem percebido os reajustes nos alimentos, mas principalmente em relação aos ovos. "O preço está subindo e muito. Então, fica difícil ir para o mercado e escolher o que levar para casa. Os ovos, que sempre ajudaram, por serem uma mistura mais barata, perderam essa qualidade, porque já não são mais tão baratos. A gente recorre para as embalagens menores, de R$ 2,50, mas vem tão pouco... A gente precisa fazer milagre na cozinha. Haja criatividade!", disse.
Gabriela Ciria, autônoma, de 35 anos, conta que tem reduzido o consumo de ovos e compra apenas quando encontra alguma promoção. Além disso, ela, como alternativa, investe em "colorir o prato com verduras e legumes" que estão mais acessíveis.
O analista de contabilidade, Alexandre Bertuol, de 30 anos, também sentiu o alta do alimento no bolso. "A carne está o olho da cara e o ovo, que era mais acessível, está ficando caro também", lamenta.
O que diz o comércio
O comerciante Roberto Mekaro, de 47 anos, aponta que o encarecimento dos preços dos ovos ocorre, principalmente, por conta do clima. "Na época de seca e calor, aumenta o custo para criar a ave e, desse modo, o ovo fica mais caro. Até a Semana Santa, os preços habitualmente são mais caros, mas, depois, ele se estabiliza e até cai um pouco", explica.
Nivaldo Kinjo, comerciante, de 57 anos, concorda que o preço do alimento está mesmo em curva crescente, mas observa que houve uma estabilidade do final do ano de 2022 para o começo deste ano por conta da melhora nos índices de chuva. No entanto, ele avalia que isso não está afetado as vendas, porque ainda é a opção de proteína mais barata.
Por outro lado, o comerciante, de 35 anos, Anderson Oliveira, percebeu uma redução nas sua vendas. "A opção, que era mais barata para o consumidor, não está mais tão em conta e fica difícil encontrar uma alternativa para suprir essa necessidade. Aqui na minha loja, a comercialização do ovo caiu bastante depois da pandemia", analisa.
O que explica a situação?
Primeiro, é preciso pontuar que o Brasil passa por um momento mais otimista que os Estados Unidos e os países europeus, que vivenciam um período de escassez de ovos. Nos EUA, isso acontece, devido à gripe aviária que, de acordo com o Departamento de Agricultura, levou a óbito cerca de 4% a 5% de aves poedeiras.
A Europa, que obtém a maior parte dos grãos que servem como ração da Ucrânia e da Rússia - sendo esta também uma das principais fornecedoras de energia -, com a guerra, passou a perceber a alta crescente desses produtos, o que prejudica a comercialização dos ovos.
No Brasil, o problema não é a falta do ovo, mas há uma redução da quantidade, repercutindo numa alta do preço frente ao alto consumo do produto. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a falta de chuva em 2020 fez com que a safra de milho daquele ano e no seguinte fosse 16% menor do que o anterior. Dessa forma, o preço do grão aumentou e a produção de ovo diminuiu - situação que não foi estabilizada desde então.
"A criação de aves depende desse tipo de insumo (milho) e, como tivemos uma crise hídrica de 2020 para 2021, você tem um impacto direto no preço e na quantidade do milho que é a matéria-prima para a ração de aves. Faltando esse produto, consequentemente, pela lei da oferta e da demanda, o preço sobe e gera um desestímulo para o criador de aves, que arca com custo mais alto. Isso leva a redução da oferta de ovos no mercado", explica o professor de economia Fabrício Pessato.
De acordo com a Associação Brasileira de Proteína Animal, houve uma queda de 5% na quantidade do alimento proteico em 2022 em relação ao ano anterior. A previsão para 2023 é a de um recuo para 2%. Segundo o economista, o país está passando por um "processo de recuperação", principalmente, com a melhora dos índices pluviométricos.
O especialista ainda explica que a guerra na Ucrânia também pode afetar a produção e os preços dos ovos aqui. "Se o produtor está com uma sobrinha de milho e consegue direcionar para a exportação, acaba faltando ainda mais o produto para abastecer o mercado nacional, o que acaba gerando um desestímulo para a produção de aves e ovos", pontua.
Fabrício também explica que casos como esse do ovo podem ser evitados com "estoques reguladores" do governo, que servem para evitar as oscilações bruscas dos preços dos alimentos. "De 2016 para cá, lá no período do Temer, começou um desmonte do uso do aparelho do Estado nos estoques reguladores, que era a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Com isso, a gente fica dependendo das condições climáticas e de outras questões que estão fora do nosso controle", comenta Pessato.