NA REGIÃO DE CAMPINAS

Com lixo, Usina Paulínia Verde gera energia a 300 mil pessoas

Cerca de 5,5 mil toneladas de 30 municípios são transformadas em eletricidade

Edimarcio A. Monteiro/ [email protected]
12/11/2022 às 09:26.
Atualizado em 12/11/2022 às 09:26
A energia elétrica é produzida pela Usina Termelétrica Paulínia Verde (UTE), que utiliza como matéria-prima o biometano gerado a partir da decomposição do lixo das cidades (Rodrigo Zanotto)

A energia elétrica é produzida pela Usina Termelétrica Paulínia Verde (UTE), que utiliza como matéria-prima o biometano gerado a partir da decomposição do lixo das cidades (Rodrigo Zanotto)

As 5,5 mil toneladas de lixo produzidas por cerca de 30 municípios da região de Campinas estão dando origem à eletricidade suficiente para abastecimento de 300 mil pessoas. A energia elétrica é produzida pela Usina Termelétrica Paulínia Verde (UTE), que utiliza como matéria-prima o biometano gerado a partir da decomposição dos detritos de cidades como Campinas, Americana, Hortolândia, Paulínia, Sumaré, etc.

A unidade entrou em operação comercial em maio e já no mês seguinte atingiu a capacidade máxima de produção instalada de 22 megawatts de energia, dos quais 6,3 MW são destinados a alimentar os motores de funcionamento da usina de forma praticamente autossuficiente e 15,7 MW são disponibilizados para a rede de distribuição de energia.

A quantia vendida para o Sistema Elétrico Brasileiro, por meio de contrato assinado com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), é suficiente para atender em torno de 300 mil pessoas, o equivalente a toda a população de uma cidade do porte de Sumaré, o que representa 10% dos moradores da Região Metropolitana de Campinas (RMC).

A Usina Termelétrica Paulínia é uma joint venture entre a Mercurio Partners, o Grupo Gera e a Orizon Valorização de Resíduos, proprietária do Ecoparque Paulínia. Esse é o nome dado para o empreendimento que muda todo o antigo conceito de aterro sanitário, que deixa de ser um local onde o lixo das cidades é despositado e coberto com terra. O Ecoparque transforma os detritos — provenientes até mesmo da pia das casas — em um negócio rentável, que associa preservação ambiental a uma fonte limpa e renovável de geração de energia.

A primeira

A Usina Termelétrica Paulínia Verde é a primeira da Orizon — que opera 12 ecoparques no País — a produzir eletricidade com biometano. Ele surge a partir da purificação do biogás coletado em 500 poços e canalização numa área de 1,8 milhão de metros quadrados do aterro.

“O biometano é como se fosse a gasolina aditivada e o biogás, a comum”, compara o gerente de operações da empresa, o engenheiro ambiental Diogo Arantes. Ele explica que o biometano, que tem uma purificação de 93%, gera mais calor, o que aumenta sua eficiência.

No processo de limpeza, são eliminados ou reduzidos o gás carbônico (CO2), vapor de água (H2O), sulfeto de hidrogênio (H2S), amônia (NH3) e outros gases que aparecem em proporções menores de 1%. Desses, o único combustível surgido pela decomposição do lixo é o gás metano, que recebe o nome de biometano após o processo de purificação. Além de gerar eletricidade, ele também é comercializado em sua forma natural e pode ser usado como matriz energética por qualquer cliente que utiliza o gás natural, de indústrias a residências.

A joint venture investiu R$ 180 milhões na instalação da termelétrica de Paulínia, que ficou pronta em seis meses. A UTE foi uma das vencedoras do leilão realizado pela Aneel em 2021. A usina é a primeira térmica do leilão emergencial (PCS 2021) a entrar em operação. Em março passado, o biometano ganhou apoio do governo federal como componente essencial na garantia da segurança energética do Brasil.

Para o secretário adjunto da Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia, Pietro Adamo Sampaio, o País tem capacidade de atingir o patamar de produção de 120 milhões de metros cúbicos (m³) por dia de biogás. Segundo ele, a commodity não está sujeita à volatilidade internacional de preços, como ocorre com combustíveis fósseis derivados do petróleo negociados em moedas estrangeiras.

O governo federal estima que serão investidos R$ 7 bilhões na utilização do biogás e biometano na geração de energia elétrica até 2027. Segundo a Aneel, o País tem atualmente capacidade instalada para produzir 94.990 quilowatts-hora (kW) de geração distribuída (GD), termo utilizado para a geração de eletricidade a partir de fontes de energia renovável, como solar fotovoltaica, eólica, hídrica, biogás, entre outras.

Uso no mundo

No caso específico do biogás, a Alemanha é a líder mundial na geração de eletricidade a partir dessa fonte, com uma capacidade de 7.459 MW, segundo a Agência Internacional para as Energias Renováveis (Irena, na sigla em inglês de International Renewable Energy Agency). É praticamente 18 vezes mais do que a do Brasil, que hoje é de 417,2 MW.

De acordo com a Irena, a capacidade mundial de geração de energia elétrica com a fonte biogás no ano 2000 era de 2.455 MW. Durante as últimas duas décadas, houve uma expansão do número de termelétricas no planeta, atingindo a capacidade instalada de 20.150 MW em 2020. Sete países (Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido, Itália, China, França e Brasil) concentram 73,8% das plantas de produção de energia elétrica a partir do biogás no mundo.

O Brasil é um dos países com o maior potencial de produção de energia com base nessa fonte. Segundo estimativa da Associação Brasileira de Biogás e Biometano (Abiogás), o País pode alcançar 84,6 bilhões de metros cúbicos por ano. Porém, em 2019, a produção foi de 1,8 bilhão de m³, ou seja, 2,13% do potencial. A entidade avalia que de 2020 a 2027 o mercado deverá crescer 14,7%. Em 2030, a estimativa é que alcance 11 bilhões de m³ anuais, com o total de usinas saltando das 548 registradas em 2019 para cerca de 1.000 plantas.

Desperdício

Até o início dos anos 2000, o biogás no Brasil era simplesmente incinerado para evitar o risco de explosão em aterros sanitários e, assim, seu valor como fonte de energia era desperdiçado. Na época, esse potencial podia ser visto literalmente sendo queimado no aterro de Perus, na Grande São Paulo, às margens da Rodovia dos Bandeirantes, usado para receber lixo de 1979 a 2007. Durante seus 28 anos de atividade, recebeu o depósito de aproximadamente 35 mil toneladas de lixo provenientes da cidade de São Paulo.

A Orizon tem planos para implantar a purificação do biogás nos outros ecoparques que opera em todo o País, todos com potencial de geração de energia renovável e comercialização do biometano. A estimativa é que as 12 unidades receberão mais de 8 milhões de toneladas de resíduos este ano, gerados por mais de 30 milhões de pessoas.

Para Paulínia, observa o gerente de operações, há previsão para ampliar a produção de energia elétrica e “exportá-la” para outros Estados e regiões. As aspas são porque a eletricidade não é transmitida diretamente para esses locais, mas pode ser vendida.

Com isso, uma cliente de Manaus (AM), localizado a 3.800 quilômetros de distância, por exemplo, pode usar esse crédito para abater no seu gasto mensal. A vantagem para o comprador é a possibilidade de adquirir uma energia mais barata e economizar. Arantes observa, porém, que a efetivação do investimento dependerá da garantia de conseguir vender a eletricidade produzida a mais. 

Ecoparque

O Ecoparque Paulínia é um dos seis maiores do Brasil e gera cerca de 270 empregos. De acordo com o gerente, toda a sua operação é focada na responsabilidade ambiental. Além de receber o lixo e produzir energia elétrica, a unidade faz coleta seletiva mecânica do material reciclável, tem usina de compostagem para produção de fertilizante verde e vende créditos de carbono, o que é feito a partir da queima do CO2 gerado pela decomposição do material.

O Ecoparque mantém ainda um centro de educação ambiental aberto para visitação de estudantes e entidades sociais, mediante agendamento, interessados em conhecer seu funcionamento. Segundo Arantes, somente este ano recebeu 2,5 mil alunos de escolas da região.

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