Proteína bovina passou a ser considerada como item de luxo para muitas famílias; até restaurantes têm mudado o cardápio devido ao preço da carne
O proprietário de uma churrascaria no bairro Cidade Singer, Nílson Alves, teve de reduzir a margem de lucro para manter as vendas de marmitex, prato-feito e self-service; “Não tenho como cortar as opções de carne. O tomate subiu, mas tenho que oferecer na salada sem repassar para o preço” (Rodrigo Zanotto)
A inflação dos alimentos, que levou a cesta básica em Campinas a atingir o valor recorde de R$ 801,04 em março, tem feito com que parte da população tenha necessitado deixar de adquirir e consumir produtos mais caros. A carne bovina, que em um ano subiu 27,17%, de acordo com a pesquisa realizada pelo Observatório PUC-Campinas, saiu do cardápio da dona de casa Simaria da Silva Sobrinho, moradora do Jardim Campo Belo I. O quilo da proteína bovina passou de R$ 38,24, em abril de 2024, para R$ 48,63, no mês passado, apontou o levantamento mensal feito em 28 supermercados.
O valor é oito vezes mais alto em comparação aos R$ 5,98 do suã suíno que a consumidora pretendia comprar ontem no açougue do bairro onde reside. Porém, não encontrou o produto para fazer o almoço para ela, o marido e o filho. A opção foi levar a coxinha de frango, pelo qual pagou R$ 16 o quilo. “Esse preço já está bastante alto, fora do que eu pretendia gastar”, reclamou Simaria Sobrinho. Para ela, carne bovina virou artigo de luxo. “Subiu muito, não tem condição”, lamentou.
A família tem como única fonte de renda o salário do marido, que trabalha como pedreiro. “Ainda bem que não falta trabalho para ele. O que dá, ele faz”, explicou a dona de casa. A proteína bovina também saiu do prato do pintor Adilson Carlos. Ele foi até uma banca de frutas, legumes e verdura do Jardim Campituba para comprar repolho, para fazer uma salada, e maçã. A hortaliça seria servida com tomate para complementar o arroz e o feijão, acompanhado de filé de merluza. “O que temos comido agora é peixe ou frango, para ter alguma carne. Deus provém e não deixa faltar alimento”, disse o pintor, como um louvor à refeição do dia.
Desempregado há um ano e meio, o ajudante geral Luís Felipe dos Anjos Jesus apontou que o salário que está deixando de receber faz falta no orçamento da família. “Já passamos algumas dificuldades. A propriedade é para as despesas da casa, aluguel, água e luz”, contou. Ele mora no Jardim Itaguaçu com os pais e a avó. A renda se resume hoje ao salário da mãe como empregada doméstica e à pensão recebida pela avó, enquanto o pai briga na Justiça para tentar se aposentar.
SUPÉRFLUO E COMÉRCIO
A alimentação da família é garantida basicamente pelas doações de cestas básica. Quando acaba o café, por exemplo, a família abre mão até a chegada de outro donativo. O produto é um dos que mais encareceram na pesquisa feita pelo Observatório PUC-Campinas, com alta acumulada de 83,36% em 12 meses. “O que eu deixo de ganhar faz falta em casa. Não dá para sair gastando”, resumiu Luís Felipe Jesus.
O tomate, com altas de preço consecutivas desde dezembro passado, passou a ser um artigo supérfluo para a família. O quilo médio do produto saltou de R$ 6,05 para R$ 11,36 em março, diferença de 87,77% em três meses. A variação é muito superior ao aumento da cesta básica, que em 2025 acumula alta média de 7,72%, enquanto nos últimos 12 meses ficou em 6,85%. Ou seja, entre janeiro e março, a elevação superou o reajuste de 7,5% do salário mínimo, que passou de R$ 1.412 em 2024 para os R$ 1.518 atuais.
A alta dos alimentos mexeu também com o cardápio dos estabelecimentos comerciais. Um restaurante no Jardim Fernanda reduziu as opções de carne bovina dos pratos-feitos e marmitex. Antes, eram cerca de três. Agora, são uma ou duas opções, e buscando as mais baratas. Se tornou mais rara a oferta das chamadas carnes de primeira, como contrafilé e alcatra. O cartaz na porta anunciava costela com mandioca e iscas de fígado acebolado, ao lado de estrogonofe de frango, frango frito e feijoada, prato vendido por um preço maior.
ALTERNATIVAS
“Antes nós tínhamos filé à parmegiana e contrafilé com fritas duas, três vezes na semana. Agora é muito difícil, somente quando achamos promoção. Carne a R$ 59 o quilo não dá”, explicou a proprietária do estabelecimento, Mirela Oliveira da Cruz. Em relação a esses pratos, a comerciante reduziu a compra de quatro produtos com altas significativas nos preços: carne, tomate, batata e o queijo muçarela. “A mudança no menu foi para não repassar todo o aumento e afastar os clientes”, admitiu a proprietária do restaurante. Mesmo assim, o estabelecimento não deixou de majorar os pratos. Desde janeiro, a marmitex pequena, por exemplo, é vendida a R$ 19, contra R$ 17 do mês anterior, alta de 11,76%.
O proprietário de um açougue no Jardim Campo Belo I estimou a redução em 30% na venda de carne desde julho passado, quando o produto iniciou a fase de altas consecutivas. “As pessoas estão levando mais frango, carne suína, salsicha e linguiça”, pontuou Rafael Menezes. “A carne bovina subiu muito”, completou.
O proprietário de uma churrascaria no bairro Cidade Singer, Nílson Alves, teve de reduzir a margem de lucro para manter as vendas de marmitex, prato-feito e selfservice, as opções oferecidas pela casa. “O ideal é que o preço do quilo da carne fosse inferior ao do self-service, mas não tem como manter isso.” Atualmente, a opção coma à vontade tem o preço de R$ 32, aumento de 166,67% em relação ao preço praticado na inauguração do estabelecimento, em 2018. A variação da inflação oficial nesse período foi de 47,37%, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Quando o preço era de R$ 12, a minha margem de lucro era maior do que agora”, comparou Nilson Alves. “Não tenho como cortar as opções de carne. O tomate subiu, mas tenho que oferecer na salada sem repassar para o preço”, completou.
PRÁTICAS
Para tentar driblar os aumentos de preço, os consumidores e donos de restaurante têm recorrido a práticas da época de inflação alta. As mais comuns são buscar promoções e fazer pesquisas de preço, evitando a fidelidade a um único estabelecimento ou fornecedor. “De vez em quando, acho contrafilé ou alcatra a R$ 39 o quilo, mas é muito difícil”, destacou Mirela Cruz. São nessas oportunidades que elas voltam a entrar na lista de pratos do restaurante.
“Substituir está difícil. Está tudo muito caro, até o ovo subiu muito”, lembrou a dona de casa Jandira Bento. Ficou no passado tempo em que cartela com 20 ovos era vendida a menos de R$ 10. Hoje, o preço chega a R$ 24, dependendo do estabelecimento. “Essa inflação dos alimentos é um grande problema”, admitiu o economista Pedro de Miranda Costa, coordenador da pesquisa da cesta básica do Observatório PUC-Campinas. “Mais do que nunca, para o consumidor, o que vale a pena é ficar correndo atrás de ofertas e pesquisar preços para escapar dessa ciranda”, completou.
É o caso, por exemplo, da diferença de 22,28% no preço da batata em dois supermercados situados a 770 metros distância no bairro Taquaral. O produto era vendido nessa terça-feira a R$ 7,99 o quilo em um estabelecimento, enquanto em outro saía por R$ 9,77. “Fazer esse acompanhamento é jogar nas costas do consumidor uma responsabilidade que não é dele, mas é o que está na mão para o consumidor se defender”, analisou Pedro Costa.
Para ele, que também é professor da PUC-Campinas, a tendência é de uma redução dos preços dos alimentos neste ano em fundação da safra ser maior em comparação a 2024, o que pode beneficiar o consumidor. No entanto, as exceções são o café e a carne, cujos preços internos são influenciados por queda na produção e aumento das exportações. No caso do tomate, o preço o preço disparou por causa do período de entressafra, com a tendência de, pelo menos, estabilizar com a chegada da safra de inverno.
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