ENTREVISTA

Cirurgia plástica resiste aos abalos da pandemia

Cirurgião Eduardo Lintz revela como setor passou quase ileso pela crise

Thiago Rovêdo
08/05/2022 às 09:12.
Atualizado em 08/05/2022 às 09:12
O cirurgião plástico Eduardo Lintz durante visita à sede da Rede Anhanguera de Comunicação, onde concedeu entrevista exclusiva ao Correio Popular para falar sobre estética e saúde (Gustavo Tilio)

O cirurgião plástico Eduardo Lintz durante visita à sede da Rede Anhanguera de Comunicação, onde concedeu entrevista exclusiva ao Correio Popular para falar sobre estética e saúde (Gustavo Tilio)

Apesar do período de pandemia da covid-19 ter abalado diversas estruturas no Brasil, inclusive causando danos que levarão anos para retomar ao ritmo normal, este não é o que ocorreu com o ramo da cirurgia plástica. Essa é a avaliação feita pelo cirurgião plástico Eduardo Lintz, durante visita ao presidente-executivo do Correio Popular, Ítalo Hamilton Barioni. O médico tem clínicas em Campinas e São Paulo, que atuam tanto no ramo da estética quanto reparadoras.

Atualmente, Eduardo Lintz é chefe do Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital do Coração em São Paulo. O médico ressaltou que a pandemia chegou a paralisar os trabalhos durante o seu início, mas, após uma estabilizada, e com a segurança mais garantida, a procura pelo trabalho estético ou reparador voltou até com mais força.

Lintz também realizou dois anos de residência de Cirurgia Geral no Hospital da PUC-Campinas e foi residente de Cirurgia Plástica, por um ano, no Instituto Nacional do Câncer. Em seguida, ingressou na residência do Serviço de Cirurgia Plástica de Ivo Pitanguy, um dos maiores nomes da medicina e referência mundial em cirurgia plástica. Ele também preside a Associação de Ex-alunos do Prof. Ivo Pitanguy.

Conte como o sr. começou na medicina?

Meu avô por parte de pai era médico. Ele era formado no Rio. Eu tive pouco contato com ele como médico. Ele morreu quando eu tinha seis e infelizmente não tivemos esse contato. Diretamente, foi uma opção desde criança. Aquela coisa de quero ser médico, quero ser médico. Eu fiz na PUC-Campinas, onde entrei com 17 anos e me formei com 23 anos. Eu fiz a residência geral aqui também por dois anos e fui para o Rio, onde fiquei um ano no Instituto Nacional de Câncer e mais três anos no Instituto do Ivo Pitanguy. Eram seis estrangeiros e seis brasileiros. Então era bastante interessante. Dos 12, ficamos dois na clínica. Eu e uma mulher, que ficou no consultório e eu no centro cirúrgico, para ajudar na parte técnica da medicina. Quando me formei, eu vim para São Paulo, porque quando eu estava no Rio, já operava aqui. Eu era indicado por pacientes que eram atendidos na clínica. No final do terceiro ano de residência, eu já tinha um cem números de pacientes. Moramos em São Paulo por 11 anos, onde minhas duas filhas nasceram. No final de 2013, vim para Campinas onde mantenho uma outra clínica também. Ficamos aqui, minhas filhas estudaram aqui a parte da escola. A mais nova, que tem 15 anos, falou que vai ser médica. Ela me disse que vai ser neurocirurgiã. 

Como o sr. descobriu que gostava de cirurgia plástica?

Funciona assim na faculdade. O estudante vai se identificando com as áreas. Dificilmente você vai dizer que optou por fazer determinada área. Você se identificou com aquela área. Temos contato com todas as áreas na universidade e a identificação pode ser clínica ou cirurgia, e esse segundo caso foi minha identificação. Eu acho que é um pendor mesmo, porque é uma escolha para a vida. É muito interessante que dá para ver na personalidade da pessoa se ela vai para clínica ou se ela vai para cirurgia. Tem áreas na medicina que tem que gostar de gente e a plástica é uma delas. E gostar de gente saudável, para não ter que conviver com o sofrimento. Não que eu não vá atender alguém que cair na minha frente e minhas filhas, por exemplo, sabem disso. Eu acabo sofrendo muito com aquele paciente doente. Então é uma identificação somada com habilidade. Não adianta querer ser cirurgião se não souber operar. E dentro das áreas cirúrgicas, estão com crianças e adultos, tanto na parte reparadora quanto estética. E depois acaba se identificando com uma alguma área. Mas passa por traumas, reconstrução, parte estética, etc. O despertar disso, para mim, foi interessante. Todo sábado eu ia na maternidade assistir cirurgias quando eu estava no terceiro ano. Eu vi uma reconstrução de mama e achei a técnica espetacular. E quando resolvi pela plástica, além da reparadora, eu tinha um pendor pela estética. Eu sabia que tudo o que eu iria fazer, além de reparar, tinha que ficar bonito. Então minha residência casou tudo isso.

O que é a cirurgia plástica para o sr.?

Quando eu era residente lá, ficava de plantão e fazíamos plantão no Hospital do Câncer, que é uma unidade muito grande. Lá, o que mais fazia eu sofrer era a unidade de criança. Eu chorava mesmo de ver aquele sofrimento, porque é muito impactante. Por outro lado, também consegui ir para a clínica do professor Pitanguy e aprender a somar reparação e estética. Lá eu tratava muito de queimados, sob o aspecto de melhorar nem que fosse um centímetro. Aprendi que nunca posso prometer uma cura completa, mas nunca posso tirar a esperança completa. Aprendi isso com o professor Pitanguy. Há muitos estigmas de práticas muito exageradas, então temos que ter cuidado mantendo a abordagem mais ética. Porque quando passar, a pessoa vai ficar com a mudança no corpo. Saúde é plenitude física e emocional. A plástica podendo atuar no tratamento ou restituição de uma forma permitida é nobre. Se for melhorar esteticamente algo que incomoda a pessoa e vai ajudar ela ter uma melhora da autoestima também é digno.

Como acontece o primeiro atendimento da cirurgia plástica?

De uma forma geral, o paciente já vem com uma ideia. Atualmente as redes sociais trazem informações que vão dar embasamento aos pacientes para saberem o que existem. O que acontece é que quando perguntam o que eu deveria fazer, eu não respondo. A não ser é claro que seja uma cicatriz decorrente de acidente ou queimadura, então isso é óbvio. Ou então indicamos algumas intervenções que são necessárias para o resultado que a pessoa quer. Por isso eu também contraindico cirurgias. Às vezes a pessoa vem com o rosto de algum famoso e diz 'quero ficar assim'. Às vezes ela quer o sucesso daquela pessoa ou a pessoa, e nesse caso eu já deixei de fazer cirurgia. 

A parte psicológica é trabalhada como na cirurgia plástica?

No Rio de Janeiro a gente tinha uma avaliação psicológica pré-operatória. Aqui, temos uma avaliação e indicação que fazemos, mas tem que ser de um jeito muito específico. Quando a pessoa está com um apoio familiar, fica mais fácil, porque falamos sobre ansiedade e outros quadros. A pessoa não se vê na sua realidade, ela acha que tem mais acumulo de peso do que realmente tem. Tive uma paciente que operei o nariz e ela não gostou. Indiquei para um otorrino e mostrei a foto do nariz que ela desejava. Ela adorou. Mas aquele nariz na verdade era o dela, que ela não tinha gostado anteriormente. Acho que o serviço de apoio é interessante sim, tem que estar no nosso radar. Outra coisa que a gente vai aprendendo com o tempo é não operar quem a gente diagnosticar na hora que a pessoa não está pronta para ser feliz. Aquele nariz é o motivo pelo qual ela não consegue determinada conquista. Depois do nariz, ela segue infeliz e não gostou do nariz. Outro é o paciente que não sorri. Eu não opero. Porque se você vai em uma agência de turismo marcar uma viagem, você vai sorrindo e não vai reclamar do tempo de viagem. A plástica trata de gente saudável, que está em busca de mudança. A pessoa faz plástica porque está bem. Se não estivesse bem, ela não faria.

Como é o pós-operatório?

Há o tempo de inchaço, que normalmente começa a diminuir mesmo depois de três meses. Mas há partes do corpo que levam até mais tempo. Até que ocorra isso, indicamos a drenagem linfática, associado ou não a alguns aparelhos estéticos. A reavaliação é de um período de três até seis meses. O índice de aprovação é alto, mas como não somos perfeitos, pode ocorrer uma revisão ou um pedido para avançar mais na lipo, por exemplo. A ansiedade tem que ser lidada por mim e pelo paciente neste período. Há tempos e limites que devem ser respeitados.

Como foi o período de pandemia para a cirurgia plástica?

No começo, por conta daquele medo, todos os pacientes de abril ligaram e desmarcaram. Tinham medo de ir ao hospital, de usar os leitos, da mistura e etc. Em um segundo momento, os hospitais estavam sendo orientados a não disporem dos leitos para manterem vagas para os pacientes de covid-19. Conforme foi sentido que os hospitais estavam dando conta e os pacientes estavam trabalhando de casa, inclusive com diversas reuniões on-line, houve um aumento de procura por procedimentos não cirúrgicos, como aplicações, preenchimentos. Paralelamente, pessoas que estavam se sentido seguras voltaram a fazer. Houve um certo represamento no começo da pandemia, mas depois também houve um processo acelerado da procura dos serviços. Mas se for pegar no ano de 2020, o nosso número de cirurgias não caiu em relação aos anos anteriores. Claro que fizemos com todo cuidado, com um fluxo de segurança contra a covid-19 bem estabelecido. Onde nós utilizamos para as cirurgias não teve nenhum caso de covid.

Como o sr. avalia o exagero cometido por algumas pessoas na cirurgia plástica?

O botox propriamente dito é um produto que se coloca na musculatura para tirar o efeito e evitar rugas. Os efeitos que vemos em exagero são os preenchimentos, mas tudo vira botox no imaginário comum. Os preenchimentos podem ser utilizados com produtos mais comuns ou com alguns que são proscritos. Esses exageros ocorrem por que? Com tanto que se faça um pouco, está ótimo. Mas na ânsia de evitar uma cirurgia, seja pelo paciente ou pelo médico, e acaba evitando um corte, mas acaba ocorrendo exagero. Preenchimento é bom? Sim, mas quando utilizado de forma correta. 

O que mais é buscado hoje em dia?

De uma forma geral, é mais estética. O que fazemos mais, no Brasil e no mundo, são próteses mamárias de estética e lipoaspiração. Mamas e abdome logo após a gestação. Na nossa clínica em especial o que fazemos mais que outros médicos é rosto. Por conta da própria escola da qual sou formado, acabou sendo aplicado na prática por mim. Há residências médicas que não passam por esse aprendizado. Além de ter por gosto. Eu por exemplo faço mais a face. Enquanto no outros consultórios, esta parte chega a 10% do total, eu chego a fazer 50% na minha clínica. Por semana, fazemos entre oito e dez procedimentos. Há dias que preciso separar para os consultórios e os dias que separo para a cirurgia. Então faço mais de uma por dia. Meu limite por cirurgia é de seis horas no máximo. Mas normalmente são procedimentos rápidos.

Qual é o perfil do paciente que procura a cirurgia plástica com o sr.?

A nossa paciente clássica é mãe, de dois filhos, com alterações comuns da gestação e não necessariamente logo após o parto. Mas em algum momento chega explicando que a filha mais velha tem nove anos, o mais novo quatro, já emagreceu tudo o que podia. Eu acho muito nobre essa procura e por que não oferecer às mães a oportunidade de se restabelecer como ela quer? A autoestima melhora. É bem comum mesmo essa abordagem, desde que seja feito no tempo fácil, com o peso que a mulher ache ideal. Nós vamos ajudar a melhorar tudo o que ela quiser. A mama cumpre sua função biológica na amamentação, mas sabemos que ela é importante para a feminilidade. Então, se ela quer, por que não podemos fazer as intervenções que a mãe quer? Essa paciente de contorno corporal é a mais comum na nossa clínica.

Existe algum limite de idade para fazer cirurgia?

Eu acho que tem dois aspectos. A idade mínima, por exemplo, em uma orelha abano, tem que ser com seis anos, porque é quando ela está se formando. Em uma rinoplastia, quando a pessoa já terminou o crescimento. Fazemos até um exame da idade óssea para ver se o paciente realmente está apto mesmo para o procedimento. Já a idade máxima realmente não existe e só depende das condições clínicas. Não havendo problemas cardiológicos, de infecções ou enfermidade incapacitante, não há problema. Tenho uma história de uma paciente que fez a primeira cirurgia de próteses mamarias com 73 anos. Lembro que era uma senhora alta e toda elegante. Depois com 75 anos, ela aumentou as mamas de novo. Ela tinha saúde, estava feliz e na época estava com propósitos que a incentivavam a fazer.

Falamos de exageros faciais e temos uma dúvida. Há histórias de pessoas que tiram costela para ficar com a cintura fina. Isso é verdade ou lenda?

Eu já ouvi falar nisso também. Eu nunca vi e eu acho que isso é um absurdo. Porque é uma mutilação e em segundo lugar, se formos pensar a anatomicamente não é a última costela que vai afinar a cintura. Existe um acúmulo de gordura, e no caso de mulheres, isso ocorre principalmente depois da gestação para dar energia para amamentar. 

Há também uma tendência a busca por corpos naturais?

Há sim o explante mamário. Muita das vezes é porque as pessoas pensam que é por conta de medo de desenvolver a chamada doença do silicone. Ou também quando ficam mais velhas, depois na menopausa, também retiram a prótese. Não querem mais, acham que já cumpriu o seu papel. E acho isso tudo muito certo. Mas não precisa ter uma aversão à prótese. As pessoas precisam entender que é seguro. 

Quais são os principais medos? 

Tem uma síndrome que é uma resposta inflamatória induzidas por adjuvantes. Essa Doença do Silicone, como ela é popularmente chamada, foi inicialmente descrita depois da Guerra do Golfo em soldados americanos. E o que eles têm com isso? Eles receberam vacinas com base em alumínio. E o que são adjuvantes? Alumínio, próteses mamárias, preenchimentos, enfim, qualquer um deles. Em algumas mulheres houve relatos de alteração, que na minha opinião podem ser causadas por doenças autoimunes também. São sintomas inespecíficos. Não há um exame que ligue diretamente o silicone a essas patologias. Quem tem uma pré-disposição genética para doença autoimune, existe uma precaução especial para essas pessoas. Tem estudos interessantes que mostram a segurança das próteses. Então, se a pessoa tirou a prótese e está feliz, é lícito e digno. Mas estimular outras pessoas a fazerem o mesmo eu não acho válido. Falo muito disso, porque ao longo da história já houve vários momentos dizendo que prótese causaria câncer, depois linfoma e mostravam casos específicos que eram claramente ligados a características genéticas e não com a intervenção em si.

E para finalizar. O que o sr. gosta de fazer quando não está trabalhando?

Eu gosto muito de esquiar. Vamos todo ano com minhas filhas. Eu vou para o Colorado, nos Estados Unidos. Eu também jogo bola, mas não sou um craque. É só para rever os amigos mesmo. Uma das minhas filhas é mais esportista que eu, joga bola, hockey. Gosto de me divertir fazendo essas atividades.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por