Programação gratuita segue no MIS, na Estação Cultura, entre outros espaços
O evento apresenta um cronograma diversificado, englobando atividades como desfile de moda, mostras artísticas, rodas de conversa, aula de dança, entre outras expressões culturais (Alessandro Torres)
Campinas testemunhou o registro de 150 denúncias de crimes motivados por LGBTQIA+fobia no ano passado, conforme anunciado pelo Centro de Referência LGBT da cidade (CR LGBT). Este número, em si, carrega uma carga significativa e adquire ainda mais importância quando contextualizado mundialmente. De acordo com o relatório de 2023 da Transgender Europe (TGEU), que monitora dados globalmente obtidos por instituições trans e LGBTQIA+, entre outubro de 2022 e setembro do ano passado, 321 pessoas foram vítimas de assassinatos em todo o mundo.
É alarmante observar que quase três quartos (74%) de todos os assassinatos registrados globalmente ocorreram na América Latina, sendo que quase um terço (31%) do total global teve lugar no Brasil. Mantendo o país como líder mundial em registros de assassinatos de pessoas trans pelo 14º ano consecutivo, o Brasil carrega o título indesejável de epicentro desses trágicos acontecimentos.
Esses dados ressaltam de forma contundente a urgência de ações destinadas a enfrentar a discriminação, e é nesse contexto que a II Semana de Visibilidade Trans assume um papel de destaque. Iniciada nesta segunda-feira (22) e programada até a próxima segunda-feira (29), a semana não se resume apenas a um conjunto de atividades, mas representa uma resposta essencial e impactante aos desafios enfrentados pela comunidade trans.
A programação é gratuita e abrangerá diversos espaços culturais da cidade, incluindo o Museu da Imagem e do Som (MIS), Estação Cultura, Ginásio Municipal Poliesportivo Dep. Nabi Abi Chedid, entre outros. Alexandre Sonego de Carvalho, coordenador do MIS, destacou o papel do museu ao receber e acolher todos os movimentos, enfatizando a importância da iniciativa em criar espaço e acolher diversas expressões artísticas, incluindo aquelas da comunidade trans.
"A iniciativa surgiu da mobilização da sociedade civil e de diversas iniciativas. Temos uma programação que visa facilitar esse processo de abertura e acolhimento aos diversos movimentos culturais e expressões artísticas, incluindo, especialmente, a comunidade trans", ressaltou Carvalho.
O evento, promovido por coletivos, organizações e ativistas da população trans da cidade, conta com o apoio da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo. O tema escolhido, "TRANSbordando vida e direitos para 2024", tem como objetivo tornar visível, integrar e fortalecer a comunidade trans por meio de atividades físicas, culturais, espaços de troca e articulação de políticas públicas e afirmativas.
Suzy Santos, representante da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e presidente/fundadora da Casa sem Preconceitos, destacou o respaldo da Secretaria de Cultura e ressaltou a importância de envolver a população com a comunidade trans em um contexto cultural mais abrangente. "Muitas vezes, a população só tem acesso a notícias sobre pessoas trans em situações de calçada, por exemplo. O propósito da Semana de Visibilidade é mostrar à população exposições, danças, documentários e diversas formas de arte produzidas exclusivamente por pessoas trans."
Ao estabelecer a conexão entre a prefeitura e os diversos coletivos, Suzy obteve resultados positivos. Antonia Moreira, do coletivo Ateliê TRANSmoras, compartilhou sua experiência: "Normalmente, focamos em eventos menores no início do ano devido à agenda. No entanto, ver tanta gente engajada nos motivou a participar dessa semana tão especial."
Dentre os demais coletivos envolvidos na organização da Semana de Visibilidade estão: Casa sem Preconceitos, Ateliê TRANSmoras, IBRAT Campinas, Núcleo de Consciência Trans da Unicamp - NCT, Casa Transvyada, Coletivo TransNBmasc, Coletivo Pogonas.
Suzy reforçou a necessidade de apoio de políticas públicas para a população trans. "Iniciativas como essa são importantes porque precisamos do apoio dos órgãos públicos para reforçar nossas políticas na área de saúde e educação. Espero que as pessoas possam compreender nossas causas e reconhecer as áreas que são negligenciadas, abraçando assim essa causa."
A busca por incluir mais pessoas foi evidenciada por Milena Maximo, frequentadora do MIS, que compareceu a uma das exposições da programação para entrar em contato com os coletivos e artistas trans. "Eu conheço o MIS e sempre participo dos eventos culturais realizados aqui. Com o movimento trans, tive contato recentemente por meio de exposições e vim exatamente para me integrar mais, conhecer pessoas dentro do movimento e ampliar meu círculo de conhecidos na cena trans."
ARTISTAS CONVIDADOS
Além da exposição de talentos, toda a estrutura do evento é composta por pessoas trans, destacando o compromisso com a representatividade e inclusão. Paul Parra, artista visual e produtor cultural, desempenhou um papel crucial ao assumir a curadoria do evento.
"Começamos a organizar esse evento no mês passado. Fazia quatro anos que não nos reuníamos, e foi uma honra receber esse convite da Suzy para colaborar com os coletivos. O que aprecio nas representações artísticas de pessoas trans é a capacidade de abordar diversas temáticas para além do recorte que vivemos. Aqui, falaremos sobre fantasia e amor. Quem vier conferir as obras expostas entenderá mais sobre os artistas e não apenas o recorte ao qual são rotineiramente associados", ressaltou Paul.
O evento apresenta um cronograma diversificado, englobando atividades como desfile de moda, mostras artísticas, rodas de conversa, aula de dança, autocuidado corporal, oficina de vogue, kikiball, oficina de capoeira, queimada, sarau e oficina de canto. Nomes proeminentes da cena artística local, como Kara Catharina, não apenas se apresentaram no segundo dia do evento, mas também contribuíram ativamente para a organização.
Kara compartilhou sua trajetória e visão sobre sua participação no cenário cultural e em organizações.
"Comecei minha transição em 2015, após entrar em contato com a cultura drag. Amadureci minha identidade e, mesmo antes da transição, buscava construir outros universos possíveis. A transição veio como uma forma de me construir de uma maneira autêntica."
A ativa participação de Kara em organizações remonta ao período em que se identificava como homem gay, evidenciando uma continuidade natural após sua transição. Para ela, a arte é uma poderosa ferramenta na conquista de espaço e visibilidade para as causas trans. Kara destaca a importância da semana como meio de iluminar questões críticas, como o acesso contínuo a medicamentos caros, essenciais para a saúde da comunidade trans.
"Nós temos o poder de olhar para nós mesmos e nos tornarmos aquilo que sonhamos. A conquista do nosso espaço surge a partir da arte. A semana nasceu de um lampejo de várias pessoas trans na cidade, e acredito que seja uma maneira de iluminar nossas causas, como a falta, por exemplo, de remédios de uso contínuo, que por vezes são escassos e representam uma medicação onerosa, indispensável para uso constante e que não pode ter sua administração interrompida."
O Dia Nacional da Visibilidade Trans, em 29 de janeiro, marcará o encerramento da semana com um ato simbólico de entrega de cartas contendo demandas para as secretarias de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos, Cultura e Turismo, e Saúde.
ACOLHIMENTO
Em meio a esses desafios, o Centro de Referência LGBT de Campinas (CR LGBT) desempenha um papel crucial. Com uma equipe composta por psicólogos e profissionais de assistência social, o CR LGBT não apenas recebe denúncias, mas oferece o apoio necessário diretamente às vítimas.
Por meio de ações específicas, o centro busca contribuir para a quebra de paradigmas e preconceitos sociais, visando a dignidade de todos. Os serviços abrangem acolhimento, escuta ativa, orientação, acompanhamento, encaminhamentos, além de um comprometimento efetivo no enfrentamento à violência, preconceito e discriminação relacionados à orientação sexual e identidade de gênero.
Essa abordagem abrangente destaca a importância não apenas de documentar os casos, mas de agir proativamente na promoção de uma sociedade mais inclusiva e respeitosa. Para efetuar denúncias, a população pode utilizar os seguintes telefones: 100, que é o canal do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania; pelo 0800 771-8765; e também por meio de denúncias presenciais na Rua Talvino Egídio de Souza Aranha, 47, Botafogo, Campinas.
Siga o perfil do Correio Popular no Instagram.