Médica serve de inspiração em campo tradicionalmente dominado por homens
Cezira Ortega: residente do primeiro ano de pediatria na Escola Paulista de Medicina, em São Paulo, em 1971 (Rodrigo Zanotto)
Aos 79 anos, Cezira Maria M. Ortega, pediatra formada pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é uma referência na medicina. Em meio a décadas de uma carreira marcada por conquistas, ela serve como inspiração em um campo tradicionalmente dominado por homens.
Recordando os primeiros anos de sua prática, a pediatra enfrentou obstáculos, como o estigma do lugar das mulheres na sociedade da época: "Fui da terceira turma de medicina da Unicamp, que na época era chamada de Ciências Médicas. Lembro que na aula inaugural de 1965, nosso diretor expressou a crença de que o lugar das mulheres deveria ser em casa, sugerindo que estávamos tirando as oportunidades dos meninos daquela época. Éramos 17 mulheres em uma turma de 70 alunos", relembra.
Após concluir sua graduação, Cezira continuou sua formação, tornando-se residente do primeiro ano de Pediatria na Escola Paulista de Medicina, em São Paulo, em 1971. Foi durante esse período que ela teve a oportunidade de conhecer seu futuro marido, Enrique Ortega, um engenheiro químico mexicano que veio para Campinas na época devido a demandas da universidade.
"Meu tio fornecia ônibus para a universidade na época e em uma das excursões eu estava lá ajudando a servir café da manhã, pois isso era oferecido aos participantes. Foi então que meu marido se aproximou e me perguntou como se fazia café. Na sequencia, ele me convidou para jantar com ele", relembra.
Após se casarem, em janeiro de 1972, Cezira e Enrique retornaram ao México. No entanto, após apenas três dias no país, partiram para Los Angeles (EUA), onde realizaram um curso de Produção de Alimentos Proteicos na Fundação Meals for Millions.
Ao voltarem ao México, a busca de Cezira por aprimoramento a levou a uma residência em Pediatria no Hospital General de Salubridad y Asistencia, na Cidade do México, onde permaneceu de 1973 a 1976. Durante esse período, ela obteve a revalidação do CRM do Brasil para exercer a medicina em todos os estados da República Mexicana, concedida pela Secretaria de Governação do México.
Em 1977, após aprovação em concurso público, iniciou sua atuação como pediatra na clínica do Instituto Mexicano do Seguro Social, na Cidade do México, DF. Dois anos depois, em 1979, ingressou como médica pediatra na Cooperativa Médica Unimed Campinas, onde continuou seu comprometimento com a saúde infantil.
Cezira também ressalta as mudanças significativas na prática médica que testemunhou ao longo de sua carreira: "Durante meus estudos, observei uma transformação notável na abordagem médica. De um enfoque restrito em doenças como desnutrição, pneumonia e diarreia, passamos para uma compreensão mais abrangente das causas e tratamentos. Isso incluiu o reconhecimento de que nem todas as diarreias eram causadas por parasitas, o que impulsionou o crescimento do estudo da gastroenterologia pediátrica, abrangendo questões como intolerâncias alimentares, como lactose e glúten, além de doenças mais raras.".
Apesar dos avanços, a pediatra relembra momentos desafiadores: "Infelizmente, muitas crianças faleciam devido a doenças como a púrpura trombocitopênica idiopática, uma condição terrível que ainda requer cuidados meticulosos no tratamento até hoje. O diabetes infantil também representava uma ameaça significativa, assim como algumas infecções.".
Durante o surto de meningite em 1971, enquanto trabalhava no Hospital Emílio Ribas durante uma pandemia, faz a pediatra recordar da importância das vacinas e do rápido tratamento com antibióticos para salvar vidas: "Acredito firmemente na importância das vacinas e nunca hesitaria em recomendar a um pai que vacine seu filho".
Ao longo dos anos, sua experiência e habilidades foram reconhecidas, levando-a a integrar o Corpo Clínico da Real Sociedade de Beneficência Portuguesa de Campinas, entre 1981 e 2008, onde exerceu com excelência a medicina pediátrica.
Além disso, dedicou-se ao atendimento no Pronto Socorro do Hospital Municipal Dr. Mário Gatti, em Campinas, de 1986 a 2006, e atuou como médica pediatra em diversas unidades de saúde da região.
Seu compromisso com a saúde infantil também se estendeu à cidade de Paulínia, SP, onde trabalhou como Médica Pediatra de Centro de Saúde da Prefeitura Municipal de 2003 a 2013, além de atuar como plantonista do Pronto Socorro de Pediatria no Hospital Municipal de Paulínia, SP, de 2013 a 2020.
Sobre sua trajetória de aprendizados, a pediatra faz questão de destacar os colegas Silvia Brandalise e José Martins Filho.
"Talvez eu tenha aprendido essa resiliência com colegas como Silvia e, como ela, meu maior estímulo é ver o sorriso no rosto das crianças. Já o Dr. José Martins Filho, teve um impacto significativo na medicina preventiva. Ele foi pioneiro em garantir acesso à saúde para todas as camadas sociais, mudando esse cenário. A Dra. Silvia, por sua vez, dedicou-se incansavelmente a trazer novas terapias para o Brasil, especialmente no tratamento do câncer infantil. Sua atuação na hematologia beneficiou inúmeras crianças e suas famílias, organizando eventos e arrecadando fundos para fornecer tratamentos eficazes".
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