Fábio Muzetti explica que um grupo de arquitetos, incluindo Toninho, queriam transformar o Pátio Ferroviário em uma praça cívica interligada a trens vindos de várias regiões (Ricardo Lima)
O crescente fechamento de lojas no comércio do Centro de Campinas é reflexo direto de um conjunto de fatores — como a falta de um projeto urbanístico, o esvaziamento de prédios públicos do local, preços dos estacionamentos, aumento de moradores de rua —, agravados pela crise econômica dos últimos anos, pela pandemia da covid-19 e, mais recentemente, pela alta da inflação. Essa foi a avaliação apresentada na quinta-feira (19) por representantes da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Estadual de Campinas (PUC-Campinas), da Associação Comercial e Industrial de Campinas (Acic) e da Comissão de Revitalização do Centro de Campinas na Câmara Municipal. O assunto voltou à tona nesta semana, após a publicação da reportagem do Correio Popular no sábado passado, dia 14, sobre a nova onda de fechamentos no comércio da região central.
Segundo eles, a crise econômica provoca desemprego, queda da produção e de vendas, gerando também endividamento de consumidores, comerciantes e produtores, além de causar outros impactos como o aumento da população vulnerável e de moradores de rua. Com isso, a região do Centro - que já vinha sofrendo um processo de esvaziamento - tornou-se cenário de um clima de abandono, vazio e degradação que aumenta a cada ano.
Fábio Muzetti, diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Campinas, disse que a falta de um projeto urbanístico para a região central é um dos fatores geradores dessa realidade. "Esse esvaziamento do Centro em Campinas não começou nos tempos atuais. Ele começou nos anos 70 e 80. Não é um fenômeno exclusivo da cidade, pois ocorreu o mesmo em metrópoles da Europa e de outros locais do mundo", explicou o urbanista.
O esvaziamento teve origem com a falta de investimento do poder público. "O Estado começou a faltar nas questões de segurança, no fim da ditadura militar, e não estabeleceu políticas para o combate à violência nas grandes metrópoles", disse. "Além disso, as pessoas passaram a ter acesso fácil ao uso de carros, junto com o desenvolvimento urbano e o crescimento da indústria automobilística", comentou.
Esses fatores juntos reforçaram a tendência de esvaziamento das regiões centrais das cidades. "Surgiu, com isso, a construção de shoppings em regiões mais afastadas e um processo de descentralização começou a ser aplicado. O comércio e os serviços qualificados, garantindo segurança, conforto e espaço para estacionamento, passaram a ser atrativos e afastaram a população da região central", explicou.
Outro fator afastou o Centro. "Ao mesmo tempo, teve início um processo de construção de condomínios residenciais fechados. Ou seja, moradia, comércio e serviços passaram a ser procurados fora do Centro e, na mesma onda, a iniciativa privada e o poder público começaram a sair também da região central", afirmou.
Muzetti exemplificou com fatos verificados em Campinas. "Ocorreram mudanças da Câmara dos Vereadores para o bairro da Vila Marieta, do Fórum da Justiça para a Cidade Judiciária no bairro Jardim Santana, do Poupatempo para um shopping no Jardim do Lago, da Justiça do Trabalho para o bairro Nova Campinas, e do Ministério Público do Trabalho para o bairro Alphaville", disse.
Segundo o urbanista, a cidade cresceu de maneira desordenada e nada foi realizado pelo poder público. "No final dos anos 90, a cidade de São Paulo sofreu com o mesmo problema de esvaziamento e algumas medidas foram adotadas para revitalizar. Um movimento foi iniciado e houve o retorno de autarquias e da Prefeitura para o Centro de São Paulo. Por isso, os setores públicos deveriam fazer o mesmo em Campinas, pois caso contrário, haverá a continuidade desse esvaziamento", afirmou.
Para ele, revitalizar o Centro requer um projeto urbano e pessoas que possam ajudar a pensar a cidade com experiência e qualificação em urbanismo. Segundo Muzetti, a ocupação de espaços abandonados ou de outros imóveis do Centro para moradia mais acessível à população é uma das propostas importantes. Outra medida seria a instalação de serviços públicos e culturais em prédios históricos abandonados e outros prédios desocupados como, por exemplo, os imóveis do antigo Fórum, do Poupatempo, e de hotéis que fecharam e estão abandonados nas vias Irmã Serafina e Campos Salles. "Porém, deve existir também um olhar urbano", disse. "No Centro, precisa haver atrativos para a coisa funcionar. Tem que ampliar a acessibilidade e um sistema de transporte mais eficiente. A Prefeitura tem que definir qual Campinas quer ter para o futuro."
Acic
Guilherme Campos, vice-presidente da Acic, reforçou que o esvaziamento do Centro e o fechamento de lojas são reflexos de situações ocorridas nas últimas décadas e que foram agravadas com a situação econômica, gerando queda nas vendas e desemprego. "Antes da pandemia, o Centro já estava sofrendo com o fechamento de lojas e quebradeiras. Depois, veio a doença que afetou o mundo inteiro. Atualmente, os lojistas sofrem também com a inflação, que prejudica o comércio, afinal o poder de compra da população está reduzido", comentou.
Para Campos, outros fatores também contribuíram para a diminuição do movimento no Centro e a sensação de abandono. "O esvaziamento foi agravado nas últimas décadas com o fim de espaços públicos, como o Fórum, o Poupatempo e a Câmara Municipal. A desativação da PUC Central, no Pátio dos Leões, e o fechamento de hotéis contribuíram também para o menor movimento de pessoas e comércios", comentou. "A instalação do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho em outros bairros poderia ser feita também no Centro", exemplificou.
Campos afirmou que o comércio sentiu com a saída desses equipamentos públicos. "O movimento nas ruas diminuiu e vários estabelecimentos tiveram que fechar as portas porque estavam trabalhando no vermelho. A saída do Fórum do Centro provocou também o fechamento de muitos escritórios de advocacia, que se mudaram para a região da Cidade Judiciária", comentou.
Na opinião de Campos, a realidade vivida pelos moradores de rua na região do Centro é também um reflexo da economia em crise. "A única saída é ampliar as ações sociais para tentar ajudar as pessoas."
Descentralização
O vereador Arnaldo Salvetti, presidente da Comissão Especial de Estudos da Revitalização do Centro, afirmou que a área central de Campinas tem a mesma característica de abandono vista em qualquer região central de grandes metrópoles e que as causas do esvaziamento têm origem na estrutura criada ao longo dos anos. "Os investimentos imobiliários tiraram as pessoas da região central porque houve essa tendência de construção de condomínios residenciais. Depois, construíram centros comerciais com escritórios e clínicas em pontos mais distantes do Centro. Para completar, outros investimentos foram voltados à instalação de shoppings."
Salvetti afirmou que as ideias que a sociedade está debatendo nos últimos dois anos estão gerando projetos que deverão ser percebidos nos próximos meses. Segundo ele, a instalação de empreendimentos privados e de serviços públicos no Pátio Ferroviário, que deverá ser definida até outubro, será fundamental nesse processo, incluindo o Shopping Popular e a revitalização das áreas que são ocupadas por camelôs no Centro. "O objetivo é requalificar toda a região, que é ocupada atualmente pelos camelôs. Será importante tanto para o comércio como para a população", disse.
Além disso, Salvetti afirmou que ações pontuais como a requalificação da Avenida Campos Salles e a reforma do Mercado Municipal deverão ser colocadas em prática em breve, garantindo melhorias. "O projeto de iluminação e as alterações em vias públicas e o estacionamento são outras medidas em andamento, que trarão mais segurança. A expectativa é ter no Natal deste ano um Centro mais qualificado, dando início ao processo de mudança, para trazer de volta a vida e o dinamismo da região central nos próximos anos", comentou.
Salvetti considera que são necessários incentivos para reativar a vida noturna no Centro.
"Os bares, restaurantes e as áreas de entretenimento poderão garantir uma qualificação para a noite de Campinas, incluindo projetos culturais nas praças e nos estabelecimentos, além de incentivar a criação de feiras para o comércio em geral", exemplificou. Para completar, Salvetti defendeu ainda incentivos para que moradias sejam objeto de investimento no Centro, com a utilização de imóveis abandonados ou fechados.
Incentivos
Já o vice-presidente da Acic, Guilherme Campos, entende que é fundamental a mobilização de diversos setores e segmentos para aplicar a requalificação de forma conjunta. Campos disse que a Prefeitura deveria incentivar a moradia no Centro, com redução de impostos no caso dos empreendimentos imobiliários. "Os empreendedores poderiam comprar quadras inteiras que estão vazias e transformar os imóveis rentáveis com aluguel ou venda para moradias ou até mesmo para espaços comerciais", comentou.
O uso de locais abandonados também seria uma solução. "O retrofit, que tem por objetivo restaurar prédios antigos para preservar a arquitetura original, é uma ótima opção. Basta adequá-lo à legislação vigente. Os imóveis poderão ter uma reforma com materiais de alta qualidade, atraindo mais gente para o Centro." Campos defendeu o uso de praças públicas para criação de estacionamentos subterrâneos, o que reduziria os preços para clientes.