DOCUMENTAÇÃO

Centro da Unicamp é certificado pela Unesco

Parte de seu acervo está no Registro Nacional do Programa Memória do Mundo da Unesco ? MoWBrasil

Francisco Lima Neto
23/03/2019 às 14:11.
Atualizado em 04/04/2022 às 20:56

O Centro de Memória da Unicamp (CMU) recebeu o certificado de inscrição de parte de seu acervo no Registro Nacional do Programa Memória do Mundo da Unesco — MoWBrasil. A nominação é um reconhecimento como patrimônio da humanidade de documentos, arquivos e bibliotecas de grande valor internacional, regional e nacional. O edital MoWBrasil selecionou dez dentre 29 candidaturas apresentadas, sendo uma das vencedoras Feminismo, ciência e política — o legado Bertha Lutz, 1881-1985. Além do CMU, a candidatura colegiada reúne documentações do Arquivo Nacional, do Arquivo Histórico do Itamaraty e do Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados. A parte da Unicamp se refere a correspondências de Bertha Lutz — bióloga e pesquisadora do Museu Nacional, advogada, servidora federal e ativista pela emancipação feminina — para Adolpho Affonso da Silva Gordo, senador proeminente no cenário político nacional, durante a década de 1920. André Paulilo, professor da Faculdade de Educação (FE) e diretor do CMU, explica que o Memória do Mundo é uma iniciativa da Unesco para divulgação e proteção do patrimônio. “Em nosso caso, fomos contemplados com uma nominação do Comitê Nacional do órgão da ONU. Possuímos um conjunto documental de Adolfo Gordo e, dentro deste conjunto, a correspondência dele, na época senador, com Bertha Lutz, durante a campanha pelo voto feminino. É nesse contexto que participamos da candidatura coletiva”, diz. A cientista social Maria Sílvia Duarte Hadler, pesquisadora do CMU, conta que o programa Memória do Mundo surgiu a partir de discussões sobre patrimônio, memória e preservação no contexto das guerras da Península Balcânica (ex-Iugoslávia), em que muitos patrimônios históricos e culturais estavam sendo destruídos. “Foi um contexto que fortaleceu a discussão sobre a importância da memória. Com a divulgação da iniciativa pela Unesco, existem hoje comitês nacionais do Memória do Mundo em muitos países, como no Brasil desde o começo dos anos 2000." Criação O site do MoWBrasil detalha que o programa foi criado pelo diretor-geral da Unesco, Frederico Mayor Zaragoza, preocupado com os efeitos da destruição da Biblioteca de Sarajevo, em 1992, durante a Guerra da Bósnia: (...) “a destruição de cerca de dois milhões de livros, muitos deles raros ou únicos, configurando uma perda de valor incalculável. A percepção de que a maior parte da memória dos povos está contida em documentos fisicamente frágeis e em constante risco, exigia respostas que assegurassem a identificação desses acervos, sua preservação e acesso público”, detalha. A proposta desta candidatura vencedora foi do Arquivo Nacional, que detém enorme acervo sobre Bertha Lutz e convidou outras instituições que guardavam documentos sobre a bióloga e ativista política. A documentação representa a trajetória de uma das lideranças do movimento feminista na primeira metade do século XX, bem como da pesquisadora do Museu Nacional, advogada e servidora pública federal no tempo em que poucas mulheres atuavam na administração. Inseridos neste contexto, explica Maria Sílvia Hadler, os documentos pertencentes ao conjunto Adolpho Affonso da Silva Gordo, apresentados pelo CMU, retratam esse período por meio da correspondência trocada entre o senador e Bertha Lutz. Defensor da causa sufragista, o político sustentou a extensão do direito de voto às mulheres na Comissão de Justiça do Senado. “O acervo de Adolpho Gordo tem mais de cinco mil itens e está sendo objeto de projeto visando à sua digitalização, com patrocínio do Programa de Ação Cultural (ProAC ) da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo", conta. Segundo o diretor André Paulilo, o outro importante perfil de Bertha Lutz é da cientista que atuou como bióloga no Museu Nacional — parte importante de suas pesquisas, principalmente com anfíbios, acabou se perdendo no incêndio de trágicas proporções, em setembro do ano passado. Paulilo lembra que as restrições desta legislação ao voto feminino, que autorizava as mulheres solteiras e as viúvas a votar apenas se tivessem renda, enquanto as mulheres casadas precisavam do aval dos maridos para exercer esse direito, foram eliminadas em 1934. “A própria Bertha Lutz foi candidata da Liga Eleitoral Independente, em 1933, a uma vaga na Assembleia Nacional Constituinte de 1934, pelo Partido Autonomista do Distrito Federal.” Maria Sílvia lembra que Bertha Lutz advogou muitas causas sobre a emancipação feminina, incluindo a discussão sobre o divórcio, já em voga nos anos 20, embora não tenha se efetivado. “O voto feminino foi uma bandeira extremamente importante, e não apenas dela”, diz a pesquisadora. O direito ao voto feminino foi aprovado em 1932, mas só seria praticado depois do término do Estado Novo em 1945. Na opinião de Paulilo, o registro nacional no programa Memória do Mundo é um reconhecimento à qualidade do trabalho de processamento da documentação sobre Bertha Lutz. “Parece-me que o convite para a candidatura colegiada veio também pela organização e tratamento deste material. Outro aspecto importante do prêmio é de trazer a responsabilidade de divulgação e acessibilidade do acervo, disponibilizando-o para qualquer pessoa de qualquer lugar do mundo que se interesse pela temática.”

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