Cenário é o mesmo que ocorre em São Paulo e no Brasil; município viu crescer em quase 400% o montante de adeptos da umbanda e do candomblé em 12 anos
Joquebede Gomes Ferreira é ligada à Igreja Batista e atua em uma ONG, na Vila Industrial, que reúne integrantes de várias outras igrejas evangélicas, como a Assembleia de Deus, Quadrangular e Nazareno; ela acredita que a pandemia de covid-19 levou as pessoas a voltarem a ter fé, o que, na visão dela, ajudaria a explicar o aumento no número de evangélicos em Campinas, São Paulo e Brasil (Alessandro Torres)
Campinas acompanha os cenários estadual e nacional de queda do número de pessoas que se classificam como católicas e do aumento das que se apresentam como evangélicas nos últimos anos. Segundo dados do Censo Demográfico de 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados ontem, a relação de fiéis da Igreja Católica Apostólica Romana na cidade caiu 10,1%, enquanto subiu 20,8% a quantidade de seguidores da religião evangélica, comparando os censos realizados em 2010 e 2022.
Outro dado importante do mesmo levantamento em relação à Campinas é o crescimento expressivo de adeptos de umbanda e candomblé, 398,1%. Em relação ao espiritismo, Campinas registrou aumento de 2,38% no número de pessoas que se declaram seguidoras da doutrina, o contrário do que ocorreu em São Paulo e no Brasil.
A professora de Antropologia da Religião, Brenda Carranza, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), comentou que os dados refletem a mudança cultural que ocorreu no Brasil e o movimento de resistência das pessoas que professam a fé nas religiões de matriz africana.
No ano de 2010, 568.527 habitantes de Campinas se diziam católicos. No último censo, em 2022, foram 510.812. Em 12 anos, a quantidade de evangélicos subiu de 232.569 para 281.130 fiéis. Comparando os últimos dois censos, os que se identificam com a umbanda e o candomblé na maior cidade da Região Metropolitana passaram de 2.752 para 13.708 adeptos. No espiritismo, a variação foi de 33.207 para 34 mil praticantes.
O Censo 2022 revelou que o número de habitantes de Campinas com outras religiões, além das quatro já abordadas, é de 57.684. Ao todo, são 113.190 indivíduos que não possuem religião. Uma novidade é o levantamento de moradores da cidade que se identificaram como adeptos de tradições indígenas, 114.
ANÁLISE
A professora de Antropologia da Religião, Brenda Carranza, reforçou que a queda do número de católicos no município reflete uma tendência que ocorre no resto do país. “O catolicismo ainda é a religião com mais adeptos em Campinas, no Estado de São Paulo e no resto do país. No entanto, os dados do IBGE também indicam que o catolicismo não é mais culturalmente hegemônico. O primeiro Censo, realizado em 1872, apontou a quase totalidade da população brasileira da época como católica. Era a religião oficial do Brasil. Ser católico era necessário para abrir portas, profissionalmente falando, na época do Império. Depois do advento da República, a escolha religiosa foi permitida. Hoje temos outras opções além da Igreja Católica. É uma mudança cultural.”
Ainda de acordo com a especialista, as igrejas evangélicas conseguem atrair os mais jovens com atividades que vão além da religiosidade em si, como atividades musicais, além de serem influenciados por pessoas famosas,os chamados influenciadores digitais. “Os evangélicos são fundamentalmente jovens, e as igrejas desse segmento conseguem se comunicar muito bem com essa faixa da população.”
Questionada sobre o boom da população ligada a religiões de matriz africana, a professora de Antropologia da Religião da Unicamp descreveu o aumento expressivo dessa parcela dos moradores de Campinas como um movimento de autoafirmação. “Os adeptos da umbanda e do candomblé foram, e infelizmente ainda são, perseguidos por integrantes de outras religiões. O que eu vejo, por exemplo, é que cidadãos de Campinas que professavam a umbanda e outra religião ao mesmo tempo se sentiram atingidos por isso e viram a necessidade de se apresentarem ao IBGE como praticantes da umbanda, para resistirem às agressões sofridas. Além disso, existe o fato de que muitas políticas afirmativas raciais foram adotadas nos últimos tempos. Esse fato resultou em uma sensação de pertencimento e de consciência nas pessoas negras”, avaliou.
Por fim, Brenda descreveu o perfil das pessoas que se identificam como espíritas. São indivíduos de classe média alta, intelectualizados e ligados a profissões da área da saúde. “O espiritismo era visto no começo como uma filosofia, não como uma religião. Acho que o aumento dessa parcela da população, mesmo que em um índice menor do que no caso da umbanda, também é resultado de autoafirmação.”
FÉ
João de Souza Rodrigues, de 75 anos de idade, morador da Vila Francisca, em Campinas, se classificou como “católico desde sempre”. Ele frequenta a Catedral Metropolitana de Campinas para manifestar sua fé, rezando nos bancos de madeira do interior do templo religioso. Sobre a redução do número de católicos, Rodrigues contou que vê muitas igrejas com poucas pessoas nelas, mas não acredita que seja por falta de fé. Na opinião dele, é difícil encontrar o motivo para a queda no montante de fiéis.
Filha de um pastor da Igreja Batista do Ceará, Joquebede Gomes Ferreira mora em Campinas há 35 anos. Ela é ligada à Igreja Batista, mas é pastora em uma ONG chamada Base 4next, na Vila Industrial. É uma entidade criada há oito anos para prestar solidariedade a pessoas em vulnerabilidade social, com foco em indivíduos em situação de rua. A Base 4next reúne integrantes de várias igrejas evangélicas, como a Assembleia de Deus, Quadrangular e Nazareno. Com formação teológica, Joquedebe acredita que o impacto da pandemia de covid-19 foi além das mortes e do aspecto econômico. “As pessoas voltaram a ter fé, a acreditar. O aumento das pessoas evangélicas é um reflexo disso.”
Daniel do Nascimento tem uma loja de artigos religiosos, localizada ao lado do Mercado Municipal de Campinas. O que se destaca no local são os itens de religiões afro-brasileiras, por exemplo guias e velas. Ele, que está na umbanda há 30 anos, destacou o crescimento de praticantes de religiões de matriz africana como um movimento de resistência. “Tenho hoje 59 anos de idade e também parentes dentro da mesma religião. É uma fé que está em todos nós. Acredito que vai crescer ainda mais, considerando que os ataques a ela não pararam”, projetou.
Siga o perfil do Correio Popular no Instagram.