PERDA PARA O PAÍS

Censo fica inviabilizado com corte orçamentário

Recursos previstos foram reduzidos de R$ 2 bi para R$ 71 mi

Mariana Camba/ Correio Popular
30/03/2021 às 15:05.
Atualizado em 22/03/2022 às 02:12
Vista parcial da Gleba B, localizada nas proximidades do Parque Oziel: sem o Censo, Brasil deixa de conhecer a realidade da sua população, o que dificulta a formulação de políticas públicas  (Ricardo Lima/ Correio Popular)

Vista parcial da Gleba B, localizada nas proximidades do Parque Oziel: sem o Censo, Brasil deixa de conhecer a realidade da sua população, o que dificulta a formulação de políticas públicas (Ricardo Lima/ Correio Popular)

A Comissão Mista de Orçamento (CMO) e o Congresso Nacional decidiram na semana passada reduzir o orçamento do Censo Demográfico, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A pesquisa realizada pela última vez em 2010 deve ser feita a cada dez anos, de acordo com a lei 8.184/1991. Segundo comunicado publicado pelo IBGE, a decisão representa uma redução de mais de 90% do orçamento previsto, que era de R$ 2 bilhões. Na mesma semana depois do comunicado de corte dos gastos, Susana Cordeiro Guerra, então presidente do órgão, pediu exoneração do cargo e justificou a decisão por motivos pessoais.

O professor Roberto Luiz do Carmo, presidente da Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep) e docente do Departamento de Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) informou que a Associação divulgou ontem uma carta aberta em defesa do IBGE e do Censo. "Nós trabalhamos com o estudo e a análise dessas informações populacionais. Esses dados são importantes e necessários para conhecermos o atual cenário do Brasil. Eles deveriam ser usados como base para subsidiar novas políticas públicas, principalmente as que tratam da situação socioeconômica da população", afirmou o presidente.

Na carta aberta, a Abep afirma que os cortes no orçamento do Censo representam um enorme risco ao levantamento feito em território nacional, e que a sua inviabilização operacional é uma afronta à população brasileira e à democracia. "A pandemia causada pela covid-19 escancarou a necessidade de informações sobre a população. Evidenciou a importância do conhecimento detalhado das condições de vida de diferentes grupos etários e suas características e composição. Os cortes que estão sendo aplicados no Censo devem ser revertidos, restabelecendo-se os valores inicialmente previstos para sua realização plena", declarou a Abep no texto.

O Censo que deveria ter sido feito em 2020 foi adiado para este ano devido à pandemia. De acordo com Carmo, o processo necessário para que a pesquisa ocorra é trabalhoso e extenso. Envolve a contratação de 200 mil entrevistadores, que vão às residências de todo o Brasil. "É desta forma que sabemos quantos habitantes há em território nacional, e o perfil dessas pessoas, como a idade, sexo, situação econômica e social. É a pesquisa mais completa que existe, portanto, ela é fundamental. Devido à proporção da ação, é previsto um orçamento elevado para que ela possa ocorrer", explicou.

De acordo com o presidente da Abep, em 2018 o orçamento previsto para o Censo de 2020 foi de R$ 3,4 bilhões. Em 2019 houve uma redução no valor, aplicada pelo atual governo, e a partir daí se estabeleceu uma previsão de R$ 2 bilhões para arcar com os custos da pesquisa. "Na semana passada, foi divulgado o atual orçamento disponível, R$ 71 milhões, valor muito distante do previsto. Em termos de recursos, isso mostra que a pesquisa está inviabilizada, até que tenha alguma mudança. Com esse valor é impossível fazer o Censo este ano. O problema é ainda mais grave por estarmos em um momento de crise gerada pela covid-19", ressaltou Carmo.

O docente reforça que apenas a pesquisa conseguiria mostrar o real cenário do Brasil neste momento de colapso. Atualmente, as informações usadas no âmbito da educação, de segurança sanitária, da fome e sobre as áreas de vulnerabilidade social são projeções que usam como ponto de partida dados contabilizados na década passada. "Não temos informações atualizadas nem em relação ao número de habitantes no Brasil, o que é fundamental, por exemplo, para a projeção do encaminhamento das vacinas. Com certeza tudo mudou nos últimos 11 anos, ainda mais durante a crise que estamos vivendo", pontuou.

Além do valor previsto paraa pesquisa neste ano, Carmo lembra que seria necessário um reajuste que levasse em conta os gastos a mais gerados pela pandemia, para a aplicação das normas de segurança. "Acredito que a então presidente do IBGE pediu exoneração do cargo devido ao anúncio do corte no orçamento. A Comissão Mista de Orçamento (CMO) e o Congresso Nacional justificaram a decisão por causa da realocação dos recursos. Isso mostra qual é a prioridade dada a determinados itens do orçamento, principalmente em relação à obtenção de informação básica, necessária para as tomadas de decisão do atual governo", informou o presidente da Abep.

Antes de o corte orçamentário ter sido anunciado, o IBGE havia iniciado alguns preparativos para a realização do Censo, como os ajustes dos questionários que seriam aplicados durante a pesquisa, de acordo com Carmo. Nas últimas semanas, estavam sendo concluídas as etapas finais. "Em geral, o trabalho de campo leva três meses para percorrer o Brasil inteiro fazendo a coleta de dados. Depois é feita a conferência e análise das informações obtidas. Para chegar aos resultados preliminares e aos finais, demora entre seis meses e um ano, com base no último Censo feito em 2010. Com as novas tecnologias, o tempo pode ser menor agora. Mas, devido ao atual cenário, não temos previsão de quando a pesquisa será feita e publicada", acrescentou Carmo. 

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