Prefeitura investirá R$ 6,98 milhões na recuperação de 18 mil metros quadrados do passeio que conta com pedras portuguesas
O Cemitério da Saudade ocupa uma área de 181,5 mil metros quadrados e abriga aproximadamente 30 mil sepulturas, distribuídas em 112 quadras (Rodrigo Zanotto)
A Prefeitura de Campinas investirá R$ 6,98 milhões na recuperação de 18 mil metros quadrados (m2) do piso do Cemitério da Saudade, o primeiro público do país, fundado há 144 anos. A obra é a primeira revitalização do passeio desde a sua construção em 1880 e terá duração de dez meses, começando no dia 1º de março e com término previsto em 30 de dezembro. O local, considerado como um museu a céu aberto, também ganhará QR Code com informações dos túmulos mais importantes e sinalização para facilitar a localização. O anúncio foi feito na terça-feira (30) pelo prefeito Dário Saadi (Republicanos) ao assinar o termo de autorização do serviço.
A obra prevê a restauração de 11 mil m2 do passeio em pedra portuguesa usada na parte tombada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc) e troca de 7 mil m2 do piso intertravado (bloquetes de concreto). "O cemitério tem uma grande importância histórica, onde estão enterradas personagens da história e pessoas que ajudaram a reconstruir a cidade após a epidemia de febre amarela, quando Campinas perdeu dois terços de sua população", disse Dário.
Em 1889, quando ocorreu o surto, a cidade tinha em torno de 42 mil habitantes. A redução da população decorreu tanto das mortes quanto da mudança de moradores, que temiam a doença. O prefeito lembrou que a recuperação do Saudade é uma reivindicação que vem desde que disputou a primeira eleição para vereador há 28 anos.
VISITANTES
As pessoas que frequentam o espaço apontam problemas no piso. "Eu percebo que há buracos no passeio. Precisava ser mais bem cuidado", disse a aposentada Regina Coli. Ela costuma ir ao local para acender velas ou participar de velórios. "Não está bem cuidado. Além do passeio com pedras soltas, buracos, com irregularidades, na lateral dos túmulos também tem mato e há pontos que estão danificados", afirmou a enfermeira Regina Freire. Porém, a manutenção das sepulturas e no seu entorno cabe as famílias que têm parentes enterrados.
A recuperação do passeio faz parte do pacote de obras previstas para comemoração dos 250 anos de Campinas, que serão completados em 14 de julho. O presidente da Serviços Técnicos Gerais (Setec), autarquia municipal responsável pela administração e fiscalização do solo público, Enrique Javier Misailidis Lerena, destacou que a restauração e troca do piso faz parte de um pacote de R$ 10 milhões em investimentos feitos nos cemitérios públicos de Campinas.
O valor inclui a entrega em novembro passado da instalação de grade para substituir parte do muro que caiu. O serviço teve um custo de R$ 2,4 milhões e foi feito com recursos da Prefeitura. Em 2023, a Setec também destinou R$ 715 mil para a demolição e reconstrução de 343 metros lineares do muro do Cemitério de Sousas, construído em 1889. Segundo a autarquia, a obra foi necessária devido ao desgaste dos materiais ao longo do tempo.
Fora desse pacote de investimentos, a Setec ampliou a segurança no Saudade, aumentando de quatro para oito o número de seguranças particulares que trabalham no local, instalou 1 mil metros lineares de cerca elétrica e fez parceria com a Central Integrada de Monitoramento de Campinas (Cimcamp) para a instalação de 11 câmeras de vigilância para dar uma visão de 360 graus da área. As medidas pretendem evitar os roubos e furtos no local.
"Depois que fizemos essas melhorias o número de ocorrências caiu muito", disse Dário Saadi, argumentando que é difícil zerar os casos porque os ladrões procuram alternativas para continuar agindo. O presidente da Setec acrescentou que outros R$ 6,1 milhões estão sendo investidos na reforma do Mercado Municipal, obra iniciada em junho passado e prevista para ser entregue no segundo semestre deste ano.
O projeto inclui a reforma física com substituição total da fiação elétrica, nova canalização de esgoto, revitalização da fachada e construção de um mezanino sobre os boxes na parte central do mercado, além da instalação de iluminação especial no interior e na área externa do prédio. Para Enrique Lerena, os pacotes de obras "são um belo presente para a Setec, que em fevereiro completará 50 anos."
IDENTIFICAÇÃO
Durante o anúncio da reforma do piso do Cemitério da Saudade, a secretária municipal de Cultura e Turismo, Alexandra Caprioli, divulgou que estão sendo preparadas mais de 30 placas de sinalização e com histórias de personalidades que estão enterradas no local. "Essas placas terão QR Code e as pessoas poderão consultar a história desses personagens. Há algum tempo a visita ao cemitério é um atrativo, como em muitos países. Vamos contar a história dessas personalidades", afirmou ela.
Considerado um museu a céu aberto, por causa do seu conjunto de obras tumulares, o Cemitério da Saudade terá o passeio composto por pedras restaurado; melhoria é uma antiga reivindicação dos frequentadores (Rodrigo Zanotto)
Tombado pelo Condepacc em novembro de 2003, o Saudade ocupa uma área de 181,5 mil m2, com mais de 30 mil sepulturas distribuídas em 112 quadras. No local estão os restos mortais de personalidades como Francisco Glicério, político e um dos defensores da troca da monarquia pela República; Bento Quirino, também republicano e que teve grande atuação no combate à epidemia de febre amarela em Campinas; Hércules Florence, um dos pioneiros da fotografia; Mário Gatti, médico que atuou em Campinas no final do século 19 e até meados do 20; entre outras.
Para Daniel Carnevali, assessor jurídico da Presidência da Setec e que tem como hobby a arte tumular, a grande importância histórica do Cemitério da Saudade está no fato "de ser o primeiro do país em que todas as pessoas, independente da raça ou classe social, eram enterradas no mesmo local. Até o início do século 20, os cemitérios eram ligados a ordens religiosas, como católicos e protestantes, e eram destinados a brancos ou pretos, que eram enterrados separados."
Apesar de um caráter mais democrático, o Saudade era dividido internamente em castas, explicou Carnevali. As alamedas principal e do Santíssimo Sacramento eram destinadas a brancos e aos barões do café. Ele acrescentou que essa divisão foi quebrada pelo Barão Geraldo de Rezende, que mandou construir ao lado do túmulo da família, na rua principal, o túmulo de um ex-escravo alforriado por ele, o Toninho, a quem os católicos atribuem a obtenção de milagres.
"O barão dizia que era um reconhecimento a quem foi seu braço direito em vida e que deveria continuar à sua direita após a morte", relatou o assessor, lembrando que na época a decisão chocou a sociedade campineira. Geraldo Ribeiro de Sousa Rezende, que morreu em 1907, aos 61 anos, foi um nobre, político e grande cafeicultor, sendo um dos responsáveis pela implantação da estrada de ferro até Campinas, o que contribuiu para o desenvolvimento econômico da região. O túmulo de Toninho, que até hoje está ao lado do barão, está coberto de plaquetas de agradecimento por "graça alcançada".
Ele e outros são muito visitados, principalmente no Dia de Finados. Outra sepultura de destaque é o Santuário do Senhor Tranca Rua das Almas, o popular Tranca Rua, visitado por adeptos do candomblé. Outras pessoas sepultadas no local a quem são atribuídos milagres são Maria Jandira dos Santos e os três anjinhos.
O cemitério faz parte do projeto "O Que te Assombra" e recebe passeios noturnos ou no final da tarde. O terreno foi doado à Prefeitura pelo Barão de Itatiba, como ficou conhecido o cafeicultor e empresário Joaquim Ferreira Penteado, que morou na cidade. O Saudade é considerado um dos cemitérios mais importantes do Brasil por causa da riqueza arquitetônica e da importância das obras de arte que ostentam grande parte dos túmulos. Ao lado da entrada existe o mausoléu onde estão os restos mortais dos heróis da Revolução Constitucionalista de 1932, inaugurado em 9 de julho de 1935, projetado por Marcelino Velez. Ele é um complexo formado por cinco cemitérios distintos: São José, São Miguel e Almas, Cura D'Ars, Venerável da 3ª Ordem do Carmo e Irmandade do Santíssimo Sacramento da Catedral.
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