MATERNIDADE

Cem anos depois, a tradição se renova em Campinas

Em outubro de 1913, profissionais idealistas resolveram criar um hospital moderno e exemplar

Rogério Verzignasse
11/10/2013 às 11:19.
Atualizado em 25/04/2022 às 00:38
TODOS OS PRESIDENTES DA MATERNIDADE DE CAMPINAS (Correio Popular)

TODOS OS PRESIDENTES DA MATERNIDADE DE CAMPINAS (Correio Popular)

TUDO COMEÇOU COM ELESFrancisco Betim Paes Leme, Thomaz Alves e José Barbosa de Barros fundaram a Maternidade de Campinas há exatos cem anos e os bustos dos três estão na entrada do prédio. Na época a cidade tinha 38 mil moradores. Foi feita uma campanha gigantesca de arrecadação de recursos para as obras, que envolveu quase duas centenas de sócios beneméritos. Neste especial, a história da instituição e o relato de quem nasceu lá, como Maria Luísa Leite de Souza Salvestro, de 91 anos. "A Maternidade foi uma revolução na cidade", conta.     Foto: Doutor Betim Foto: Thomaz Alves   Foto: Barbosa de Barros     Quem entra no terreno da Maternidade de Campinas, na Avenida Orosimbo Maia, fica impressionado com o movimento intenso de funcionários recepcionando e encaminhando pacientes que lotam a recepção. O prédio imponente tem cinco andares. Os fundadores, por sinal, são lembrados em bustos instalados no jardim. Homens que, há exatamente cem anos, em outubro de 1913, decidiram criar uma instituição beneficente moderna e exemplar. Eram idealistas, que não tinham dinheiro para construir e equipar o imóvel.Dizem que os médicos Thomaz Alves e Barbosa de Barros correram para acudir uma mulher negra, que gemia com dor do parto, na Ponte Preta. Os dois trabalharam a noite toda, em um casebre miserável, que nem tinha luz elétrica. Usaram lampião para iluminar o cômodo. Já tinha amanhecido o dia quando eles voltavam para o Centro, exaustos. Naquele instante, os dois decidiram começar uma campanha para a construção de uma maternidade pública decente.Na época, os moradores de Campinas eram separados por um verdadeiro abismo social. De um lado, havia fazendeiros milionários. De outro, a massa carente, que não contava sequer com um programa gratuito de assistência médica. Foi naquele cenário que brotou a Maternidade de Campinas, um hospital erguido às custas do empenho coletivo que envolveu políticos, empresários, médicos, trabalhadores e religiosos. A instituição virou um símbolo da comunidade organizada.Foi dada a largada para uma campanha gigantesca de arrecadação de recursos para as obras, que envolveu quase duas centenas de sócios beneméritos. As doações também chegavam de conglomerados empresariais gigantescos: bancos, companhias férreas, empresas fornecedoras de águas e energia. Nos três anos que se seguiram ao lançamento da pedra fundamental, o hospital original foi erguido às margens da Avenida Andrade Neves, e lá permaneceu até 1965, ano da inauguração da sede da Orosimbo.A Maternidade de Campinas, ao longo dos anos, se tornou um autêntico patrimônio campineiro, orgulho de cada cidadão. A prestação de serviços de qualidade a pessoas carentes sempre foi a proposta básica de atuação.É uma trajetória marcada por períodos difíceis, onde as despesas invariavelmente superavam a receita. Mas, mesmo assim, sem verbas, a instituição nunca deixou uma parturiente sem atendimento. Hoje mesmo, 65% de todas as pacientes são atendidas de graça. De acordo com o presidente do hospital, Pedro Antunes Negrão, a Maternidade tem um custo anual da ordem de R$ 60 milhões, e o Sistema Único de Saúde (SUS) cobre cerca de 40% de todas as despesas. Mesmo assim, quando todos os leitos públicos estão lotados, a parturiente que não pode pagar é acomodada nos quartos reservados para pacientes dos convênios médicos ou do atendimento particular.“O nosso maior orgulho é que a Maternidade não deixa de cumprir o que se propunha nos estatutos originais. Sempre procuramos prestar um atendimento de qualidade ao paciente que não pode pagar. A assistência é uma missão histórica.E a excelência é reconhecida. Trata-se de uma referência no atendimento à gravidez de alto risco. São 36 leitos disponíveis só na UTI Neonatal. Nos outros hospitais da cidade que prestam serviço público, a estrutura é bem menor. Há 15 leitos no Hospital de Clínicas da Unicamp (HC) e outros dez no Hospital Celso Pierro (da PUC Campinas).Quase metade de todos os partos registrados na Região Metropolitana de Campinas (RMC), diz o presidente, acontece no hospital. A estrutura é impecável: equipamentos modernos, profissionais de ponta. Há cinco centenas de médicos atuantes e quase mil funcionários, que se desdobram para atender o público que lota quartos e corredores, em qualquer hora do dia ou da noite.CRONOLOGIA 5 de agosto de 1910: Resolução da Câmara Municipal concede a uma comissão de médicos um terreno de 6.095 m2 na Avenida Andrade Neves para a construção de uma maternidade pública. Ficou estabelecido que o terreno devia ser devolvido ao Município caso fossem suspensos os serviços previstos na doação. A comissão era formada pelos médicos Thomaz Alves Filho, José Barbosa de Barros, Francisco Pompeo de Camargo e Francisco Betim Paes Leme.5 de fevereiro de 1911: É lançada a pedra fundamental do hospital.12 de outubro de 1913: A Maternidade é instituída como uma entidade de beneficência, destinada a prestar gratuitamente socorro, tratamento e assistência a gestantes e parturientes reconhecidamente pobres.27 de fevereiro de 1916: A Maternidade de Campinas é inaugurada na Av. Andrade Neves10 de setembro de 1951: A Câmara Municipal autoriza a doação de um terreno público de 7.611 m2, localizado na Avenida Orosimbo Maia, para a construção de um novo prédio para a Maternidade. 13 de dezembro de 1951: Lei promulgada pelo prefeito Miguel Vicente Cury faz a doação definitiva, à Maternidade, do terreno da Avenida Andrade Neves. O hospital estava autorizado a explorar o imóvel do Botafogo para levantar recursos a serem investidos na nova sede.15 de agosto de 1953: É lançada a pedra fundamental do novo prédio. Começa mais uma campanha pública gigantesca para a arrecadação de fundos para a construção.16 de outubro de 1963: Lei promulgada na Prefeitura cede à Maternidade de Campinas o direito de negociar, com exclusividade, a construção, a instalação e a exploração de uma estação rodoviária no imóvel do Botafogo.19 de dezembro de 1965: A nova Maternidade, presidida pelo dr. Eduardo de Almeida, é inaugurada com centro cirúrgico, centro obstétrico, farmácia e berçário instalados em dois pavimentos. Os outros três andares eram ocupados pela Faculdade de Medicina (futura Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp).13 de fevereiro de 1972: A Estação Rodoviária de Campinas, no Botafogo, começa efetivamente suas operações, batizada com o nome do Dr. Barbosa de Barros, um dos médicos que integravam a comissão de médicos que fundou a Maternidade.4 de junho de 2008: A nova Estação Rodoviária é inaugurada, e começa a receber gradativamente as linhas do terminal antigo. 21 de junho de 2008: A Estação Rodoviária do Botafogo encerra suas atividades, e se define que a Maternidade vai ser indenizada pela mudança do terminal rodoviário.28 de março de 2010: O prédio da antiga Rodoviária é implodido. A Maternidade fecha o contrato de venda do terreno para a Cem Empreendimentos, que espera a regularização dos documentos para começar a obra do complexo comercial que deve tomar a quadra.PIONEIROS DA MATERNIDADE Foto: Correio Popular TODOS OS PRESIDENTES DA MATERNIDADE DE CAMPINAS PRIMEIRO PERÍODO Thomaz Augusto de Mello Alves FilhoCarioca, Thomaz Alves nasceu no dia 24 de dezembro de 1856. Filho do jurista Thomaz Alves Júnior e de dona Emília de Mello Alves, ele foi aluno do tradicional Colégio Pedro II, expoente do cenário político brasileiro. Matriculou-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e colou grau em dezembro de 1881. Na época, ele já trabalhava como crítico de literatura na Gazeta de Notícias, importante jornal da época. Mudou-se para Campinas em maio de 1882. Em outubro do ano seguinte, se casou com Marias Etelvina de Moraes Salles, que esteve do seu lado na campanha pela construção da maternidade pública. O médico se manteve fiel à causa, colaborando com a instituição até o dia da morte, em abril de 1920. José Barbosa de BarrosCampineiro, Barbosa de Barros nasceu no dia 14 de setembro de 1877. Estudou nos cursos preparatórios campineiros e se matriculou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Colou grau em 1903. Foi discípulo de Francisco de Castro, professor que já naquela época difundia o respeito profundo a todos os pacientes, em um prólogo da assistência humanizada pregada hoje em dia. Foi membro da primeira diretoria da Maternidade, e integrou a equipe médica da entidade enquanto morou em Campinas. Ao mesmo tempo, atendia na Beneficência Portuguesa. Chegou a exercer um mandato de vereador, antes de se mudar para São Paulo em 1924. Casado com Úrsula de Camargo, Barbosa teve prole numerosa. Faleceu na Capital no dia 14 de fevereiro de 1949. Seu nome identificava o antigo terminal rodoviário campineiro, inaugurado no terreno do primeiro prédio da Maternidade. Francisco Betim Paes LemeCarioca nascido em 2 de maio de 1859, Betim se formou na Faculdade de Medicina do Rio de janeiro em dezembro de 1882, e já no ano seguinte era médico da Comissão Sanitária da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, então sendo construída. Pelo empenho, foi agraciado pelo próprio imperador Pedro II com a Comenda da Ordem da Rosa. Foi médico de higiene e subdiretor do Jardim Botânico, mas renunciou ao cargo com o advento da República. Depois de se casar com Maria Betina Paes Lemes, o médico trabalhou em consultório de uma estrada de ferro em Minas, e se mudou para Campinas em 1904, para exercer a mesma função na Companhia Paulista. Ajudou na fundação da maternidade, e presidiu a entidade de 1921 a 1924. Deixando o cargo, fundou e foi o primeiro presidente da respeitada Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas. Ele morreu em fevereiro de 1930.Francisco Pompeo de Camargo Campineiro, Pompeo de Camargo nasceu no dia 9 de julho de 1882. Fez o curso secundário no Colégio Culto à Ciência antes de se mudar para o Rio de Janeiro, onde também se graduou na Faculdade de Medicina. Formou-se em 1907. Casado com Elsa Nogueira, Camargo se mudou para Pedreira, retomando antigos vínculos familiares. Médico na roça, percorria a cavalo as estradas de um sítio a outro. Em Campinas, mantinha um consultório particular, além de atender de associações beneficentes a empresas. Ele integrou o grupo que idealizou a maternidade pública. Logo em 1917, um ano depois da inauguração da sede, ele se mudou para Ribeirão Preto, onde fundou a Associação de Ensino, bem como a Escola de Farmácia e Odontologia. Ele morreu aos 50 anos de idade, em fevereiro de 1933. O SEGUNDO PERÍODOEduardo Pereira de AlmeidaBaiano de São Félix, Eduardo era filho de José Joaquim de Almeida, fazendeiro e político. Aos 15 anos de idade, no entanto, ele já era órfão de pai e mãe. Fez o curso secundário no Colégio Ipiranga, em Salvador (BA), e, em seguida, ingressou na Faculdade de Medicina da Bahia. Com apenas 22 anos, em 1925, ele se formou. Optou pela pediatria e se mudou para Campinas, em fevereiro de 1927. Tinha atuação social engajada. Sem nunca ter entrado em partido, apoiou a Revolução Constitucionalista e foi rotariano. Em 1942, com recursos angariados junto ao clube de serviços, fundou o berçário da Maternidade. Em 46, já fazia parte da diretoria, até ser eleito presidente em 1950. Foi dele a ideia de inaugurar uma nova sede, e de disponibilizar o terreno da Andrade Neves para a instalação de uma estação rodoviária. Os recursos da concessão significariam segundo ele, a "alforria financeira" da Maternidade. Ele estava cumprindo seu segundo mandato na presidência quando o terminal foi inaugurado, em 1972. Deixando as funções administrativas, Eduardo passou a atender exclusivamente em seu consultório. No total, exerceu a pediatria por nada menos que 60 anos. Em 86, com a saúde já debilitada, deixou de trabalhar. O médico morreu em janeiro de 1989 e deixou quatro filhos.

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