MEMÓRIA

Celly Campello, campineira por opção

Há 17 anos morria a compositora e cantora de voz doce que adotou a cidade e foi adotada por ela

Francisco Lima Neto
02/08/2020 às 09:57.
Atualizado em 28/03/2022 às 19:54
Artista precoce, ainda criança teve aulas de violão, piano e balé (Cedoc/RAC)

Artista precoce, ainda criança teve aulas de violão, piano e balé (Cedoc/RAC)

Há 17 anos, Campinas perdia uma de suas filhas ilustres, a cantora e compositora Celly Campello, que fez história na indústria musical brasileira, ainda na década de 1950. Aquela menina doce e encantadora não nasceu aqui, mas adotou a cidade e foi adotada por ela — viveu em terras campineiras por mais de 20 anos. Nascida Célia Benelli Campello, em São Paulo, no dia 18 de junho de 1942, com cinco dias de vida seguiu com a família para Taubaté, onde foi criada. Era um prodígio, destinada ao mundo das artes desde muito cedo. A carreira começou aos seis anos, quando se apresentou pela primeira vez na Rádio Cacique. Ainda criança teve aulas de violão, piano e balé. Aos 12 anos já tinha um programa próprio naquela mesma emissora. Três anos mais tarde, em 1958, seu irmão Tony Campello a convidou para gravar um compacto simples, pela Odeon. Em um lado do disco ele cantava Forgive me. No outro, ela interpretava Handsome Boy. As duas canções eram do acordeonista Mário Genari Filho com letra de Celeste Novaes. Nesse mesmo ano, gravou seu próprio disco. Os discos eram vendidos sem encarte, as informações sobre eles apareciam em um selo colado ao centro. Todos os discos planos feitos a partir de 1898 até o fim dos anos 1950, e que rodavam a 78 rotações por minuto, eram denominados de 78 rpm. Eles comportavam de 3 a 5 minutos de gravação em cada lado. Para esse disco a jovenzinha gravou as músicas O Céu Mudou de Cor e Devotion. Mas foi alçada ao estrelato apenas no ano seguinte, quando, guiada pelo irmão, gravou Estúpido Cupido. A música atingiu o topo em todas as regiões do País, e difundiu o rock no Brasil. Ainda que fosse apenas uma imitação do que faziam nos Estado Unidos. Tempos depois, Celly admitiu que seu nome e do irmão foram escolhidos pela gravadora para que dessem um ar internacional. Ali, surgia uma estrela, com seus apenas 17 anos. A garota tinha fôlego para muito mais. Em quatro anos de carreira, Celly lançou cinco LPs, uma coletânea, e compactos simples e duplos. Entre 1958 e 1962, junto ao irmão, apresentou o programa Crush in Hi-Fi, na TV Record, o primeiro dedicado ao rock em São Paulo. Nesse programa se apresentaram grandes nomes como Ronnie Cord, Demetrius, Carlos Gonzaga e Wilson Miranda. Celly foi a primeira cantora pop brasileira a se tornar um fenômeno. Em 1959, fez sucesso com Estúpido Cupido, versão de Fred Jorge de música de mesmo nome do norte-americano Neil Sedaka. Banho de Lua, entre outros, continuou o sucesso em 1960. Uma multidão de fãs enlouquecidos lotava seus shows. Na época, a fábrica de brinquedos Trol criou a boneca Celly. Quase todas as adolescentes queriam ser como aquela estrela. Ela ainda participou do filme Jeca Tatu, dirigido por Milton Amaral, em 1959, e Zé do Piriquito, dirigido por Mazzaroppi e Ismar Porto, em 1960. Até 1962, ainda colocou nas paradas de sucesso, as músicas Lacinhos Cor-de rosa, Broto Legal, Hey Mama, Não Tenho Namorado, entre outras. Naquele ano, decidiu abrir mão de tudo para se casar, aos 20 anos, com José Eduardo Gomes Chacon, com quem namorava desde os 14. A notícia de que a grande estrela iria se aposentar caiu como uma bomba na indústria e, principalmente, entre os fãs. No dia do casamento, milhares de fãs se amontoaram nas imediações da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, no centro de São Paulo, inconformados, na tentativa de fazer com que aquele grande ídolo mudasse de ideia. A tentativa foi infrutífera. Celly casou e teve dois filhos: Cristiane e Eduardo. Mudou com o marido, profissional da área financeira, para Tremembé, mas depois partiu para Campinas, onde passou o terço final de sua vida. Em uma de suas últimas entrevistas para o Correio Popular, em 1997, mais uma vez frisou que jamais se arrependeu de trocar a fama e o estrelato pela vida de dona de casa. "Sabia que minha carreira seria curta. Casamento e filhos eram prioridade para mim", disse. Por diversas vezes tentaram que a cantora mudasse de ideia, mas para ela nada de mais sagrado havia que a convivência com a família no lar. Após 10 anos de afastamento, em 1972, voltou aos palcos para se apresentar no Festival de Música Popular Brasileira, de Juiz de Fora, em Minas Gerais. Fez uma temporada na série Cuba-livre em Hi-Fi, em 1975, na boate paulistana Igrejinha. Retornou com força total em 1976, por conta da novela Estúpido Cupido, levada ao ar pela Rede Globo, que tinha como trilha a música de Celly com o mesmo título, além de Banho de Lua. Seu irmão também aparecia no LP, com a música Boogie do Bebê. Ela foi a única artista a ter duas canções naquela trilha. Voltou a fazer shows e a se apresentar em programas de televisão.  "Quando meus filhos viram a novela, descobriram que o negócio foi sério. Mesmo assim eles nunca foram de dizer que eram filhos de Celly Campello, explicou na entrevista. Seu marido declarou em entrevistas que naquela época a artista passou meses rodando o Brasil e que nunca na carreira havia ganhado tanto dinheiro. No auge, no estouro da carreira, os discos vendiam de 25 mil a 30 mil cópias, segundo ele, mas na ocasião do folhetim foram 800 mil. Deixar Campinas nunca foi uma opção O marido de Celly fez carreira na Petrobras e teria a oportunidade de trabalhar na instalação da empresa em São José dos Campos e, assim, poderia morar em Taubaté, cidade onde ela foi criada e deu os primeiros passos no mundo artístico. Mas quando ele fez a proposta, ela foi contundente: "Eu amo Campinas. Não saio de Campinas por nada". A cantora sempre ressaltou que não tinha arrependimentos, principalmente das escolhas que fez. Mas, em entrevista à Rede Record, revelou uma certa mágoa por não ter sido homenageada com o título de Cidadã Campineira, honraria concedida pela Câmara Municipal. Em 4 de outubro de 2018, a Câmara publicou o Decreto Legislativo nº 4.619 que revogava vários outros decretos legislativos que concediam o título de Cidadão Campineiro a 134 personalidades, de políticos a artistas. Entre eles, constava a revogação do título proposto pelo ex-vereador Antonio Rafful a Celly, em 29 de março de 2001, e aprovado pelo presidente da Casa, Romeu Santini. Com a saúde frágil, não chegou a receber a honraria que depois seria revogada. "As honrarias são relevantes e válidas, concedidas para expoentes da cidade e de fora dela. Porém, acredito que há casos em que houve até mesmo uma falta de sensibilidade de um ou outro vereador que apresentou pedido para pessoas que não queriam receber. A pessoa tem que merecer a honrara e desejar receber, quando não há interesse, revoga-se. Definimos por agir assim porque havia honrarias não entregues desde 1981 e isso acaba desconstruindo o prestígio que a Câmara de Campinas tem", explicou à época, o vereador professor Alberto (PR), que era presidente da Comissão Especial de Honrarias. Celly morreu às 12h50, do dia 4 de março de 2003, aos 60 anos, após período internada no Hospital Samaritano, em Campinas. Ela lutava desde 1996 contra um câncer de mama. Foi sepultada no dia seguinte, no Cemitério Flamboyant.A então prefeita Izalene Tiene, depois de contatar a família, em 16 de maio de 2003, dois meses após o falecimento, batizou com o nome da cantora a praça que fica entre a Avenida Nossa Senhora de Fátima, Rua São Salvador e Rua Azarias de Melo, logo atrás do supermercado Dalben.

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