COTIDIANO

Cavaquinho anima compras em supermercados

Entre alimentos e produtos de limpeza, o aposentado Ângelo Baena encanta os clientes com seu talento musical

14/04/2013 às 14:15.
Atualizado em 25/04/2022 às 20:24
Ângelo Baena toca seu cavaquinho em mercado (Dominique Torquato)

Ângelo Baena toca seu cavaquinho em mercado (Dominique Torquato)

Os clientes do supermercado ficaram de queixo caído. O senhorzinho de cabelos brancos caminhava lentamente pelos corredores olhando o preço das mercadorias ao mesmo tempo em que tocava um cavaquinho. A cena surpreendeu alguns. Mas já era conhecida de muita gente. Volta e meia, seo Ângelo aparece. Às vezes, está fazendo compras mesmo. Mas, quase sempre, é só para tocar. Passeia entre as gôndolas, se ajeita no banco perto do caixa, anda pelo estacionamento. E faz o maior sucesso.

Ângelo Facirolli Baena toca instrumentos desde garoto. Ele conta que ia aos bailes e ficava o tempo todo perto do palco, encantado com o talento de sanfoneiros e violeiros. Então, arrumou um bandolim e aprendeu a tocar de ouvido. Ele nunca fez parte de banda nem ganhou dinheiro com o próprio talento. O homem tem até hoje, aos 84 anos de idade, o mesmo pensamento: “A música não é para o bolso, é para a alma”, fala.

Na verdade, o músico ganhou a vida trabalhando como eletricista. Menino ainda, ele passou por uma fábrica de sacos de papel em Ribeirão Preto. Depois, fabricou calçados em Franca. Veio para Campinas com 20 e poucos anos, e aqui descobriu a verdadeira vocação. Fez um curso de eletrônica por correspondência e começou a consertar aparelhos de rádio e televisão. O homem adorava lidar com fios, circuitos, fusíveis, tomadas. Mas, depois do trabalho, em casa, o eletricista se ajeitava no sofá e se divertia com o bandolim. E ele levou a vida assim, até se aposentar.

Mas a vida mudou drasticamente em 1994, quando a esposa, Hortência, se foi deste mundo. Ele tem um filho casado e dois netos. Mas ficou morando sozinho, no mesmo cantinho de sempre. No começo, fala, a saudade doía demais. E ele afogava as mágoas tocando. Um dia, resolveu mudar, aprender outros instrumentos. Tem um teclado na sala. E há pouco menos de um ano comprou um cavaquinho novinho em folha, da marca Rozini. E se animou para sair para a rua e se apresentar.

O cavaco de Ângelo já passou pelo Carrefour D. Pedro, pelo Dalben, pelo Paulistão. Andou por lojas do Centro, praças e bares. E é figurinha carimbada no Centro de Vivência de Idosos (CVI), lugar onde a turma da melhor idade se encontra para dançar, jogar bocha e fazer ginástica. Toda manhã, ele está por ali. E se diverte a valer. O cavaquinho fica no carro, pronto para a romaria pelos supermercados, o resto do dia. Mas, mesmo ali, seo Ângelo atende a pedidos de velhos amigos. Corre no porta-mala do Gol, tira o cavaquinho da capa, faz solos de clássicos como Carinhoso e Saudades de Matão. Por ali, ele tem a companhia de gente como o seo Darci Graff, gaúcho de 70 anos, sanfoneiro dos bons, que também se anima a dedilhar uma moda.

“Ah, eu não queria mais ficar sozinho dentro de casa, solitário. Eu posso sair, encontrar velhos amigos, conhecer gente nova pelo comércio”, afirma o seo Ângelo. E ele não deixa de aprender. “Eu vi. A criança é que mais se encanta com a música. Quando estou tocando no supermercado, a criancinha é quem puxa a mãe pelo braço e chama a atenção”, diz. “Acho que, hoje em dia, a criança não descobre o prazer da música. A garotada fica na internet, aprendendo o que não deve.”

Decepção, na vida de artista itinerante, só teve uma. Em um belo dia, Ângelo Baena resolveu tocar cavaquinho no jardim interno de um shopping elegante da cidade. O segurança, educadamente, pediu que ele parasse, para não incomodar os consumidores. “Foi engraçado. A própria clientela estava adorando a melodia. Todo mudo ficou doido com o segurança”, conta. “Teve até um comerciante que saiu para fora e disse que eu podia tocar dentro da loja dele. Mas eu não comprei briga. Coloquei o cavaquinho na capa e fui embora.”

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