EM CAMPINAS

Casos de violência contra o idoso crescem 75% em 2022

Dados mostram que, majoritariamente, as agressões são cometidas pelos filhos das vítimas

Luis Eduardo de Sousa/ luis.reis@rac.com.br
20/06/2023 às 08:51.
Atualizado em 20/06/2023 às 08:51

Psicóloga Ana Silvia Rennó cita efeitos colaterais decorrentes da violência contra idosos que colaboram para o surgimento de doenças, como a perda da autoestima, apetite e vontade de socializar com outras pessoas (Rodrigo Zanotto)

Campinas teve um aumento nos casos de violência contra o idoso no ano passado. Dados do Sistema de Notificação de Violência (Sisnov) revelam que o número de registros saltou de 95, em 2021, para 165, em 2022. No comparativo entre os anos, o aumento foi de 75%.

A coordenadora da Saúde do Idoso da Secretaria Municipal de Saúde, Camila Monteiro Gonçalves, vê com preocupação os números e avalia que o aumento de registros ainda é reflexo da pandemia, período em que, segundo ela, os olhos “se voltaram à covid-19 e deixaram de lado outras questões”. A psicóloga Ana Silvia Rennó, professora da faculdade São Leopoldo Mandic, vê o cenário com mais pessimismo, e cita que a violência em idade avançada pode desencadear doenças neurológicas, psicológicas e, em casos mais graves, suicídio.

Os dados do Sisnov mostram ainda que os 165 registros de 2022 superam todos os demais anos da série histórica de notificações do Sisnov, que contabiliza os apontamentos desde 2017.

Em 2017, foram 103 casos; em 2018, 118. Já nos anos de 2019 e 2020 foram 110 e 100 casos, respectivamente. Nos seis anos contabilizados, 2021 teve menor número de registros. Mesmo assim, os casos somados ao longo deste ano (95) representam um média de 7,9 registros por mês.

PERFIL

Dados revelam que 68% das vítimas em 2022 são do sexo feminino. Mostram ainda que, majoritariamente, as agressões são cometidas pelos filhos das vítimas. Dos 165 registros de 2022, 21% (35) se enquadram neste perfil, seguido pela violência praticada por cônjuges, que somam 9% (15).

O bairro com maior número de registros foi o Jardim São José, com 12 casos, seguido por Centro (10), Jardim Santa Lúcia (7) e Barão Geraldo (5). Os demais se concentram em diferentes bairros da cidade.

A responsável pela Saúde do Idoso na cidade vê com preocupação os números, mas atribui o aumento à pandemia. “O surto de covid-19 trouxe aquele medo de circulação, em razão da possibilidade de se infectar. Isso atingiu a todos, é claro, mas sobretudo os idosos, população mais vulnerável e com maior risco de progredir a óbito pela doença. Com maior tempo em casa, as agressões aumentaram e, oposto a isso, ficou mais difícil para a Saúde identificar alguma situação”, explica Camila Monteiro Gonçalves.

Ela vê com preocupação o aumento de casos, já que a violência prolongada pode levar, em situações extremas, ao suicídio das pessoas em idade avançada. “O que a gente percebe é que, naturalmente, quando os casos de violência estão altos, aumenta significativamente o número de suicídios. Nós reparamos isso aqui na cidade também”.

A reportagem pediu à Saúde os números relativos a suicídio entre idosos, mas a pasta não enviou até o fechamento desta edição. O Sisnov contabiliza as tentativas de atentar contra a própria vida, que também tiveram aumento significativo, saltando de 7, em 2021, para 21 em 2022. Nos demais anos foram 9 (2017); 14 (2018); 9 (2019) e 16 (2020).

A psicóloga Ana Silvia Rennó reforça para o risco de suicídio, que é desencadeado por uma série de enfermidades psíquicas e psiquiátricas. Ela explica que a situação piora gradativamente em casos de violência prolongada. Além disso, diz que quanto maior a idade, maior o risco.

“O risco principal da violência em idades elevadas é a depressão, mas outras doenças como ansiedade, fobias e crise de pânico também podem aparecer”, explica inicialmente, “isso porque as pessoas mais velhas já sofrem, naturalmente, com a perda de autonomia em relação aos seus afazeres. Soma-se a isso a reação negativa das pessoas que os ajudam nesses afazeres (filhos, companheiros e irmãos, por exemplo), e o quadro avança ainda mais rápido. É um sentimento de impotência, de desânimo, que leva as vítimas a questionarem o porquê de ainda estarem vivas”, completa.

A especialista cita ainda outros efeitos colaterais da violência que colaboram para o surgimento de doenças, como a perda da autoestima, apetite e vontade de socializar com outras pessoas. “Tudo isso contribui para uma deterioração neurológica mais acelerada que pode, por sua vez, acelerar doenças degenerativas como demência e Alzheimer”.

Rennó alerta para que familiares atentem aos sinais de comportamento se algo está errado. A psicóloga cita o isolamento do grupo familiar por parte da vítima, dificuldades na fala e choro frequente. “As famílias precisam integrar seus idosos, trazê-los para os programas familiares, conversar sobre os mais variados assuntos, promover um pouco daquilo que ele viveu ao longo da vida”.

O aposentado Nelson Martins de Oliveira, de 65 anos, já viu de perto a violência, que foi desferida contra um amigo. Ele, que mora no distrito do Campo Grande, conta o caso e diz que se previne mantendo uma rotina de atividades. “Um amigo da minha idade quase morreu por negligência. Ajudei-o a conseguir um lugar para morar, tratamento para a saúde e tudo mais, mas a saúde deteriorou pelo abandono dos filhos. Se não fosse eu, para o ajudar, não sei qual seria o destino dele. Eu, particularmente, mantenho minha rotina. Saio do Campo Grande, venho ao Centro, converso com meus amigos, brinco e, assim, vou mantendo uma vida saudável”, conta o idoso.

Nelson tem 13 filhos e acha que, na visão dele, conscientização seria o ideal para que os registros de violência venham a reduzir nos próximos anos. “Meus filhos são próximos a mim e a conscientização sempre foi tema na nossa família. Acredito que expondo os dramas, eliminamos a ignorância”, finaliza.

Izaias Ferreira ainda não é idoso, tem 54 anos. Aposentado, ele frequenta diariamente a praça em frente ao Palácio da Justiça, ponto de encontro de vários idosos da cidade, que se reúnem para “botar o papo em dia” e jogar cartas. Mesmo assim, ele, que também mora no Campo Grande, mantém o olhar atento. “Já apartei briga e inclusive aqui”, diz apontando para o banco da praça, “não aceito, pois gentileza gera gentileza e as pessoas têm que ter consciência. Educação se aprende em casa e é importante que as pessoas respeitem aquelas que trabalharam a vida inteira e agora estão em tempo de aproveitar”, conclui.

Camila aponta que, como forma de evitar os casos extremos, é importante conscientizar e, em caso de registro concreto, denunciar. “As pessoas podem ligar para o ‘Disque 100’, para o ‘Disque Denúncia’ ou ir até um Centro de Saúde, alguma unidade do poder público. A violência, em todos os espectros, é um problema de todos e precisa ser resolvido com ações multisetoriais. Muitas vezes, familiares cometem violências a que não se atentam e, por isso, a informação é a arma mais importante”.

JUNHO VIOLETA

Desde o início do mês, a Prefeitura promove ações de mobilização do Junho Violeta, criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2006 para alertar sobre a violência contra os idosos.

Até o fim do mês serão promovidas diversas atividades de conscientização. “O objetivo é promover o respeito, o bem-estar e a dignidade das pessoas idosas, além de combater a violência que esses indivíduos frequentemente enfrentam”, afirma Vandecleya Moro, secretária municipal de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos.

Entre as atividades a serem realizadas estão ações de conscientização em terminais de ônibus e, no próximo sábado, um mutirão de serviços para a população idosa será oferecido na Praça da Vila Aurocam.

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