Casal fala do amor como segredo da longevidade

O barulho do fluxo de ônibus que a cada cinco minutos estremece a Rua Porto Ferreira, no Proença, em Campinas, não atrapalha o ritmo da mão de Luzia Ferreira, de 89 anos, acariciando, em câmera lenta, a orelha de seu marido José Martinelli. A paixão em que ambos então embrenhados há 23 anos não dá qualquer sinal de abalo. Estejam sentados na varanda de casa ou batendo perna nos encontros da terceira idade, ganham a cada corrida do ponteiro uma dose extra de cumplicidade e amor. Agora que José acaba de completar 100 anos, Luzia se enche de orgulho e faz questão de ajudar o companheiro a lembrar-se de todos os momentos marcantes que viveu. E olha que foram muitos. Afinal, esse descendente de italianos teve e continua tendo uma intensa vida social, sempre de muita liderança nos grupos de terceira idade pelas quais passou. Ativo, o centenário não lhe tirou o sorriso fácil e a memória invejável. Também não apagou seus dons artísticos, e ele mostra sua mais recente obra: um porta-retratos feito com papel de jornal, ostentando fotos dele com a esposa nas diversas andanças. Mas das mãos de Martinelli já saíram belíssimas obras em bronze. Ele guarda diversas delas no armário do quarto, longe do alcance dos quatro netos e três bisnetos, confidenciou Luzia. Elefante, tubarão e pratos feitos de forma caseira revelam o lado perfeccionista do artista. “Eu produzia para lojas famosas de São Paulo”, lembra. Paulistano da Lapa, aos 14 anos já começou manipular peças de ferro na indústria metalúrgica Martins Ferreira. Fazia granadas, capacetes de guerra, grande parte para abastecer os paulistas na Revolução Constitucionalista, em 1932. Época difícil, em que durante as longas noites ouvia-se o estralar das balas nos postes de ferro. “A gente ficava encolhido dentro de casa.” Com os dois irmãos montava câmeras fotográficas caseiras e cada um ia para alguma partida de futebol que acontecia naquele começo de século, em São Paulo. “A gente batia as fotos, revelava em casa nas segundas e terças-feiras e depois partia para entregar aos times”, conta. A criatividade é a marca registrada desse senhor até hoje. Durante anos liderou o grupo da terceira idade da Legião Brasileira de Assistência (LBA) — um órgão assistencial público criado em 1942. O destino encarregou-se de traze-lo para Campinas, graças a alguns fatores que ele não detalha. “Nunca quis morar em Campinas, mas hoje estou aqui”, sorri. Nessas terras, tratou-se de buscar novos grupos de amigos, e no Sesi desenvolveu inúmeras atividades com os senhores e senhoras. Foi onde conheceu Luzia, que estava viúva havia 17 anos e se apaixonou por José. Fizeram muitas peças de teatro juntos. “Ele participou como figurante do programa da Sandy e Junior. Passou no teste e fez o papel de um jardineiro”, contou a esposa. “Quando eu ainda morava em São Paulo queria me apresentar em um teatro lotado. Tinha esse sonho. Mas foi em Sorocaba e Campinas onde fiz mais peças”, recorda. Há duas semanas ele chegou ao centenário, com uma grande festa armada na Vila Industrial. “Só não deu mais gente por causa do feriado”, disse. “Nunca fui a uma festa de 100 anos. Nenhum amigo chegou a essa idade”, completa. Palmeirense roxo, jogou bola durante um bom tempo, e quando a partida acabava e os amigos pediam cerveja, ele caprichava no copo de leite. “Nunca fumei, bebi e como moderadamente”, revelou, entregando alguns segredos que o ajudam a manter com tanta vitalidade.