RESISTÊNCIA

Casa de Saúde e sua 4ª pandemia

Histórico edifício enfrentou e venceu as três últimas grandes epidemias que abalaram Campinas

Tote Nunes/AAN
21/06/2020 às 13:28.
Atualizado em 28/03/2022 às 22:36
O prédio, idealizado para servir a colônia italiana como área de ensino e lazer, abrigou muitas vítimas da febre amarela e gripe espanhola (Cedoc/RAC)

O prédio, idealizado para servir a colônia italiana como área de ensino e lazer, abrigou muitas vítimas da febre amarela e gripe espanhola (Cedoc/RAC)

O centenário edifício que abriga a Casa de Saúde, na região central de Campinas, é exemplo da grandiosidade de uma era, mas também a testemunha viva de alguns dos momentos mais aflitivos da história da cidade. Idealizado por Samuel Malfatti — pai de Anita, a icônica integrante da Semana de Arte Moderna de 1922 —, o projeto que resultou no edifício que conhecemos hoje contou com o auxílio luxuoso de ninguém menos que Ramos de Azevedo — o arquiteto campineiro que, para muitos, cria para São Paulo a imagem de uma cidade moderna e cosmopolita, palco de uma oligarquia que adota padrões de gosto e conforto europeus. Nascido como Circolo Italiani Uniti, o edifício tinha como missão prioritária dar assistência, educação e lazer à colônia italiana, que crescia na cidade. Mas não se limitou a isso. Ao longo dos anos que se seguiram, ampliou sua atuação assistencial e hoje pode se orgulhar de uma história de resistência. Gripe espanhola e febre amarela foram letais Em 1889, Campinas foi surpreendida pela chegada da febre amarela, que derrubou a teoria segundo a qual a epidemia se fixara no litoral e de lá não sairia. Em 1886, o município de Campinas contava com 41.253 habitantes. Para o ano da epidemia, não há censos oficiais, mas se estima que a população urbana fosse da ordem de 15 a 20 mil habitantes. O número estimado de óbitos foi da ordem de 1.200. A febre amarela em forma epidêmica reapareceu na cidade de Campinas em 1890 e 1892, mas com menor intensidade. Em 1896, no entanto, retornou provocando grande letalidade e novamente causando um grande número de mortes. A partir de então, a febre amarela se extinguiu em sua forma epidêmica graças às medidas sanitárias tomadas pelas autoridades governamentais preocupadas, inclusive, com o impacto negativo que a doença trazia à economia cafeeira e à política imigratória. Duas décadas depois, entretanto, Campinas se viu diante da epidemia de gripe, conhecida por muitos como gripe espanhola; na realidade, uma pandemia, pois atingiu milhares de pessoas em escala mundial, deixando marcas na história de grande parcela de regiões do mundo por onde passou. Essa epidemia alcançou Campinas na primavera de 1918, contudo, seu impacto na dinâmica populacional foi menor do que o gerado pelas epidemias de febre amarela, ocorridas anteriormente. Com o surgimento do novo coronavírus e a pandemia da Covid-19, o belo edifício idealizado por Malfatti e Ramos de Azevedo entra agora para o enfrentamento de sua quarta epidemia. O histórico edifício enfrentou e venceu as três últimas grandes epidemias que se abateram sobre o mundo: as duas consecutivas de febre amarela — em 1889 e 1896 — e a da gripe espanhola, em 1918. A vocação para a saúde é tão antiga quanto a idade da construção. Nos primórdios do prédio, quando funcionava como colégio e centro de acolhimento de imigrantes italianos, o então Circolo Italiani, num ato de solidariedade daquela comunidade, foi adaptado em uma enfermaria improvisada para acolher vítimas da febre amarela, que incidiu na cidade pela primeira vez no ano de 1889. A epidemia da mesma doença retornou em 1896 e, de acordo com fontes históricas, a região central de Campinas mereceu grande atenção da inspetoria sanitária, que desencadeou “ações de desinfecção” (atendimento hospitalar, remoção de doentes e enterros), coordenadas pelo Dr. Emílio Ribas, considerado um dos mais importantes sanitaristas da história do Brasil e criador, entre outros órgãos públicos de saúde, do Instituto Butantan. Em Campinas, Emilio Ribas virou nome de rua no elegante bairro do Cambuí. A febre amarela foi erradicada da cidade em 1904 e a suntuosa obra de arte arquitetônica continuou a funcionar como escola. Mas, em outubro de 1918, Campinas foi atingida fortemente pela gripe espanhola, transformando novamente o edifício em um local para assistência aos enfermos. O uso do prédio para enfrentar as três epidemias alertou dois importantes líderes de Campinas na ocasião — Sr. Irineo Checchia e Dr. Mário Gatti — à predestinação do edifício. Assim, a cidade deu início às obras definitivas para a implantação de um hospital no local para assumir os cuidados da população e em 1920 foram encerradas as atividades como escola. A diretoria da associação italiana passou então a comprar terrenos ao redor e em 1924 foram inauguradas as duas alas superiores do hospital. Durante o período de perseguições aos radicados no Brasil por ocasião da II Guerra Mundial e o endurecimento da legislação brasileira aos estrangeiros empreendedores, o Circolo Italiani Uniti perdeu o seu nome em 1942 pela necessidade de se nacionalizar. Como consequência, o grande empreendimento passou então a se chamar Casa de Saúde Campinas. Essa trajetória de socorro tão disponível e presente quando mais foi preciso, e de atuações importantes e de vanguarda — como, por exemplo, sendo o primeiro hospital do interior de São Paulo a realizar cirurgias de transplante renal — tornaram a Casa de Saúde um hospital referência na região. SAIBA MAIS Hoje, nos esforços de enfrentamento da Covid-19, a Casa de Saúde mantém funcionamento exclusivo como Centro de Atendimento dedicado ao novo coronavírus durante a pandemia. A unidade faz o fluxo de acolhimento de pacientes com suspeita da doença e de confirmados concentrado em uma única unidade. Além disso, tem parceria com o SUS na reserva de 14 leitos de UTI. Tradicional hospital hoje é administrado pelo Vera Cruz Desde maio de 2019, o Vera Cruz Hospital administra o agora Vera Cruz Casa de Saúde. A entrega da operação deste patrimônio ao Vera Cruz foi a alternativa para que a instituição centenária não fechasse devido à crise financeira que tornou-se insuperável em 2018. A entidade Casa de Saúde Campinas continua existindo, administrando o seu patrimônio e os seus serviços assistenciais beneficentes. A concessão da Casa de Saúde pelo Vera Cruz Hospital é de 30 anos. Desde que o Vera Cruz Hospital uniu-se à holding Hospital Care, há pouco mais de dois anos, a busca é pela excelência dos serviços na unidade e pelo crescimento sustentável da marca. De acordo com o presidente do Vera Cruz, Dr. Erickson Blun, a parceria com outros hospitais pelo Brasil é uma das ações principais da holding. “Assumir a Casa de Saúde concretizou o plano do grupo em avançar os trabalhos na Região Metropolitana de Campinas (RMC) e resgatou para o município uma instituição de funcionalidade preciosa e de valor arquitetônico inestimável. Por meio desta impactante iniciativa, o hospital aumenta a sua contribuição para a sociedade por meio de investimentos em tecnologia e profissionais gabaritados, além de permanecer como orgulho da cidade”, frisa o Dr. Blun.

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