PREVIDÊNCIA

Capitalização resultará em fracasso

Avaliação é do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, que esteve na Unicamp proferindo palestra

Daniel de Camargo
daniel.camargo@rac.com.br
22/09/2019 às 12:24.
Atualizado em 30/03/2022 às 11:53

O sistema de capitalização proposto pelo ministro Paulo Guedes para a reforma da Previdência, que desobriga a participação das empresas e do Estado, implicando que os trabalhadores passem a contribuir individualmente para o fundo de aposentadoria, é inviável e está fadado ao fracasso como já ocorreu na Argentina, Chile e Estados Unidos, países que tentaram sem sucesso adotar esse modelo. A análise é do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, que na última quarta-feira criticou outros pontos do projeto e o governo federal durante palestra no auditório da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), na abertura do Ciclo de Conferências “A Crise Brasileira”, uma iniciativa da reitoria e do Instituto de Estudos Avançados (IdEA) da instituição. A reforma da Previdência, assim como a iminente Tributária, que promete eficiência e justiça, são necessárias, analisa Belluzo. Contudo, assegura, que ambas são imensamente mais complexas do que a maneira como o governo federal vem tratando os temas. “É preciso discutir o regime de repartição, no qual o sujeito que está trabalhando paga para o que está se aposentando. Isso não vai sobreviver”, enfatizou. O economista entende que é impreterível considerar a criação de outro modelo de contribuição. O impacto que as mudanças irão provocar na produtividade econômica, o avanço na automação e outros fatos e indicadores, ele enfatiza, precisam de um raciocínio mais aprofundado. “Qual o princípio da Previdência Social? Dar conforto para as pessoas, quando ficarem idosas, garantindo que elas não irão absolutamente ser desamparadas. Essa segurança está sendo retirada com o texto proposto, que vai de encontro ao que está acontecendo no resto do mundo”, concluiu Belluzzo, que na década de 1980 foi secretário especial do Ministério da Fazenda e secretário estadual de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico de São Paulo. A reforma da Previdência começará a ser votada no plenário do Senado, em primeiro turno, na próxima terça-feira. A proposta precisa passar por dois turnos de votação e, para ser aprovada, exige 49 votos favoráveis em cada, ou 3/5 dos senadores. No início deste mês, o texto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Na última quinta-feira, Tasso Jereissati (PSDB-CE), relator da reforma na CCJ, deu seu parecer no qual aceitou apenas uma das 77 emendas apresentadas à Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que retirou do texto um trecho que tratava da regra de transição para servidores públicos. Provavelmente, o Senador aprovará o texto enviado pela Câmara sem incluir trechos, apenas excluindo alguns pontos. Nesta possibilidade, depois de aprovada no Senado, a reforma é promulgada pelo Congresso e vira uma emenda à Constituição. Assim que for promulgada, praticamente todas as alterações passam a valer. Entre elas, a nova metodologia de cálculo do valor da aposentadoria. CPMF Belluzzo não acredita ser a melhor opção possível, porém, diz não achar ruim a ideia da equipe econômica do governo federal que planeja-ou planejava, já que a repercussão negativa da ideia deve mudar os rumos do projeto - instituir o Imposto sobre Transações Financeiras (ITF), semelhante à extinta Contribuição Provisória Sobre Movimentação Financeira (CPMF), tributo que vigorou em esfera de aplicação federal sendo aplicado de 1997 a 2007. A intenção é substituir gradativamente a contribuição patronal sobre salários (folha de pagamentos), a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Em estudo, a possibilidade de que cada saque ou depósito em dinheiro seja taxado. Esse tipo de tributo é criticado por ser um imposto de efeito cumulativo, que incide sobre as diferentes etapas da cadeia produtiva e, consequentemente, todos os seus atores. Na visão do economista, um imposto com esse formato vai de encontro a uma série de transformações sofridas pela economia nos últimos anos. “Eu acho que toda a argumentação contra a CPMF é ruim. É tosca”, ponderou, por entender inclusive que esse tributo pode ser um mecanismo que auxiliará a prevenir a sonegação. Belluzzo defende sociedade igualitária e apátrida Questionado por um estudante se o Brasil vive uma administração imobilista (conceito que repudia o progresso e defende o apego às tradições) por parte da classe militar, uma vez que o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), insere militares constantemente em cargos da sua equipe, Belluzzo respondeu que não. Para o economista, essa escolha para o preenchimento de vagas revela uma extrema insegurança do capitão reformado. “Ele (Bolsonaro) sabe que não sabe de nada”, enfatizou. Belluzzo contextualizou ainda que o atual ambiente internacional é diferente do vivido em 1964, quando ocorreu um golpe de Estado promovido por militares no País. “Na época, estávamos em plena Guerra Fria”, ressaltou, recordando o período histórico de disputas estratégicas e conflitos diretos entre os Estados Unidos e a União Soviética, que ajudaram a especular uma possível “ameaça comunista” ao Brasil. Hoje, afirma o economista, não existe mais comunismo (ideologia política e socioeconômica, que defende o estabelecimento de uma sociedade igualitária, sem classes sociais e apátrida, baseada na propriedade comum dos meios de produção). Crise econômica é uma das mais duras e complexas A crise econômica que o Brasil atravessa nos últimos anos, segundo o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, é mais dura e complexa do que a de 30 e dos anos 80. A primeira, que colocou em xeque as exportações agropecuárias no País, pois Estados Unidos e Europa deixavam de importar o café nacional, foi respondida, de acordo com ele, com um projeto de industrialização. A segunda, da dívida externa, entende, está na origem de muitos problemas da atualidade, entre eles a desindustrialização. De lá para cá, recorda, houve o período da inflação disparada, que resultou na criação do Plano Real, que teve como efeito colateral a valorização do câmbio e das taxas de juros. Esses fatores, na opinião de Belluzzo, levaram a indústria nacional a sucumbir. “Essa queda não foi interrompida nos governos Lula e Dilma. Não trataram a questão”, afirmou. Belluzzo manifestou sua reprovação aos analistas econômicos que não consideram pontos essenciais ao opinar sobre a crise brasileira e alegam que a solução se restringe às reformas previdenciária e tributária e ao corte de gastos do governo. “O bloqueio maior que temos está consolidado no teto de gastos. É uma das coisas mais inacreditáveis que eu vi na minha vida. Imobiliza-se a economia e a política econômica. E o teto de gastos atinge a todos, inclusive a nós, da universidade. Isso é um absurdo, porque todo mundo sabe que, em uma situação de depressão ou recessão em que nós estamos, com inflação baixa e taxa de juros em queda, temos que articular formas de gastar”, opinou o economista.  Eleição de Bolsonaro e de Trump foram enganos, diz O economista Luiz Gonzaga Belluzzo interpreta a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) no Brasil, e Donald Trump nos Estados Unidos, como um equívoco da população, que confundiu na hora de votar um chefe de família com um chefe de Estado. Em sua concepção, os momentos ruins atravessados por ambos os países induziram os cidadãos a optar pelo primeiro que se posicionou com um discurso protetor. “Estamos (no Brasil) assistindo o governo do churrasco na laje depois da cervejada”, criticou. “Não se pode transformar o Estado num departamento da sua família”, completou. O encolhimento do Estado aliado a visão liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, é preocupante, disse Belluzzo. “O Paulo Guedes é um economista que nunca escreveu uma linha: só especulou no mercado financeiro. Algumas vezes, perdeu e outas acertou, como todos”, indicando que, em sua opinião, Guedes não é o mais capacitado para ocupar o cargo. “Na verdade, estamos numa regressão”, ponderou.

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