Diego Vedovato, de 25 anos, viveu nas ruas de Campinas e região com os pais, quando tinha 8 anos, após a família perder tudo; segundo o escritor, os moradores de rua foram os únicos a ajudá-los naquele momento
Diego Vedovato Fortuna, 25 anos, viajou o mundo e escreveu um livro sobre a vida de moradores de ruar (Janaína Ribeiro/AAN)
Em novembro, o campineiro Diego Vedovato Fortuna lançará seu primeiro romance, aos 25 anos. Mas não será somente um livro de ficção, e sim a sua história relatada por meio de um personagem que nos últimos três anos viajou para 40 países com o propósito de entrevistar mais de 200 moradores de rua. O jovem Eduardo, do livro Um Lugar Para Morar, é na verdade o resumo da história recente vivida por Diego, que durante cinco anos viveu nas ruas de Campinas e região com o pai e a mãe. Apesar de triste, Diego reserva uma história de vida tão fascinante quanto à dos moradores de rua que encontrou pelo mundo. Seu fascínio pelo tema surgiu quando estava com 8 anos de idade. Seu pai, político, empresário e “dono” do bairro Vila Fortuna, em Campinas, perdeu tudo o que conquistou, e em 1998 Diego e a família foram morar nas calçadas da cidade. “Perdemos tudo, e nos tornamos moradores de rua. A família virou as costas e os amigos também. Os moradores de rua foram os únicos que nos ajudaram naquele momento difícil. Eles repartiam o pouco que tinham conosco”, lembra Diego, que largou uma das melhores escolas da cidade. Foram cinco anos nas calçadas, morando de favor, e quando as coisas começaram a melhorar, pagando aluguel. Recomeçaram em Campinas, e depois foram se “esconder” em Mogi Mirim, mas passando por Estiva Gerbi. Depois de alguns anos vivendo na dificuldade e com pai e mãe doentes gravemente, Diego voltou para Campinas para trabalhar em um shopping. No trajeto que fazia de Mogi até a cidade conheceu a secretária de um dos diretores de uma das maiores empresas de entregas internacionais, que opera em Viracopos. No trajeto para o trabalho, Diego relata que ia estudando inglês com aulas que ele imprimia em uma lan house, pois não tinha dinheiro para um curso. Isso teria impressionado a secretária. Ele conseguiu o emprego e, após algumas provações — como se alimentar do resto da comida de seus colegas de escritório —, o reconhecimento chegou e as coisas começaram a melhorar. Ele passou em primeiro lugar em um concurso de uma das maiores companhias de aviação comercial e civil. A partir daí, traçou sua meta de vida, que era conhecer, nas lindas cidades do mundo, como os moradores de rua vivem no Exterior. Em cada curso que fazia no Exterior, cada viagem a trabalho ou em férias, Diego aproveitava para visitar cidades e saía às ruas a procura de moradores de rua. “Na grande maioria dos países, percebi que a carência da família é o fator que faz com que muitos fiquem nas calçadas”, avaliou. Hoje Diego é formado em Administração de Empresas e Comércio Exterior em duas universidades e também é membro do Instituto Legislativo Brasileiro, onde estudou Ciência Política e Relações Internacionais. A ideia para o livro surgiu por meio de um professor depois que ele inclui alguns relatos colhidos nas ruas em seu Trabalho de Conclusão de Curso. HistóriasAlguns moradores marcaram muito Diego durante suas andanças, como Vlaovic, um sem-teto na cidade de Zadar, na Croácia. Ele dormia todas as noites aos arredores do projeto arquitetônico do croata Nikola Basic — o chamado Órgão do Mar. Dizia ele que não tinha lugar melhor para se dormir, pois ali ele ouvia o puro som das notas musicais vindas do bálano do mar. “Ele era ex-professor de música da Universidade de Zagreb e me contou uma história incrível de sua vida, retratada no livro.” Em Copenhague, na Dinamarca, conheceu o ex-primeiro regente da Orquestra Sinfônica Dinamarquesa, hoje morador de rua. No Cairo, no Egito, um dos maiores jornalistas africanos, hoje morador de rua, troca sua histórias no jornalismo por comida nas ruas da cidade. Francês revê filha bailarina após 30 anos“O livro conta as emocionantes histórias reais de moradores de rua de todo mundo. Moradores de países de primeiro mundo ou não, mas que só precisam, às vezes, de um segundo de atenção”, relatou Diego. A história principal acontece em Paris, onde Diego encontrou Jean largado no metrô passando um frio de -5°C. O morador de rua foi o primeiro a ser encontrado pelo jovem, e o fio condutor de todo o livro. “Perguntei para ele qual era seu sonho e ele me disse que era ir a um espetáculo de ballet no Olympia, a casa de espetáculos mais antiga de Paris e uma das mais importantes da Europa. Achei estranho mas, comprei dois ingressos para um espetáculo daquela noite.” Jean carregava consigo uma caixa de madeira, e dão deixa ninguém tocá-la. Ali dentro, depois descobriu Diego, estavam centenas de recortes de jornais com fotos e reportagens sobre uma bailarina. No momento em que as lágrimas de Jean começaram a escorrer, Diego compreendeu: a bailarina no palco era filha de Jean, que não via havia 30 anos. “Foi uma emoção sem tamanho. Depois do espetáculo ele se apresentou como pai e estão morando juntos desde então”, contou Diego. Jean foi para as ruas após sua esposa morrer em um atentado à bomba programado pelo próprio amante que, por erro de cálculo, em vez de matar Jean vitimou a namorada. Para a filha do morador de rua, a família nunca revelou que o pai havia escapado, e para a garota ele também havia morrido na explosão. Jean estampa a foto de capa do livro, de 250 páginas, que sairá pela editora Multifoco e que terá parte da renda destinada para instituições de caridade. O lançamento dos 25 mil exemplares ocorrerá no Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas.